Cinematographos: história do cinema e a crítica de Guilherme de Almeida
dez 13, 2016

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Cinematographos: Antologia da crítica cinematográfica” reúne textos de Guilherme de Almeida publicados de 1926 a 1942 no jornal O Estado de S. Paulo. A coletânea traz à vida a história do cinema no país, mostrando os costumes e paixões.

O cinema é uma forma de arte, e encará-lo como menos que isso pode ser considerado entre um equívoco e uma ofensa. Era dessa forma que parecia pensar Guilherme de Almeida, advogado, escritor, poeta e cronista brasileiro que se encarregou por quase duas décadas de escrever sobre a ainda nascente sétima arte numa das primeiras colunas especializadas no assunto em um grande jornal do Brasil. Cinematographos, o título da referida coluna, emula o nome do primitivo aparelho – o cinematógrafo – responsável pela captação e projeção de imagens fílmicas no início do século XX. A palavra foi agora emprestada para nomear uma nova obra, que traz para o século XXI as importantes contribuições do autor à crítica de cinema em nosso país. “Cinematographos. Antologia da crítica cinematográfica” é um livro que compreende um apanhado criterioso e cuidadoso da obra de Almeida, a frente da coluna publicada no O Estado de S. Paulo, entre 1926 e 1942.

Lançado em 2016, o livro, organizado por Donny Correa e Marcelo Tápia, conta um pouco sobre aquele que foi um dos primeiros a trazer a crítica de cinema a um público amplo, diverso e não especializado, num jornal de grande circulação.

Apesar de relevante à própria história do Brasil – especialmente do estado e da cidade de São Paulo – não é sobre a biografia de Almeida que se constitui o enredo do livro; sua atuação junto ao movimento modernista brasileiro, participação na Semana de Arte Moderna de 1922, ou sua luta no front da Revolução Constitucionalista de 1932 (que lhe rendeu um ano de exílio em Portugal). São, sim, suas impressões e análises sobre o cinema – que chegara há não muito tempo ao país – que dão o tom da obra, numa narrativa cronológica sobre a evolução técnica, intelectual e artística da “arte da celuloide”, e sobre a sociedade.

“A mais moça das artes”

Guilherme de Almeida via o cinema como uma marca do recém iniciado século XX, uma nova e vibrante marca de uma sociedade que parecia desejosa de superar antigos paradigmas, dentre os quais estavam os artísticos, com a predominância do teatro e da literatura. Por vezes, os taxou como pertencentes à uma outra época; velhos e pouco saudáveis. Chegou mesmo a “comemorar” o fato de muitos teatros estarem, na década de 1920, dando lugar a salas de cinema, como sendo uma prova inequívoca da superioridade desta, que era, em suas palavras, “a mais capaz e moderna das artes”.

Nas linhas de G. (pseudônimo sob o qual assinava a maioria dos textos), as obras de grandes mestres do calibre de Charles Chaplin e Walt Disney se tornavam ainda mais fantásticas, e ficava quase impossível ao leitor fã de cinema resistir a vê-las.

Cada componente que diz respeito a arte de se fazer um filme era levado em consideração por Almeida. Cenários e ambiência, caracterizações e vestuário, fotografia, atuações, acerca de cada um desses componentes tecia comentários precisos e relevantes – fossem exaltantes ou severamente críticos – direcionados a recentes lançamentos ou filmes já consagrados.

A direção era um capítulo à parte. Guilherme de Almeida foi um dos primeiros a apontar o diretor como um verdadeiro artista e o responsável maior pelo êxito demonstrado nas películas. Comentários perspicazes tratavam de mostrar como as escolhas do diretor ditavam os rumos de uma obra cinematográfica, como quando discorre a respeito do diretor americano Paul Levy: “tenho a impressão de que ele seria capaz de fazer um filme sem personagens, só de cenários”.

Outro capítulo à parte são as atuações. Seus comentários exultantes das belíssimas participações de grandes atores e atrizes, em magníficas produções, faziam com que atingissem, no Brasil, o mesmo patamar de superstar que desfrutavam nos EUA, sem, contudo, incorrer na idolatria da personalidade. Clark Gable e Greta Garbo foram alguns dos nomes que desfilaram constante e docemente pelas páginas da coluna.

A historiografia do cinema também é capaz de encontrar pérolas em muitas das colunas, sendo dignas de nota, por exemplo, a descrição da temporada passada por Orson Welles no Brasil, filmando It’s all true – produção que nunca chegou a ser finalizada pelo autor –, ou a exibição da primeira versão de Ben Hur (1927), que encantou a audiência brasileira, dentre a qual figurava um estupefato Guilherme de Almeida.

Tendências e percepções

O verdadeiro fascínio que parecia ter para com a liberdade e mágicas possibilidades que o cinema propiciava ao mundo das artes fez Almeida tecer duras críticas àqueles que tratavam de dificultar tais qualidades. A censura imposta a alguns filmes da época, que considerava moralista e sem critérios, rendeu uma sequência de postagens com críticas ácidas às autoridades responsáveis pela tarefa. De mesmo modo, as políticas alfandegárias, que taxavam inescrupulosamente tanto os filmes prontos trazidos de fora quanto os materiais de filmagem importados, foram alvo de duras críticas por estarem contribuindo para aniquilar a incipiente indústria cinematográfica nacional e privar a população de uma de suas poucas diversões.

Amante do cinema enquanto arte muda em preto-e-branco, foi relutante em decretar positiva a inserção primeiro de sons e, depois, de cores, às filmagens. Numa mostra de humildade e abertura, pediu aos leitores de sua coluna opiniões sobre o cinema falado, se seria positivo ou não à arte. Ao chamado, obteve inúmeras cartas, que iam de elogios ao novo estilo de filmes a afirmações de que “o cinema falado é uma novidade que logo deixará de existir”. Por fim, conseguiu admirar as duas formas de produção, demonstrando predileção ao cinema mudo – sem imaginar, no entanto, a curta vida que lhe imporiam as fitas com voz. Quanto às produções coloridas, tratou-as de “esse súbito, deslumbrante milagre”, ao ser exposto a obras como “La cucaracha” (1934) e “Os jardins de Allah” (1936).

Uma cidade do tamanho da nova arte

Guilherme de Almeida deixava transparecer uma quase devoção pela capital paulista, cidade onde vivia e trabalhava. Ainda que sua escrita denunciasse que seus textos eram voltados à parcela mais letrada e formalmente educada da população – com o uso de muitos termos em latim, francês e inglês, sendo uma marca constante – o escritor valorizava e celebrava a pluralidade e diversidade de tipos de pessoas a compor a metrópole em formação. Acreditava ser o cinema uma nova arte à altura de São Paulo, tanto que, na inauguração de um grande e moderno teatro, disse ser grande, bom, acolhedor, discreto e lindo como a própria cidade.

Desta forma, acompanhar as edições de Cinematographos, trazidas no livro, nos permite reconstituir uma época em que São Paulo e o Brasil passaram a se encantar pela pujante arte cinematográfica, que tomou lugar de destaque na sociedade na forma das belas e suntuosas salas de exibição das quais, hoje, pouco resta.

Cinematographos. Antologia da crítica cinematográfica

Autor: Guilherme de Almeida

Organização: Donny Correia e Marcelo Tápia

679 páginas

Matéria de Gustavo Almeida para a revista ComCiência reproduzida no programa Oxigênio.

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