O mês de fevereiro reascendeu um debate antigo sobre quais são os critérios de patrocínio à cultura, usados por meio da Lei Rouanet? Isso porque foi divulgada no dia 16 de fevereiro uma autorização no Diário Oficial da União para que a cantora Claudia Leite captasse cerca de R$56 mil reais pela Lei Rouanet para publicar sua biografia. Após a repercussão negativa dos internautas e da mídia, suaa produtora formalizou no dia 18 o pedido de desistência, com uma nota que está disponível no site do Ministério da Cultura – o MINC
A polêmica foi interessante para chamar a atenção aos problemas da Lei Rouanet já criticados por especialistas, público artístico e até pelo governo. O ministro da cultura, Juca Ferreira, se manifestou em nota oficial dizendo que “a Lei Rouanet precisa ser discutida pela sociedade e, consequentemente, sofrer alterações para que seja mais eficiente em seu propósito”.
Mas o que é a Lei Rouanet? É um incentivo que existe desde 1991 e que passa por empresas e pelo Estado. Quando um projeto é aprovado, ele pode captar financiamento privado, e os patrocinadores têm um valor reduzido de seu Imposto de Renda. Vale ressaltar que ser aprovado para captação de recursos via Lei Rouanet não garante que o projeto consiga patrocínio. Segundo o MinC, apenas 35% dos projetos iniciais conseguem o dinheiro.
No início de fevereiro, o Tribunal de Contas da União também determinou que projetos culturais com “forte potencial lucrativo” ou que “possam atrair investimento privado” não deveriam receber os incentivos da Lei Rouanet. O que pode tirar da disputa megaproduções brasileiras baseadas em peças da Broadway e outros festivais de grande porte, como o Rock in Rio, que em 2011 captou, R$ 6,7 milhões com o incentivo.
As mesmas críticas também ressoam na academia. Em recente dissertação de mestrado da USP, o jornalista Vinícius Mega analisou que um dos critérios de patrocínio é que o projeto tenha grande visibilidade constatou que uma concentração de isenção dos recursos fiscais fica restrita às em grandes produções. 50% dos recursos se concentram em apenas 3% dos proponentes.
A pesquisa identificou que existe uma censura de mercado que não permite que temas polêmicos e experiências teatrais e de pesquisa tenham acesso aos incentivos da Lei Rouanet. O estudo destaca que dificilmente pequenas produtoras com atores desconhecidos e temas polêmicos, como uso de drogas, armas e pornografia, recebem o incentivo, algo comparável à censura estatal explícita durante a Ditadura Militar, que restringia os mesmos temas. O pesquisador afirma que essa hegemonia cultural repele a diversidade de expressões artísticas.
Projetos experimentais e de pesquisa também não são atraentes para as empresas por não se saber o quanto essas montagens vão atrair de público, mesmo com orçamentos menores que os grandes espetáculos ou as comédias. Segundo Bruce Gomlevsky, um dos diretores que recebeu patrocínio via Lei Rouanet e foi entrevistado por Mega para a pesquisa, as empresas não querem ter sua imagem associada às peças teatrais críticas ou “tristes”.
A pesquisa também aponta que o público–alvo e o local do espetáculo também interferem na seleção do que patrocinar. A região sudeste ficou com 80% dos recursos provenientes da Lei Rouanet em 2011.