Este é o último episódio do romance radiofônico Meu divã interior e nesta despedida, nosso protagonista da série, o Fabiano, tenta esclarecer uma questão que ronda sua mente: a primeira é como ter o controle sem recorrer a uma fuga da realidade? E pensa que da necessidade de se libertar, há de se encontrar um equilíbrio.
Meu divã interior é um projeto de extensão PROEC (Pró-Reitoria de Extensão e Cultura) que foi realizado por alunos do curso de Artes Cênicas da Unicamp, ingressantes do ano de 2020 e que chega ao fim neste nono episódio.
Roteiro
Alice: Vamos falar sobre essa questão do controle, Fabiano.
Fabiano: Sabe o que eu acho, Alice? Eu acho… Não sei, tenho a impressão que…
Alice: Fabiano, respira e tenta organizar o que você quer dizer.
Fabiano: Uma vez, quando eu contei pra um amigo que eu tava mal por causa de uma briga com minha ex-mulher, ele falou: “Toma um porre!”. Parece que é isso: ao invés de tentar melhorar a realidade quando ela tá ruim, as pessoas procuram uma fuga da realidade. Algumas com o álcool, outras com drogas mais pesadas.
Alice: E você não quer que uma substância psicotrópica tire de você o controle de si mesmo – observou Alice.
Fabiano: Holmes, um dos heróis da minha infância, usava cocaína. O pai da psicanálise também usava cocaína.
Alice: Mas nem sempre é assim, Fabiano.
Fabiano: Sim, eu sei que outras pessoas buscam fuga com coisas mais saudáveis, como alpinismo, paraquedas, bangee jump ou com esportes mais radicais, que dão mais adrenalina. Ou com um livro, um filme, uma série. Mas parece que é preciso sempre fugir da realidade.
Alice: Não é só uma questão de fuga, Fabiano. Envolve também libertação. É ótimo que você seja uma pessoa que controle bem o seu tempo, para desempenhar suas atividades, que organize suas coisas metodicamente, tanto na sua casa quanto no trabalho, e até mesmo que segure seus impulsos pra não xingar alguém no trânsito. Mas você não é só isso. Tem um outro Fabiano dentro de você pedindo para ser libertado e alçar vôo.
Pensamentos de Fabiano: Incrível essa Alice! Eu não me lembro de ter contado a ela algum dia os meus sonhos em que sabia voar. Mas a relação entre o que ela está dizendo e aqueles sonhos que eu tinha parece evidente!
Alice: Você precisa tentar um equilíbrio entre a responsabilidade e o compromisso social e o sonho. O sono interrompido é um sintoma de uma outra interrupção mais importante em sua vida.
Pensamentos de Fabiano: Alguns diriam o mesmo que Alice de outra forma: eu precisava encontrar o equilíbrio entre o meu yin e meu yang, entre meu lado masculino e meu lado feminino.
Outros iriam além: um equilíbrio entre o meu elemento ar, que silencia, foca e decide, meu elemento terra, que conecta, constrói e entrega, meu elemento fogo, que cativa, queima e transmuta, e meu elemento água, que chora, limpa e flui. Pela segunda vez, senti meus olhos umedecerem diante de Alice.
Fabiano: É isso! – falei, em uma mistura de lágrimas com sorriso.
Eu tenho que reaprender a voar! Obrigado, Alice.
Epílogo
Já são mais de três meses em confinamento. E Fabiano não consegue mais ir além das manchetes do noticiário. Como aquelas pessoas que antigamente paravam diante de uma banca de jornal e usufruíam da gratuidade da leitura das primeiras páginas em exposição. O pior, para ele, era que milhões lá e aqui escolheram ser liderados pela bestialidade. Em certas horas, Fabiano chega a acreditar que já não se sente brasileiro e nem cidadão do mundo.
Essa momentânea falta de fé o levava, invariavelmente, a evitar as redes sociais em que imperava o ódio ao anticristo tupiniquim. Por isso, acessava mais o Instagram. Fabiano cometeu a imprudência de procurar no Google os significados para corações verdes, azuis, rosas, solitários ou em duplas.
Ele sabia que não podia fingir a si mesmo ser uma ilha por muito tempo. Então, volta e meia, criava coragem para ver se encontrava algo de bom no meio do mar de fúria da outra rede social. Quando dava a sorte de se deparar com uma das crônicas da Ana Salvagni, era sempre uma delícia! Para sua surpresa, outra amiga aproveitou os tempos de confinamento para também compartilhar crônicas suas por ali. Fabiano leu com gosto uma delas. Um tanto elitista, na sua avaliação, mas muito honesta e sincera.
Com as consequências da pandemia e do isolamento social, muita gente estava recorrendo a ajuda por videoconferência. Mas a ideia que ocorreu a Fabiano foi outra. Pensou em simular sessões de terapia em uma história fictícia. Chegou a pensar em uma peça de teatro. O cenário inicial seria um consultório. Os personagens, a terapeuta e seu paciente. No decorrer da cena inicial, a iluminação geral diminuiria aos poucos, ficando apenas um foco de luz no paciente. Sua voz seria ouvida em uma gravação. “Será que esse seria um recurso muito batido pra diferenciar entre ele falando com a terapeuta e ele pensando consigo mesmo?”, indagou-se Fabiano. Não importa. Vou primeiro tentar esboçar alguma coisa. Depois eu vejo o que faço com isso.”
FIM
Você acabou de escutar o último episódio de “Meu divã interior”, um romance radiofônico que é um Projeto de Extensão PROEC (Pró Reitoria de Extensão e Cultura) realizado por alunos do curso de Artes Cênicas da Unicamp.
Esse projeto consistia na adaptação do romance homônimo, escrito por Rodrigo Bastos Cunha, para ser escutado; ou seja, para um formato de áudio, que acabou virando este romance radiofônico.
Contado em série, com nove episódios, foi postado semanalmente ao longo desse semestre que se encerra agora.
Obrigado por quem nos acompanhou. Ficamos por aqui.
Ficha técnica:
Adaptação de roteiro, Direção e Produção:
- Antero Vilela e Helena Chiste
Atrizes / Atores e participações especiais, (por ordem de aparição):
- Helena Chiste, como Alice
- Antero Vilela, como Fabiano
Narradores
- Helena Chiste
- Antero Vilela
- Rodrigo Bastos
Trilha sonora original:
- Antero Vilela
Edição, mixagem e finalização de áudio:
- Vitor Muricy
Apoio:
- LABJOR, Podcast Oxigênio do LABJOR e Secretaria Executiva de Comunicação da Unicamp