Na pesquisa, existem as grandes personalidades, aquelas premiadas, que constam nos livros. Mas o dia a dia do fazer ciência, é resultado do trabalho de cientistas comuns, às vezes invisíveis, mas tão importantes quanto aqueles consagrados.
Uma personagem brasileira há até pouco tempo desconhecida das pesquisas científicas ou históricas é Maria do Carmo Vaughan Bandeira. Ela nasceu em 1902 e na década de 1920 contribuiu de forma significativa para o estudo de espécies vegetais sendo a primeira botânica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Maria Bandeira que, foi um talento reconhecido pela comunidade científica da época, acabou interrompendo sua carreira ainda muito jovem optando por seguir uma vida religiosa até o seu falecimento, em 1992.
As informações são do artigo intitulado “Maria Bandeira: uma botânica pioneira no Jardim Botânico do Rio de Janeiro”. O trabalho foi publicado na revista História, Ciências, Saúde — Manguinhos.
Maria Bandeira ingressou no Jardim Botânico com cerca de 20 anos e durante mais de uma década de trabalho coletou regularmente e fez identificações de cerca de 800 plantas, fungos e líquens, com imagens e espécimes. Também distribuiu exemplares para outros herbários brasileiros, europeus e americanos.
Como sabia latim, isso facilitava a consulta à literatura da época sobre a classificação de espécies. Também conhecia os idiomas inglês, francês e alemão, e manteve correspondências com diversos cientistas estrangeiros. Foi intensa, por exemplo, a colaboração com Viktor Ferdinand Brotherus, um briólogo finlandês renomado na época. Maria Bandeira também manteve relação profissional e amizade com a norte-americana Agnes Chase, uma personalidade da botânica reconhecida mundialmente. Foi Maria Bandeira quem a acompanhou em expedições no Brasil, uma delas ao Pico das Agulhas Negras, em São Paulo. A botânica brasileira tinha habilidades para escalar montanhas, inclusive com técnicas de alpinismo. Chegou a escalar o Montblanc, na Suíça, em outra expedição.
Maria Bandeira também participava da vida científica na época e representava o Jardim Botânico oficialmente. Foi uma das cientistas do comitê que recebeu a química e prêmio Nobel Marie Curie no Porto do Rio de Janeiro, em 1926.
A rotina no Jardim Botânico e nas expedições de pesquisa em campo não eram comuns às mulheres da época, mas já havia presença feminina em instituições dedicadas às ciências naturais, mais do que a literatura costuma destacar, segundo os autores do estudo. Maria Bandeira também se diferenciava pelo comportamento, que não era comum para as moças dos anos 20, como nadar na praia de Copacabana e dirigir um automóvel para ir ao trabalho. Os autores do estudo observam que os pais aparentemente apoiavam as escolhas da botânica.
Em 1930, Maria Bandeira realizou o sonho de ingressar na Universidade de Sorbonne, na França, onde obteria seu “diploma de estudos superiores”. Ela foi convidada pelo fisiologista Louis Lapicque para pesquisas em seu laboratório. Ele é ainda hoje um dos grandes nomes da neurociência. Maria Bandeira disse em carta à família:
Tenho meu tempo muito ocupado, passo os dias na Sorbonne e estou seguindo alguns cursos que me interessam especialmente. Todos são ‘amabilíssimos’ e todas as portas me são franqueadas ‘graciosamente’ (quer dizer, sem pagar!). O Lapicque comprou-me um ótimo microscópio com magníficos acessórios; aliás, o casal me trata como filha até na intimidade do lar. Realmente nada tenho a desejar. Mas justamente por causa disso é que eu não quero ficar abaixo do que eles esperam de mim. Os auxiliares são muito amáveis, e eu já sou da rodinha dos laboratórios.
A invisibilidade de Maria Bandeira se deve principalmente por ela não ter publicado trabalhos nas revistas científicas. Mesmo assim, a botânica seguia sua trajetória científica muito bem e permaneceu na Europa até 1931. Quando voltou, ela decidiu ingressar na ordem das Carmelitas Descalças, no mesmo ano. No Jardim Botânico e entre pessoas próximas, a decisão não foi bem recebida. Mas de fato a botânica se mudou para um convento no bairro de Santa Teresa, uma das mais rigorosas ordens monásticas da Igreja Católica, com clausura total, onde viveu por 60 anos. As razões para essa decisão provavelmente nunca serão conhecidas. Ela vinha de uma família católica praticante e estudou em escolas religiosas. Talvez tenha tido uma experiência mística, tenha se desiludido pela perda recente de pessoas próximas, os pais, o professor Brotherus, ou pelo desentendimento com o irmão.
Ainda que tantos anos mais tarde, está feito um registro importante dessa que foi uma das pioneiras na botânica brasileira.
As informações são do estudo de autoria de Begonha Bediaga e Ariane Luna Peixoto, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e do professor Tarciso Filgueiras, do Instituto de Botânica da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Vale a pena conhecer!
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Matéria de Patricia Santos