No final de junho foi realizado o “1º Workshop Internacional sobre os Desafios de Revistas Interdisciplinares”, na Fiocruz, no Rio de Janeiro. O evento trouxe experiências de editores científicos das humanidades e ciências sociais do Reino Unido, Brasil, Argentina, México e outros países da América Latina.
Entre os temas em debate esteve a internacionalização, considerada um meio para garantir que o conhecimento de qualidade circule. No entanto, as bases indexadoras de revistas têm exigências difíceis de se cumprir em relação à quantidade de artigos de autoria estrangeira, editores e pareceristas de outras nacionalidades, além da língua inglesa como a língua oficial, conforme aponta a editora da revista Varia História, Regina Horta.
Regina Horta – “Não basta ter autores estrangeiros. Porque você pode ter uma revista toda de autores estrangeiros que te mandaram seu pior artigo. Também não basta ter uma revista toda em inglês, porque ela pode ser traduzida em um inglês tão ruim, que se alguém de fora ler, ao invés de ter uma boa ideia da sua revista, pode falar ‘eu nunca vou publicar em uma revista que publica esse inglês horrível’. Então, são parâmetros que existem, e eles não são suficientes. Eles são até necessários, quer dizer, é importante que haja uma diversidade de línguas, é importante que haja autores de instituições diferentes, mas só isso não basta. E por outro lado, eu acho que nas revistas brasileiras o espanhol (publicação de autores em espanhol que vem da Colômbia, da Argentina, do Chile) deveria ser pensado como um elemento de internacionalização, porque o espanhol é uma língua muito lida no mundo”.
Nelson Sanjad, editor adjunto da revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos, concorda que a internacionalização é muito complexa para se atingir o reconhecimento externo e envolve outros problemas além das exigências das bases indexadoras.
Nelson Sanjad – “Como conversar sobre a internacionalização se a nossa tradição científica, a ciência brasileira, tem características próprias, nacionais e soberanas? Temos que olhar esses aspectos todos porque por mais que tenhamos todos os periódicos escritos em inglês, editores de outros países, autores publicando em nossas revistas, pode ser que as nossas revistas continuem sendo vistas no exterior como revistas brasileiras que publicam, sobretudo, artigos realizados no Brasil e sobre o Brasil”.
Outro ponto de discussão foi o futuro dos periódicos, mencionados como reféns dos programas de pós-graduação e das pressões por publicar muito e cada vez mais rápido. Segundo Nelson, isso pode gerar uma série de distorções, principalmente éticas, além de mudar a forma de se comunicar ciência.
Nelson Sanjad – “Todo o sistema de avaliação chamado ‘peer review’ está sendo questionado, ele está sendo considerado algo atrasado ou algo que atrapalha os pesquisadores que hoje têm sempre muita pressa. E estão sendo criadas alternativas supostamente eficientes e certamente mais rápidas como o ‘fast track’, como o ‘pre print’, como os repositórios para o debate público sobre os manuscritos dos originais. Isso gera consequências sérias para as revistas, que têm que abrir mão de um preceito que é fundamental para elas, que é a originalidade e o ineditismo desses trabalhos”.
Abel Packer, diretor do Programa SciELO, principal coleção de periódicos científicos brasileiros, também recomenda que as revistas avaliem como se preparar para as novas tendências, como a publicação em preprint, estratégia usada há vinte anos por áreas como a física:
Abel Packer – “É o chamado ‘preprint’, qual seja o pesquisador os autores de um trabalho, eles depositam, submetem primeiramente o manuscrito a um repositório na web que já fica em acesso aberto e a partir daí ele é então submetido ou disponível para comentários e o autor pode modificar o trabalho de acordo com os comentários que ele recebe, então, nesse processo é um processo chamado de avaliação ou revisão aberta, e a partir de um determinado momento, ele pode enviar para uma revista para que passe para um processo clássico de avaliação e publicação”.
Nelson também exemplifica o que é o fast track, em que o artigo pode passar só 60 dias ou menos de avaliação por parte dos periódicos para ser publicado.
Nelson Sanjad – “O ‘fast track’ é um caminho abreviado, uma maneira rápida de divulgar um artigo, seja porquê razão. Nós temos o exemplo claro do ‘fast track’ que está acontecendo agora em função da epidemia de Zika. Então, tudo que está sendo produzido de conhecimento científico relacionado a Zika, ao mosquito, ao vírus e à doença, à uma série de coisas, está sendo publicado através de ‘fast track’, ou seja, não está sendo passado pelo processo tradicional de avaliação”.
Diante desse contexto, Abel defende uma mudança do papel das revistas científicas, que não será mais o de publicar o inédito. Ele afirma que as revistas devem agregar valor para não desaparecer e para isso elas podem passar a ser uma instância de certificação da qualidade do artigo, além de influenciadoras da ciência e sociedade. Abel aproveitou para anunciar que no começo do próximo ano, o SciELO deve lançar um repositório de ‘pre print’, em todas as áreas temáticas.
Abel Packer – “Obviamente, isso vai depender de que as revistas do SciELO também aceitem receber os artigos que fora depositados no depositório”.
Nelson destacou também que grandes editoras comerciais, como a Elsevier, já disponibilizam uma plataforma multimídia para as revistas, com imagens, vídeos e infográficos. Isso permite uma aproximação com a linguagem da internet, o que deverá substituir os periódicos da forma que conhecemos hoje.
O workshop teve apoio da British Academy com a revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos (Fiocruz) e o periódico britânico Journal of Latin American Studies (Cambridge University Press).
Você pode se aprofundar na reportagem publicada no blog Ciência em Revista e nos conteúdos já publicados em nosso site. Confira abaixo.
Redação e Locução de Kátia Kishi.
Publicações do programa Oxigênio sobre periódicos científicos:
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Internacionalização da pesquisa brasileira em ciências humanas