Em 1904, eclodiu a chamada Revolta da Vacina, atribuída à insatisfação da população com o tratamento dado pelas brigadas da vacina no combate à epidemia de varíola e outras doenças. À frente das brigadas estava Oswaldo Cruz.
Mas no centenário de sua morte podemos ver o que seu legado na pesquisa e na política sanitária brasileira vai muito além da reação furiosa a suas medidas impopulares – e até que essa reação era mais ampla do que apenas uma insatisfação com a obrigatoriedade da vacina.
O médico sanitarista teve um papel importante na história da saúde no Brasil, e também se destacou mundialmente. Conheça um pouco sobre a vida deste cientista brasileiro ouvindo o #Arquivo da Ciência.
Aperte o play ou confira a transcrição da matéria:
11 de fevereiro de 1917. Morre o prefeito de Petrópolis, Rio de Janeiro, seis meses depois de sua posse; pouco mais de quatro anos e meio após ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, vaga para a qual derrotou o poeta curitibano Emílio de Meneses por 18 votos a 10.
Político? Literato? Na verdade, Oswaldo Gonçalves Cruz, paulista de São Luiz do Paraitinga, onde nasceu em 5 de agosto de 1872, é mais conhecido como médico sanitarista que moldou a paisagem da saúde no Brasil.
Aos cinco anos de idade mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde cresceu e se formou em Medicina. Durante o curso interessou-se pelo nascente ramo da microbiologia desbravado por Pasteur, Koch e outros.
Sua tese de conclusão da graduação foi intitulada “A veiculação microbiana pelas águas”, um prenúncio de sua carreira futura. Ele chega a montar um pequeno laboratório microbiológico no porão de sua casa, porém a súbita morte de seu pai, no dia de sua formatura, muda seus planos.
Em 1893, logo após obter seu título de doutor em Medicina, casa-se com Emília da Fonseca, filha do comendador Manuel José Fonseca. Com Emília, Oswaldo Cruz teria seis filhos. Somente em 1896, retomaria o trabalho com os seres microscópicos.
Na Europa, fez estágio no Instituto Pasteur, na França, indo depois para a Alemanha. Retornaria ao Brasil três anos depois, sendo imediatamente designado para combater a peste bubônica em Santos, no litoral paulista, e em outras cidades portuárias.
Em 1900, foi criado o Instituto Soroterápico na antiga fazenda de Manguinhos com o propósito de produzir soro antipestoso. Cruz assumiria o cargo de direção dois anos depois, ampliando o escopo do instituto para a pesquisa básica e aplicada e formação de pessoal.
No ano seguinte, seria o Diretor Geral de Saúde Pública, o equivalente ao cargo atual de ministro da saúde.
Iniciou, então, várias campanhas de saneamento. Entre elas contra a febre amarela. Embora boa parte dos médicos acreditassem à época que a doença fosse transmitida pelo contato com o enfermo e suas secreções, Oswaldo Cruz apoiava a hipótese que ela fosse transmitida pelo mosquito.
As brigadas mata-mosquitos percorrendo ruas, vielas e invadindo casas para eliminar criadouros provocaram indignação popular. Mas o pior estava por vir.
Em novembro de 1904, a campanha de erradicação da varíola, que assolava a capital da jovem República, fez transbordar uma série de tumultos populares. O episódio ficou conhecido como a Revolta da Vacina.
Oswaldo Cruz estava à frente das brigadas sanitárias que, acompanhadas de forças policiais, podiam invadir as casas e aplicar vacinas à força. Assim ele acabou tornando-se a principal figura alvo dos caricaturistas.
A insatisfação, porém, tinha uma natureza mais ampla já que as camadas populares eram vítimas dos despejos motivados pelas grandes obras de urbanização do prefeito Pereira Passos.
A população conseguiu que a obrigatoriedade da vacina fosse retirada, mas as ações das brigadas surtiram efeito e logo os casos de doenças diminuíram. Em 1907, a febre amarela estava erradicada do Rio de Janeiro.
Nesse ano, Oswaldo Cruz ganharia a medalha de ouro no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim por seu trabalho de saneamento na capital do Brasil. O aumento de casos de varíola em 1908 fez a população finalmente procurar, voluntariamente, os postos de vacinação.
Ao deixar o posto de Diretor Geral de Saúde Pública em 1909, Oswaldo Cruz voltou a se dedicar ao Instituto Soroterápico, agora rebatizado em sua homenagem.
Organizou expedições científicas pelo interior do Brasil, acabando com a febre amarela no Pará e realizando campanhas de saneamento na Amazônia. Combateu também a malária entre os trabalhadores da construção da ferrovia Madeira-Mamoré.
No centenário da morte do sanitarista, a Fundação Oswaldo Cruz relembra seu legado em site comemorativo “Oswaldo Inspira: 100 anos sem Oswaldo Cruz”.
É uma triste ironia que a efeméride seja recebida com o maior surto de febre amarela nos últimos 37 anos, desde o início da atual série histórica em 1980. São mais de 1400 casos notificados e mais de 360 confirmações com 114 óbitos confirmados até o início de março. Seguindo-se a surtos e epidemias de outras doenças transmitidas por mosquitos: dengue, zica e chicungunha.
Leia também:
Estadão: Mal do país de Oswaldo Cruz persiste há 100 anos
Matéria de Roberto Takata, com locução de Patrícia Santos.