Quantos cientistas têm um trabalho que permite a economia de dois bilhões de dólares por ano? Não muitos certamente, mas uma delas é a agrônoma de origem tcheca naturalizada brasileira Johanna Döbereiner. Muito da produtividade da cultura de soja no Brasil é fruto diretamente de seu trabalho. Em 2016, ela é a pesquisadora homenageada na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.
Döbereiner nasceu em 1924 na cidade de Aussig, na região de maioria alemã da Boêmia, da então Tchecoslováquia. Atualmente é chamada de Ústí nad Labem, e parte da República Tcheca. Quando ainda era pequena, a família de Döbereiner mudou-se para Praga. Mas, logo após a Segunda Guerra, devido à perseguição contra os alemães, mudaram-se para a Alemanha Oriental e, depois, para a Alemanha Ocidental. Lá, em 1947, iniciou o curso de Agronomia na Universidade de Munique. Formada e casada, em 1951, mudou-se novamente. Desta vez para o Brasil, para onde seu pai viera três anos antes. “Escolhi o Brasil porque queria fazer deste país a minha pátria”, diria Döbereiner, que adotaria a cidadania brasileira em 1956.
Mal falando o português e com pouco tempo no país, acabou conquistando uma vaga no Laboratório de Microbiologia do Solo do antigo Departamento Nacional de Pesquisa e Experimentação Agropecuária (DNPEA), do Ministério da Agricultura, precursor do que viria a ser a Embrapa.
Mas não foi nada fácil. A vaga era apenas para especialistas e Johanna era recém-formada e nunca havia trabalhado em laboratório; após muito insistir por mais de um mês, foi admitida pelo diretor do departamento, Álvaro Barcelos Fagundes, quando Döbereiner, já na terceira tentativa, desabafou que aceitaria trabalhar até de graça. Sob orientação de Fagundes, ela adquiriu os conhecimentos básicos de ecologia de micro-organismos. Porém, com a saída de Fagundes da direção dois anos depois, ela prosseguiu seus estudos e pesquisas de modo autodidata.
Uma de suas primeiras descobertas, ao final da década de 1950, foi baseada na observação de que grama do tipo batatais e a cana de açúcar não demandavam a adubação com compostos nitrogenados. O nitrogênio é um elemento importantíssimo, faz parte de proteínas e ácidos nucléicos, sendo que a maioria das plantas o obtém por meio de compostos nitrogenados presentes no solo. Plantas cultivadas costumam esgotar rapidamente tais compostos do solo à medida em que crescem. É necessária a adubação com formulações ricas em nitrogênio. Döbereiner descobriu que a cana de açúcar conseguia o nitrogênio a partir de uma bactéria que transformava o nitrogênio da atmosfera em um composto assimilável pela planta. Apesar da associação ser conhecida em leguminosas – família de plantas como o feijão -, a descoberta da chamada fixação biológica de nitrogênio de bactérias associadas a gramíneas como a cana era novidade e foi recebida com ceticismo pela comunidade científica. A agrônoma já enxergava a fixação de nitrogênio por bactérias livres como de potencial para o enriquecimento do solo em detrimento da adubação artificial. Ela então começou a desenvolver um modelo da substituição da adubação química pela associação das bactérias com as plantas. Isso se chocava frontalmente com a visão da chamada “Revolução Verde”, na qual o uso intensivo de sementes selecionadas para a produtividade, associadas à mecanização da agricultura, aplicação de pesticidas e de muita adubação química, com compostos nitrogenados sintetizados industrialmente ou obtidos de mineração de fontes como o salitre, eram os pilares para o aumento da produção agrícola.
Döbereiner foi para os Estados Unidos no começo da década de 1960 para trabalhar com leguminosas em sua pós-graduação. Mas, segundo ela, a única coisa que aprendeu com seu orientador americano foi fazer rolhas de algodão para usar nos experimentos laboratoriais. Em sua volta, em 1963, foi logo convocada para a Comissão Nacional da Soja. Batendo de frente com seus colegas que, seguindo a doutrina predominante, insistiam no desenvolvimento de linhagens compatíveis com a adubação mineral, Döbereiner saiu-se vencedora na defesa da ideia de produzir soja que apresentasse uma melhor relação com as bactérias fixadoras de nitrogênio presente em suas raízes, diminuindo em muito a necessidade a adubação artificial, que tem algo custo. Ao longo do tempo, isso significou uma economia de bilhões de dólares por ano em adubos nitrogenados sintéticos.
Johanna continuou sua pesquisa descobrindo novas espécies de bactérias fixadoras de nitrogênio e novas associações dessas bactérias com plantas. De seu trabalho, incluindo a orientação de inúmeros estudantes, surgiria o Centro Nacional de Pesquisa de Agrobiologia da Embrapa. Seria membro da Academia Brasileira de Ciências, e da Academia de Ciência do Vaticano. Especula-se ela que tenha sido considerada para o Nobel em algum momento. Se verdade ou não, seu embate com a adubação química, rendeu-lhe o reconhecimento de ninguém menos que Norman Borlaug, o pai da “Revolução Verde” e Nobel da Paz em 1960. “O que você faz aqui é muito melhor que aquilo que fiz”, disse Borlaug. Em 1995, aos 71 anos, foi homenageada com um simpósio internacional com a temática a que Döbereiner dedicou toda a sua carreira: “Agricultura Sustentável para os Trópicos: o papel da fixação biológica de nitrogênio”.
Döbereiner morreu em 5 de outubro de 2000, aos 75, em Seropédica, Rio de Janeiro, onde morou e trabalhou por praticamente toda a sua vida no Brasil.
Matéria de Roberto Takata e locução de Paulo Muzio.
Saiba mais:
Portal Brasil: Conheça as contribuições de Johanna Döbereiner para a ciência
Scientific American Brasil: A pesquisa que revolucionou a agricultura