A Espiral da Morte: mudanças climáticas sob análise
fev 26, 2017

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“Antigamente, se perdêssemos muito gelo no verão, uma sequência de invernos frios seria capaz de repô-lo. Mas hoje não fica frio mais, então essa reposição está mais difícil. Muitas coisas conspiram para levar o gelo marinho embora. Há alguns anos eu criei essa metáfora de ‘espiral da morte’. Acho que ela ainda é adequada.” Assim disse o cientista americano Mark Serreze ao jornalista Claudio Angelo. Esse processo descreve a amplificação do conjunto de efeitos sobre a dinâmica do gelo na região ártica: aqueles efeitos causados pelas variações naturais do clima e as alterações provocadas pelas ações humanas, em especial a emissão dos gases de efeito estufa e a derrubada de áreas verdes. O processo explicado pelo cientista americano dá o título do livro – A Espiral da Morte. Na obra, Claudio Angelo desvela como a comunidade científica chegou à conclusão de que a humanidade vem alterando o clima e quais as possíveis consequências futuras e, mais do que isso, as consequências dessas mudanças que já podemos sentir.

Lançado em 2016 pela Companhia das Letras, o livro se baseia na experiência do jornalista em suas várias visitas aos polos Norte e Sul acompanhando in loco os trabalhos dos pesquisadores. São análises das condições climáticas do passado tão remoto quanto 800 mil anos atrás. Um tempo que ficou registrado nas bolhas de ar aprisionadas no gelo permanente nas geleiras da Groenlândia e da Antártica.

Os níveis atuais são de mais de 400 partes por milhão, isto é, quatrocentas moléculas de gás carbônico a cada milhão de moléculas na atmosfera. Isso são mais de 30% acima de qualquer outro pico de concentração do gás nos últimos 650 mil anos. Logo antes da Revolução Industrial, por volta do ano 1760, o nível de CO2 era de 280 partes por milhão. Desde, então, o nível médio anual tem feito apenas subir.

As temperaturas médias também podem ser lidas nessas bolhas sob a forma de variação na fração de isótopos de oxigênio: quanto maiores as temperaturas maiores as concentrações dos isótopos mais pesados. E, ao longo do tempo, as temperaturas têm acompanhado bem de perto a variação do teor de gás carbônico no ar.

A pesquisa brasileira também é retratada como no estudo dos registros de formações rochosas em cavernas como estalactites e estalagmites: protuberâncias calcáreas em forma de estaca que se formam no teto e no chão das cavernas. Assim como os gelos polares, elas também registram na forma de isótopos as variações de temperatura, e também a variação da precipitação na espessura de seus anéis de crescimento similares às das árvores: em períodos mais secos, eles quase não acumulam novos sedimentos, formando anéis mais delgados. A história extraída das estalactites é basicamente a mesma observada nas bolhas de ar congeladas.

O Programa Antártico Brasileiro, claro, também se faz presente. Os altos e baixos da presença da ciência nacional no continente gelado é descrito em detalhes. A relação de amor e ódio entre os cientistas civis e o pessoal militar de apoio. Bem como os dilemas enfrentados com a destruição da base Comandante Ferraz em um incêndio em 2012. O episódio foi reconstituído em minúcias a partir de entrevistas diretas com os envolvidos e os registros no inquérito oficial. Haveria uma nova base? A que custo? No mesmo local? A logística é facilitada, mas, localizada na ilha do Rei George, não reflete necessariamente a dinâmica do continente antártico propriamente dito.

A pesquisa antártica internacional também se vê diante de um dilema com data para começar: 2048, ano em que expira a moratória internacional para a exploração econômica dos recursos da região. O polo norte enfrenta um drama mais urgente. Com o aquecimento do Ártico, a exploração de jazidas de petróleo e gás passa a ser economicamente viável, o que traz riscos ambientais não apenas local, mas significa também a emissão de ainda mais gases do efeito estufa.

O derretimento dos polos não está ligado ao Brasil apenas por meio de pesquisas teóricas. As consequências das mudanças climáticas já estão presentes, alterando padrões de chuva, com prejuízos para a segurança hídrica – e não apenas de energia elétrica, já que nossa matriz é em grande parte dependente da hidreletricidade, mas até de água para consumo humano; sem falar no impacto sobre a produção agrícola, um dos principais setores de nossa economia. A elevação do nível dos mares deve afetar não apenas o nosso litoral – onde vive grande parte de nossa população -, mas até o interior, principalmente Bacia Amazônica adentro, em grande parte poucos metros acima do nível do mar.

Claudio Angelo observa: “Tornamo-nos agentes modificadores do planeta e, num ato de narcisismo resignado, marcamos nossa ação batizando um novo período geológico, o Antropoceno”, Esse é o tom de todo o livro, salpicado de observações irônicas e por vezes, como essa, mordazes. “Sua duração é incerta, mas ele será tão mais longo quanto mais tardarmos em zerar nossas emissões e começarmos a retirar ativamente carbono da atmosfera”, sentencia o jornalista.

“A Espiral da Morte” não é um livro otimista, mas de um pessimismo realista. E não é uma simples descrição dos problemas que nos esperam, mas um chamado à ação.

Há poucos dias um negacionista climático assumiu a nação mais poderosa do planeta que é também o segundo maior emissor de gases de efeito estufa, atrás apenas da China. Os americanos têm um dos maiores centros de pesquisas glaciais, atmosféricas e oceanológicas do mundo; enquanto seu novo líder ameaça tirar do ar informações sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas das páginas oficiais das agências governamentais na internet. Neste momento, “A Espiral da Morte” é leitura mais do que obrigatória.

Livro

A Espiral da Morte, Claudio Angelo
Editora Companhia das Letras
496 pág. | Disponível em e-book
2016

Produção de Roberto Takata, locução de Patricia Santos.

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