Há 80 anos, o Brasil vivia a decadência da elite do café e a ascensão da burguesia industrial. A perspectiva era de urbanização crescente. Nesse contexto surge a primeira edição de Raízes do Brasil, livro de Sérgio Buarque de Holanda, uma das principais referências na análise da origem do povo brasileiro e na reflexão sobre todos os “Brasis” que nós somos.
As oito décadas da obra são celebradas este ano com o lançamento da edição crítica de Raízes do Brasil, pela Companhia das Letras.
Holanda era bacharel em direito, crítico literário e jornalista. Nesse ensaio historiográfico, ele trouxe não só elementos para a compreensão da nossa gênese, como também para pensar aquele momento vivido pelo país. O Brasil se equilibrava entre a direita e a esquerda autoritária de Getúlio Vargas. Holanda se diferenciou ao defender uma saída democrática para a nação. O autor havia passado uma temporada de dois anos na Alemanha, em missão jornalística, e ao retornar, escreveu um artigo para a revista Espelho, segundo conta em documentário Maria Amélia Buarque de Holanda. Além de esposa ela foi uma colaboradora intelectual durante toda a vida dele. As ideias iniciais do artigo resultaram no livro Raízes do Brasil, publicado em 1936 pela editora José Olympio, que inaugurou então uma série de publicações sobre o Brasil, sob a direção do sociólogo Gilberto Freire. Holanda não considerava Raízes do Brasil sua obra mais importante. O cantor e compositor Chico Buarque, filho do historiador, também contou em documentário que o pai preferia Visão do Paraíso, texto que resultou da tese defendida para a cátedra de História da Civilização Brasileira na Universidade de São Paulo, onde o professor ingressou em 1956.
Carregando polêmicas, mas trazendo também uma defesa da democracia que era novidade naquele contexto, Raízes do Brasil constituiu uma história própria ao longo dos anos e tornou-se uma obra atemporal. Foi traduzida para o italiano, espanhol, japonês, alemão e francês. Tem sido até hoje tema de discussões literárias e estudos acadêmicos especialmente o conceito de “homem cordial” usado por Holanda. Para o historiador, essa visão conforma nossa cultura personalista, que é uma herança do meio rural e da influência ibérica. Essa cordialidade dá maior importância aos relacionamentos pessoais que às normas sociais, a emoção sobre a razão, tratando a coisa pública como privada, por exemplo. À medida que o Brasil se urbanizasse, a cultura da cordialidade seria apagada, na visão do autor.
A edição comemorativa deste ano esmiúça a história dessa obra, sendo rica em notas e trazendo nove prefácios. Além disso, mostra também o trabalho de revisões feitas por Sérgio Buarque nas três décadas seguintes à primeira edição. O texto deste ano é o último aprovado pelo autor em vida, da quinta edição de 1969. A publicação deste ano tem ainda uma atualização ortográfica e um caderno de imagens que mostra inclusive como o autor alterava ou cortava trechos, reescrevia à mão ou batia à máquina colando parágrafos nos trechos que deveriam ser modificados. Os organizadores são Lilia Moritz Schwarcz, professora da USP e da Universidade de Princeton e Pedro Meira Monteiro, também professor universidade norte-americana. Além de ler edição crítica, a dica para quem quiser conhecer mais sobre Raízes do Brasil e Sergio Buarque de Holanda é visitar o acervo pessoal do autor que está aberto ao público na Biblioteca Central da Unicamp. Lá tem inclusive a máquina de escrever usada por Holanda.
Confira também:
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Coleção Sérgio Buarque de Holanda na Unicamp
Atuação de Sérgio Buarque de Holanda na USP
Matéria de Patrícia Santos.