A crise ambiental é uma realidade que se apresenta diante de nós e já está alterando o nosso cotidiano. É possível solucionar esse problema? Ou ao menos mitigá-lo para que possamos viver de maneira digna nos próximos anos? As Soluções Baseadas na Natureza (SBN) se apresentam como alternativas tanto para mitigar a crise e melhorar a nossa vida nas cidades, quanto para aumentar a produtividade de cultivos – tornando a agricultura sustentável e também oferecendo um custo-benefício bem mais em conta. Neste episódio, Pedro A. Duarte irá te contar como essa prática surgiu e trazer alguns exemplos de aplicações práticas.
Você vai escutar entrevistas com Jean Paul Metzger, Gabriela Marques di Giulio, Rafael Chaves, Pedro Krainovic. E, também, Luara Tourinho.
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Pedro A. Duarte: Em maio deste ano, o estado do Rio Grande do Sul enfrentou enchentes em quatrocentas e setenta e uma cidades; pessoas tiveram que deixar suas casas e, em um mês, mais de cento e setenta mortes foram confirmadas. Se, em setembro do ano passado, diversos estados do país sofreram com ondas de calor, este ano o problema se agravou: em apenas um dia foram registrados cinco mil focos de incêndio ao redor do país. A fumaça emitida pegou carona nos rios aéreos e chegou a diversos estados do Centro Oeste, Sudeste e Sul do país, deixando a qualidade do ar insalubre.
Chuva atípica e enchentes, ondas de calor, neblina tóxica. A crise ambiental (anteriormente conhecida como “aquecimento global”) é uma realidade que se apresenta diante de nós e já está alterando o nosso cotidiano. É possível solucionar esse problema? Ou ao menos mitigá-lo para que possamos viver de maneira digna nos próximos anos?
As Soluções Baseadas na Natureza se apresentam como alternativas tanto para mitigar a crise e melhorar a nossa vida, quanto para aumentar a produtividade de cultivos – tornando a agricultura sustentável e também oferecendo um custo-benefício bem mais em conta.
Com a ajuda de especialistas, vou te contar como essa prática surgiu e trazer alguns exemplos de soluções foram aplicadas para resolver problemas na prática.
Bom dia, boa noite ou boa tarde. O meu nome é Pedro A. Duarte. E você está escutando o podcast Oxigênio.
Jean Paul Metzger: Basicamente o que a gente está tentando utilizar nas nossas soluções são esses serviços, esses benefícios que a natureza traz para a espécie humana. Então são soluções que são suportadas por esses benefícios que se dirigem a, ou que lidam com desafios ambientais, ou socioambientais, humanos. Então é algo bem antropocêntrico, a gente está lidando com problemas da sociedade humana. Segundo ou terceiro, que promovam ao mesmo tempo bem estar e que protejam a biodiversidade através de um leque muito amplo de ação que vai desde a proteção à restauração, ao manejo seguro e o uso sustentável.”
Pedro A. Duarte: Você acabou de ouvir o biólogo Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociência e do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Jean explicou que o conceito de “Solução Baseada na Natureza”, que vamos tratar também pela sigla SBN neste episódio, é relativamente recente. Surgiu em 2016 em um grupo de trabalho da IUCN, a União Internacional para a Conservação da Natureza. Eles entendem a natureza não apenas como algo impactado pela atividade dos humanos, mas também como algo que ajuda a solucionar desafios sócio-ambientais. O conceito teve uma aderência muito forte pela União Européia e rapidamente se difundiu no meio científico ao redor do mundo.
Jean Paul Metzger: Então é um tema bastante guarda-chuva que tem um risco de ser entendido como se fosse uma panaceia de todas as soluções. Tem uma crítica muito grande de falar “ah, solução baseada na natureza é apenas mais um termo que redefine de uma forma charmosa ou interessante, atrativa algo que a gente já está fazendo, já conhece? É, não tem nada de novo”. E, em parte, eu acho que isso acontece de fato: é um termo que que foi apropriado ou que tá muito na moda. Mas, por outro lado, se a gente olhar a comunidade que lida com essas questões de soluções baseadas na natureza, eles são um pouco mais restritivos do que você deveria ou não chamar de solução baseada na natureza.
Pedro A. Duarte: Jean enumerou três aspectos essenciais para caracterizar uma Solução Baseada na Natureza utilizados pela comunidade científica.
Primeiro: a solução deve trazer um benefício mútuo à espécie humana e para as demais espécies. Segundo: ao solucionar um problema, o projeto também deve trazer outros co-benefícios. Terceiro: o custo-benefício de uma solução baseada na natureza, deve ser melhor que o de uma “solução cinza”, as soluções baseadas na engenharia.
Vamos ouvir alguns exemplos:
Jean Paul Metzger: A gente não pode pensar, por exemplo, em uma ação de conservação de restauração apenas focada na biodiversidade – isso não seria uma Solução Baseada na Natureza. Agora, se é uma ação de conservação, a criação de um parque natural, onde você quer proteger a biota que tá naquele local, mas ao mesmo tempo quer trazer as pessoas para aquele local prover um serviço de recreação; ou se você está pensando que a proteção daquele local também beneficia as pessoas em termos de proteção de recursos hídricos, então aí se tem um benefício mútuo – tanto das espécies, da proteção da biodiversidade, quanto do benefício para a gente.
Pedro A. Duarte: Vamos conhecer o segundo ponto que diferencia as soluções baseadas na natureza de outras soluções, segundo Jean:
Jean Paul Metzger: É que a Solução Baseada na Natureza não apenas acaba trazendo parte de solução para um determinado problema como tem também um conjunto de co-benefícios. Então o exemplo clássico que já sabe mais fácil de ser entendido é, por exemplo, se você quer lidar com o problema de enchente em cidades: você pode construir piscinões. É muito eficiente, mas ele só tem aquela função de você reter o escoamento da água num determinado momento de uma tempestade, de uma chuva, de forma a reduzir o risco de transbordamento dos rios. Agora se você cria, dentro da cidade, uma malha de áreas que são mais permeáveis (como jardins de chuvas, você cria um sistema de canalização, de biovaletas dessas águas), você tem uma solução que vai no mesmo sentido de um piscinão – você evita que ela chega chega toda ao mesmo tempo no rio e ele transborde. Mas ao você criar essas áreas mais permeáveis, você também cria um conjunto de outros co-benefícios: você vai ter biodiversidade naquele local; você vai ter uma cidade que visualmente, esteticamente, é mais bonita; você vai possivelmente ainda em função do tipo de planta que você põe nessas áreas mais permeáveis, você pode também criar uma área de sombreamento e você cria uma uma área de resfriamento. Então você age em outros aspectos do bem-estar humano ou mesmo da biodiversidade, né?
Pedro A. Duarte: E qual seria o terceiro ponto do nosso entrevistado?
Jean Paul Metzger: E o terceiro é de custo-benefício: uma vez que você cria uma solução que se apropria do funcionamento dos ecossistemas, você, de uma certa forma, não precisa construir algo que faça aquela função que a natureza já está fazendo de graça para você. Então essas soluções Baseadas na Natureza são menos custosas e muitas vezes com equilíbrio melhor de custo-benefício. Um outro exemplo que é para você lidar com as ressacas marinhas, ou com esses eventos de ressurgências… possivelmente a forma mais efetiva de você lidar com essas inundações costeiras, é você criar diques – eles são super eficientes, mas são super caros também e precisam de manutenção. Quando o dique falha, como a gente viu em Porto Alegre, que eles tinham todo um sistema de diques para prevenir as enchentes, quando o dique falha a sua solução vai pro beleléu. Mas, enfim as soluções cinzas de engenharia, elas são muito eficientes e são muito custosas também. Mas numa área costeira, por exemplo, você preservar um manguezal o custo é mínimo, e a efetividade de um manguezal para você conter essas ressacas mais fortes não é tão grande quanto um dique que é uma barreira física intransponível, mas tem uma certa eficiência. Então se você pensar em termos de custo-benefício pode ser que a manutenção de manguezal, mesmo uma restauração de um manguezal ou de uma barreira de coral, seja muito melhor em termos de custo-benefício.
Pedro A. Duarte: Jean acrescentou um quarto critério para apoiar as soluções baseadas na natureza que é a questão da co-criação. Mas o que seria isso?
Jean Paul Metzger: Pelo entendimento mais restrito dessas soluções, são soluções na verdade baseadas na natureza e nas pessoas ao mesmo tempo. São soluções que envolvem a população local que são um pouco construídas com as pessoas envolvidas naquele desafio sócio-ambiental e que de uma certa forma são melhor apropriadas e mais aceitas por essa população.
E isso pode levar, no caso de restauração, por exemplo, mesmo que seja uma restauração que traz benefícios para as pessoas, se as pessoas não percebem esse benefício, elas vão sabotar. Você pode regular, restaurar, mas se as pessoas não entendem a solução, não participaram da construção delas, na primeira ocasião elas vão destruir aquilo, vão deixar o gado entrar, vão pisotear. E como a gente tem visto agora nesse exato momento episódios recorrentes de pessoas colocando fogo. Ou seja, é uma forma também de você sabotar essa natureza.
Pedro A. Duarte: Quando Jean citou as enchentes em Porto Alegre, eu me lembrei de um exemplo de Solução Baseada na Natureza que ganhou a mídia naquela época e foi anunciada como uma maneira de mitigar os efeitos da inundação. Eram as cidades esponja, uma proposta originada na China no início dos anos 2000. Na verdade são uma junção de diversas soluções que servem para reduzir o tamanho das enchentes e seus efeitos mais adversos – incluem: o uso de parques alagáveis; reconstrução da margem dos rios restaurando sua mata ciliar; a criação de jardins de chuva; o uso de telhados verdes; enfim…
Em diversos lugares do mundo, inclusive no Brasil, as Soluções Baseadas na Natureza estão sendo usadas, seja para evitar um agravamento da crise ambiental e climática, seja para mitigar seus efeitos.
Conversei com Gabriela Marques di Giulio, doutora em Ambiente e Sociedade e professora associada do Departamento de Saúde Ambiental da USP, para saber de quais maneiras as Soluções Baseadas na Natureza podem ajudar no enfrentamento à crise climática e ambiental.
Gabriela Marques di Giulio: Primeiramente, acho que é fundamental que a gente situe o que é a crise climática. Mais do que um fenômeno que a gente interpreta a partir das mudanças no estado do clima, mudanças que persistem por um longo período, cujas causas estão bastante associadas às: ações humanas; ao desmatamento; diretamente atreladas ao uso intenso de combustíveis fósseis; emissões de gás de efeito estufa. A crise climática, ou mais propriamente como a gente vem chamando hoje em dia de emergência climática é um resultado direto tanto desse modelo de exploração da natureza, mas também desse modelo de desenvolvimento que não só produz essa crise, mas vai produzir e amplificar outras crises importantes – e às quais as SBNs também podem endereçar. Que é a crise de perda de biodiversidade e o aumento da poluição. Então não é à toa que hoje, por exemplo, a ONU vai tratar essas três crises como a tripla crise planetária – essa ideia de que é uma mudança climática, perda de biodiversidade e a poluição, são problemas, crises socioecológicas que afetam o mundo como um todo e que produzem e amplificam outros problemas graves.
Pedro A. Duarte: Entre os problemas socioecológicos graves, Gabriela elenca a insegurança alimentar e a insegurança hídrica. Estes são problemas que aceleram e amplificam questões de pobreza e de desigualdade social.
Gabriela Marques di Giulio: Então a nossa resiliência frente a essas crises vai depender da interação, da articulação, entre políticas públicas que vão ser pensadas em diferentes níveis. Então a gente pode pensar numa perspectiva mais global sobre os tratados e acordos internacionais. Mas a gente também pode pensar em políticas públicas puxadas pelo Governo Federal, governos estaduais, governos locais/municipais. Mas também pela interação entre os diferentes atores. Ou seja, a gente tá falando de atores governamentais, mas também do setor privado e inclusive dos indivíduos. Então essa interação é fundamental se a gente pensa nessa necessidade da gente reduzir drasticamente as emissões de gás de efeito estufa, mas também para a gente poder melhorar nossa capacidade de adaptação frente aos impactos dos eventos extremos.
E aqui eu acho que as SBNs tem um papel bastante importante. Se as SBNs são bem planejadas, bem projetadas, se elas estão integralmente conectadas, elas têm sim tanto uma capacidade um potencial de melhorar a nossa própria capacidade de adaptação e de resiliência, dos indivíduos e das cidades frente a esses eventos extremos; mas também a capacidade das cidades em promover ajustes, em diferentes áreas em diferentes setores, nessa tentativa de poder antecipar possíveis impactos negativos das mudanças climáticas; reduzir vulnerabilidades de territórios, de populações; de preparar, de tornar necessidades mais aptas a responder para diversos tipos de perigos e ameaças. Mas elas também podem, ao mesmo tempo, ampliar a proteção da biodiversidade – então lidar com os efeitos dessa crise de perda de biodiversidade – e atenuar os efeitos da poluição. Então propiciando melhor qualidade de vida e bem-estar para as pessoas.
Pedro A. Duarte: Ao lidar com os problemas causados pela emergência climática, as Soluções Baseadas na Natureza também podem servir para garantir Justiça Ambiental e Justiça Climática.
Gabriela pontuou que, ao falarmos desse tema, é importante reconhecermos primeiro que os problemas ambientais são distribuídos desigualmente em termos sócio-espaciais.
Gabriela Marques di Giulio: A gente também reconhece que em sociedades desiguais como a brasileira a maior carga dos danos ambientais é destinada, historicamente tem sido destinada às populações de baixa renda, aos grupos sociais discriminados, aos povos étnicos-tradicionais, às populações marginalizadas e vulneráveis. E é nesse pensamento também que a gente faz esse paralelo com a justiça climática: ou seja, a gente reconhece que os impactos desproporcionais das mudanças climáticas têm caído especialmente sobre esses grupos. A crise climática, acaba se tornando mais um eixo de opressão – que na verdade vai se somar a outras questões ligadas à pobreza, à educação, acesso a recursos naturais, que, sobrepostos, geram situações de profunda desigualdade. Então, quando a gente olha todas essas discussões que a gente tem feito pela lente da Justiça Climática, é fundamental que a gente considere que os procedimentos implementados pelas políticas climáticas, pelas ações climáticas, podem agravar questões de desigualdade social.
Pedro A. Duarte: E de que maneira as SBNs podem se relacionar com a Justiça Climática, social e ambiental?
Gabriela Marques di Giulio: Vamos reconhecer que: primeiro, as cidades brasileiras são esses espaços marcados por segregações socioespaciais, por amplas desigualdades. Espaços que são providos de infraestrutura verde, a presença de SBN em ambientes urbanos, coincide muito com os locais que já contam com infraestrutura, com serviços, com assistência; que também são os espaços ocupados por pessoas com melhores condições socioeconômicas. É fundamental que a gente, ao pensar em como avançar essa agenda de SBN, também sinalize a necessidade de minimizar o que vem sendo chamado de gentrificação verde. Ou seja, aquele processo de quando a gente propõe, alcança uma melhoria da qualidade ambiental de um lugar, a gente torna aquela área também mais atrativa, encarecendo o custo de vida na região, atraindo pessoas mais abastadas e expulsando antigos moradores. Então, a implementação de SBN, nesse sentido, precisa estar sempre atenta às questões de injustiça ambiental e climática, mas ela também precisa estar atenta às questões de governança. E é por isso que pensar SBN, em particular no contexto das nossas cidades, precisa lidar com questões de governança. Ou seja, a gente precisa co-produzir, co-pensar, enfim, implementar essa agenda numa perspectiva de pensar coletivamente: sociedade civil, lideranças locais, empresas do setor privado, nessa perspectiva da gente alcançar decisões que de fato não amplifiquem essa gentrificação verde e não agrave essas questões de injustiça.
Pedro A. Duarte: É possível perceber pela fala da Gabriela, que a implementação de Soluções Baseadas na Natureza precisa ser realizada pelo poder público – seja para garantir o bem-estar da população ao implementá-la (como Gabriela colocou em sua fala); e também porque muitas vezes esses projetos são de grande escala e envolvem a intervenção em espaços públicos.
Para entender melhor como se dá o processo de implementação das SBN, conversei com Rafael Chaves – ele é vice-diretor do projeto Biota Síntese, atuando justamente na interface entre a pesquisa científica e os gestores públicos (como, por exemplo, as secretarias do Meio Ambiente – em nível municipal e estadual).
Rafael Chaves: É responsabilidade do poder público zelar e proteger a integridade dos ecossistemas. O poder público, muitas vezes as pessoas pensam que é o governo, mas não: o poder público é toda a sociedade. Evidentemente o governo é uma estrutura fundamental do poder público para zelar e para ter uma institucionalidade para isso. Mas é a atividade de todos os cidadãos fazem parte desse conjunto do que é o poder público. Então eu entendo que é o poder público que tem essa responsabilidade de implementar Soluções Baseadas na Natureza para que a gente possa ter um país habitável e saudável para as pessoas e também para a natureza.
O governo tem uma importância muito grande para convocar. Quando o governo lança decretos, resoluções normativas ou mesmo as leis do Poder Legislativo. Mas especialmente… eu estou falando aqui das ferramentas do Poder Executivo de implementar – esse é um meio principalmente por decretos e resoluções… Por outro lado, a sociedade civil organizada tem um papel muito importante porque ela traz demandas de base, demandas que tão tocando a sociedade de algum modo e que estão sensibilizando a sociedade. É muito comum essas agendas que chegam também pela sociedade civil organizada terem um apelo social importante. Então é importante que o governo faça as suas convocatórias e organize as suas estruturas para solucionar problemas que são de toda a sociedade, de modo conectado com essas demandas que chegam.
Em outra ponta, a gente tem as universidades e instituições de pesquisa que estão gerando conhecimento, trazendo evidências que possam basear a implementação dessas soluções. E a gente tem o setor privado que mobiliza toda a economia e tem um impacto muito grande, seja para gerar soluções ou para gerar problemas.
Pedro A. Duarte: É interessante dizer que o setor privado pode participar da implementação de Soluções Baseadas na Natureza de duas formas. A primeira é a necessidade de trazer uma contrapartida ambiental ao fazer uma licitação para o uso de determinado território – a construção de um bairro por meio de uma incorporadora, por exemplo, precisa passar pela prefeitura, que analisará o projeto e garantirá a existência de um parque, por exemplo.
A outra maneira é participando de seu financiamento. Em 05 de junho, por exemplo, o governo do Estado de São Paulo lançou, por meio de um decreto, o Finaclima SP. Trata-se de um mecanismo de financiamento para que o setor privado pudesse investir em diversas iniciativas climáticas promovidas pelo Estado de São Paulo – como o reflorestamento de 37,5 mil hectares, prevista no Plano Estadual de Meio Ambiente.
A implementação de uma Solução Baseada na Natureza pode ser algo bastante custoso, como o reflorestamento, por exemplo. Envolve pesquisar a área que será reflorestada, para entender quais espécies serão plantadas ali. Envolve a compra de sementes ou de mudas. Envolve a irrigação dessa área. Envolve o acompanhamento do crescimento das árvores e das demais espécies. E também envolve a manutenção, para garantir que as plantas não estão sendo comidas antes de terminarem seu período de crescimento e até para evitar incêndios.
Mas isso não quer dizer que as SBN não possuem algum tipo de retorno financeiro – e isso inclui o reflorestamento de grandes áreas degradadas. Aliás, o custo-benefício de uma SBN sai muito mais em conta devido aos co-benefícios de cada projeto. Rafael enumerou algumas possibilidades de retorno financeiro do reflorestamento.
Rafael Chaves: Eu tenho a possibilidade de receitas vindas da restauração desse ecossistema. Eu tenho, por exemplo, potenciais inexplorados: potenciais de fármacos, novos remédios que vem da biodiversidade; potenciais de cosméticos, shampoos e cremes utilizam muitos produtos da biodiversidade. Eu tenho óleos essenciais, as próprias sementes, castanhas, frutos. Tem inúmeros produtos da restauração: o próprio corte seletivo de madeira para vender essa madeira. Eu tenho a própria captura de carbono como uma receita potencial porque hoje eu tenho os créditos de carbono que podem ser utilizados numa área em restauração – e estão aumentando de valor nos últimos anos.
E eu tenho os próprios benefícios intangíveis também: de melhora de sensação de alguém que tá próximo de uma área restaurada, melhora de qualidade de vida, melhora de saúde, de doenças respiratórias, doenças cardiovasculares, a gente tem bastante dado para mostrar que eu tenho benefícios inúmeros para além desses benefícios econômicos de produtos dessa área em restauração que vão ser comercializados. Eu tenho também nesses serviços ecossistêmicos, uma série de benefícios para as pessoas – benefícios diretos e indiretos. Eu tenho, por exemplo, um potencial enorme de geração de emprego também, a gente publicou um estudo mostrando que a Meta Brasileira de 12 e meio milhões de hectares de restauração pode gerar dois e meio milhões de empregos. O que é hoje mais de um terço dos desempregados de todo o Brasil, um dado bastante relevante. Isso só os empregos diretos na própria atividade de restauração, sem falar em toda essa outra parte da do que a gente chama de cadeia de valor da restauração. A gente tem, por exemplo, um estudo que mostra que a cada dólar investido em restauração, eu tenho potencialmente 30 dólares em benefícios com serviços ecossistêmicos. Com certeza a restauração é um investimento que compensa muito.
Pedro A. Duarte: A restauração florestal e de demais ecossistemas é um exemplo clássico de Solução Baseada na Natureza – principalmente quando estamos buscando maneiras de reduzir a emissão de gás carbônico. Agora, também existem outros problemas socioambientais que podem ser resolvidos por meio desse restauro. Quem irá nos contar alguns desses exemplos é meu xará, o engenheiro florestal Pedro Krainovic.
Pedro Krainovic: Posso dar um outro exemplo que eu acho bastante icônico num projeto que eu trabalhei. A gente tinha como objetivo fazer uma recuperação de uma área degradada numa numa região de Serra, onde essa região era berço de um grande rio que abastece mais de 10 milhões de pessoas hoje, no estado do Rio de Janeiro. E essa região é caracterizada por ter 88% da extensão territorial como terras altamente susceptíveis a processos erosivos.
Então o que isso acarreta no final do dia, né: a água que chega até o sistema de tratamento, que vai depois distribuir isso para milhões de pessoas, ela chega com muitos sedimentos, com muita Terra – porque essa área está degradada, ela já é suscetível à erosão; o solo está solto, está sendo erodido cada vez mais, ele vai naturalmente ser direcionado para a parte mais baixa da paisagem, que é também onde a água passa, né. E essa água chega na estação de tratamento com níveis de turbidez, acidez e outros parâmetros qualitativos da água muito prejudicados. E aí o que isso leva? Leva que o sistema de tratamento fica muito mais caro porque eles precisam tirar essa turbidez. E isso aumenta os custos dos fatores de produção. Entre aspas eles estão “beneficiando a água” para distribuir água para a população, uma água minimamente com qualidade aceitável. E aí a gente chega até a ponta que é o consumidor, que tá também pagando essa água e consequentemente pagando mais caro por essa água pelo tratamento que precisa ser feito para ele poder receber essa água.
Então qual era o projeto? O projeto era a gente plantar, fazer uma intervenção biológica, orientada, é claro, com as espécies mais resistentes, muitas vezes inoculadas com bactérias nitrificantes que auxiliam a captação de nitrogênio para planta e com isso ela fica mais resiliente e a questão de perturbação no ambiente. E essa planta consegue se estabelecer num ambiente com níveis de erosão altos, né. Ela consegue enraizar; enraizando ela consegue melhorar a estruturação do solo. Ela também, depois de crescida, vai proporcionar processo de ciclagem de nutrientes, ciclagem de material orgânico, com isso ela vai melhorar porosidade do solo e infiltração da água no solo, vai melhorar uma série de fatores físico-químicos que condicionam essa predisposição do solo, a erosão. Ou seja, vai melhorar a estrutura, vai melhorar a permeabilidade e vai segurar esses sedimentos.
Pedro A. Duarte: Agora, quando o assunto é agricultura, pedi para a bióloga Luara Tourinho contar alguns exemplos de SBNs que podem ser utilizados nos contexto dos cultivos.
Luara Tourinho: O que acontece muito é que o sistema agrícola mais comum que a gente se depara hoje em dia é um sistema que ele é muito agressivo com a natureza, intensivo no sentido de produção e unifocal – pensa, principalmente, na geração do recurso que você tá interessado. Esse tipo de sistema agrícola é muito eficiente para gerar o recurso que a gente está interessado, mas ao mesmo tempo ele perde em obter uma série de recursos. Então é nesse sentido que a gente sugere uma agricultura sustentável, uma intensificação ecológica. Porque, quando você faz um acréscimo ecológico no seu sistema pensando na introdução de uma diversificação maior de culturas, a manutenção ou restauração de um sistema ecológico, de uma vegetação nativa, você aumenta também a provisão de uma série de outros serviços. Você aumenta espécies que são controladoras de pragas, espécies nativas que podem fazer o controle biológico; você melhora a regulação climática da sua agricultura; você melhora e aumenta a qualidade da água, a quantidade de água; você vai absorver carbono. Então é uma série de possibilidades que uma intensificação ecológica pode trazer pro agricultor e agricultura.
É uma outra opção também é de você manter uma vegetação nativa próximo ao sistema agrícola que é uma região onde tem uma diversidade grande de polinizadores, por exemplo. Então a depender de como você configure essa paisagem, de como você permita que a vegetação nativa esteja próxima do seu cultivo, o seu cultivo vai ser polinizado por espécies nativas de polinizadores que vivem dentro da vegetação nativa – é um outro exemplo.
Pedro A. Duarte: A Luara trouxe esse exemplo porque, em cultivos onde a soja, por exemplo, vai até perder de vista até o fim do horizonte, os fazendeiros precisam comprar abelhas e colméias artificiais para que elas possam fazer a polinização das plantas que estão no meio do campo. Isso porque, os insetos e demais polinizadores não costumam visitar o miolo de cultivos extensos, limitando-se apenas a borda – até porque, todo o pólen que as abelhas precisam elas já conseguem nesse comecinho. Essa mistura de paisagem nativa com plantio estimula os polinizadores a visitarem diversas áreas da plantação.
Luara Tourinho: Se você consegue manter uma vegetação nativa próximo ao seu cultivo, você vai além de manter a visita dos polinizadores que são nativos e residem prioritariamente na vegetação nativa você também melhora as condições climáticas do ambiente: você também pode aumentar a umidade, então você pode aumentar o fluxo o índice de chuva do local, a precipitação do local. Aumenta também a fertilidade do solo porque a vegetação nativa é uma fonte de nutrientes para o solo, a partir do momento que ela tem uma grande quantidade de matéria orgânica que pode ser depositada no solo e esse solo vai ficar mais fértil. Além da vegetação em si, a gente também tem a fauna: então tem alguns animais que podem também criar sistemas dentro da terra de túneis, que também melhora o fluxo de ar por dentro do solo, o que também pode melhorar a qualidade do solo.
Pedro A. Duarte: As Soluções Baseadas na Natureza também podem ser implementadas nas cidades – lembra do exemplo das cidades esponja? Na nossa conversa, Gabriela di Giulio também enumerou outros exemplos que têm sido aplicados nas cidades do Brasil e mundo afora.
Gabriela Marques di Giulio: Acho que é importante a gente pensar também que quando a gente fala de SBN, a gente tá falando de um conjunto de soluções. Então a gente pode pensar, por exemplo: na agricultura urbana; nos Jardins de chuva; em parques é urbanos; em parques lineares – que são soluções que têm sido implementadas em diversas cidades no mundo; que tem vários estudos mostrando a importância e a efetividade e eficácia dessas soluções para minimizar os efeitos, os impactos negativos dos extremos climáticos; mas também ampliar a proteção de biodiversidade; atuar na redução dos impactos relacionados à poluição. E são experiências que também têm sido testadas nas cidades. Então, por exemplo: agricultura urbana, tem uma contribuição extremamente importante, não só para a gente alcançar a segurança alimentar e nutricional – para a gente garantir o direito à alimentação adequada, pra gente contribuir para a justiça alimentar. Mas ela também pode, a depender de como essa agricultura é produzida, é planejada, ela pode também contribuir bastante para evitar o espraiamento urbano sobre áreas naturais; para gerar renda; para proteger biodiversidade; auxiliar inclusive na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Pedro A. Duarte: Tem outras soluções que a Gabriela menciona, uma delas é o Jardim de chuva, já lembrado neste episódio pelo Jean…
Gabriela Marques di Giulio: Quando a gente pensa em jardins de chuva, a gente também está pensando em ações que podem melhorar, reduzir o escoamento superficial e promover a melhoria da qualidade da água.
Quando a gente pensa em parques urbanos, a necessidade de que cidades invistam cada vez mais em parques né dentro dos ambientes urbanos, eles não só tem efeitos positivos e que já vem sendo comprovados em vários estudos em relação ao microclima das cidades – então aquela regulação climática bem no nível local – mas também eles propiciam um espaço de lazer; de práticas de atividade física ao ar livre; o que ajuda, inclusive, a conectar as pessoas com a natureza. E isso traz uma série de efeitos positivos para a saúde física e para a saúde mental.
Pedro A. Duarte: Quando eu perguntei para o Rafael Chaves os desafios de se implementar uma Solução Baseada na Natureza, ele pontuou que um deles era fazer a população ter conhecimento dessas SBN. Quando há enchentes, as pessoas logo pensam em piscinões, em aterrar os rios ou desviar seu curso. A infraestrutura cinza ainda é algo muito presente no imaginário popular.
Então eu espero que esse episódio tenha te ajudado a conhecer melhor as Soluções Baseadas na Natureza. E que você também possa se inspirar nelas ao abordar os problemas sócio-ambientais do lugar onde você vive!
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Pedro A. Duarte: Esse episódio foi produzido, roteirizado e apresentado por mim, Pedro A. Duarte.
A revisão é de Simone Pallone, coordenadora do podcast Oxigênio. Os trabalhos técnicos são de Carol Cabral e trilha musical do Blue Dot Sessions. Deixo aqui um agradecimento para minha colega Mayra Trinca, por me guiar durante o processo.
O Oxigênio tem apoio da SEC – Secretaria Executiva de Comunicação da Unicamp e do SAE – Serviço de Apoio ao Estudante.
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Muito obrigado por ter escutado este episódio e pela companhia. Até mais!
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