Neste quinto e último episódio, a Fabíola Junqueira (@fabiolamjunqueira) e a Flora Villas (@flora.villas) falam sobre o papel da comunicação na construção da compreensão da crise da COVID-19 no Brasil e sobre o surgimento de um grupo influente conhecido como Gabinete Paralelo.
O entrevistado foi Felipe dos Reis Campos, pesquisador do grupo CIRIS, que investiga Governança, Riscos e Comunicação no Brasil.
Este episódio faz parte de uma série que fala sobre os trabalhos do grupo formado por pesquisadoras e pesquisadores do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, o Labjor, e do Instituto de Geociências, ambos da Unicamp e do Programa de Saúde Global e Sustentabilidade da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
A divulgação científica destes trabalhos é apoiada pela FAPESP através do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico, o Mídia Ciência.
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Roteiro
Fabíola Junqueira: Olá, eu sou Fabíola Junqueira e este é o quinto e último episódio de Emergências, uma série que fala sobre Governança, Riscos e Comunicação. Assuntos pesquisados pelo grupo CIRIS, criado em 2020 com o objetivo de pesquisar e propor reflexões sobre o desenvolvimento destas áreas no Brasil.
Flora Villas: Olá, eu sou Flora Villas e ao longo dos episódios você vai ouvir pesquisadores e pesquisadoras do grupo CIRIS, que fazem parte dos programas de mestrado e doutorado do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, o Labjor, e do Instituto de Geociências, ambos da Unicamp e do Programa de Saúde Global e Sustentabilidade da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, além de outros cientistas e especialistas convidados.
Fabíola: Neste episódio vamos falar sobre o papel da comunicação na construção da compreensão da crise da COVID-19 no Brasil. Como aspectos já existentes de desigualdades, vulnerabilidades e comunicações equivocadas ficaram mais visíveis durante a crise, além do surgimento de um grupo influente nas tomadas de decisão do presidente Jair Bolsonaro, conhecido como Gabinete Paralelo.
Fabíola: Para entender um pouco sobre a complexidade deste tema conversamos com o pesquisador doutorando em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, Felipe dos Reis Campos.
Flora: O Felipe se dedicou a analisar os tweets publicados por 26 membros, de um total de 39 membros, do grupo de influenciadores da presidência, conhecido como gabinete paralelo. Atualmente o Twitter tem sido uma das redes sociais mais importantes no cenário político, tem servido de fonte para estudos de diversos pesquisadores pela facilidade de trabalho com dados e pela possibilidade de recuperação de históricos de publicações de diversos temas.
Felipe Reis: A principal motivação foi essa, eu acho que eu sempre tive vontade, de estudar de pesquisar essa parte da comunicação desses novos fenômenos e a pandemia por mais que… por todas as consequências negativas e todo o clima que ela trouxe de insegurança, de medo, de tristeza, e de isolamento social. Acho que todo mundo tem um pouco de depressão, um pouco de ansiedade, foi um momento bem difícil, não que ela tenha terminado, ou que passou, mas eu acho que com a vacinação. Eh, principalmente com a vacinação, né? As várias rodadas de vacinação, eu acho que deu uma segurada no número de mortes, a gente acabou um pouco aquele clima mórbido que meio que balizava nossa vida.
E na covid a aquela pulguinha atrás da orelha que eu tinha sobre essas transformações do sistemas comunicacionais, para mim, elas ficaram de uma forma muito muito aparente e muito óbvias.
E conversando com a minha orientadora, que é a professora Gabriela, a gente bolou um projeto, que a gente aposta muito, né? Porque ainda não está pronto, que pelo menos consiga contornar algumas das questões,
Flora: A orientadora do Felipe é a Gabriela Di Giulio, nossa entrevistada do episódio anterior, que tratou de Desastres. Eu recomendo muito que você ouça depois.
Mas de acordo com o Felipe, estamos vivendo várias crises além da crise sanitária.
Felipe Reis: Por exemplo, a mais conhecida é a crise climática, né? A gente não sabe quais são os limites do planeta. A gente não sabe qual a resiliência do planeta em termos de utilização de recursos ou desmatamento, a gente vive num sistema que é baseado na produção. Então se produz por produzir, disso vem o consumismo, disso vem toda uma ideologia liberal de que o indivíduo é livre e que ele vai alcançar a prosperidade através do trabalho. A grande questão, as grandes incoerências desse sistema é que se você analisar a Índia, por exemplo, você tem 300 milhões de pessoas que não têm acesso a energia elétrica.
Então você tem mais de um Brasil, você tem um Brasil e meio de pessoas que não têm acesso a energia elétrica. E a questão, essa questão da sustentabilidade de complexidade, e aí eu já vou chegar onde que isso tem a ver com a COVID, é que eu sempre pensei… imagina quando esse pessoal do mundo que hoje está escanteado começar a consumir.
Fabíola: O pesquisador cita um exemplo que facilita compreender a dimensão deste impacto de consumo. Imagine um cidadão típico de Melbourne, na Austrália. Ele consome 13 vezes mais do que um cidadão típico de Mumbai, na Índia.
Flora: Agora imagine que estes cidadãos de Mumbai passem a consumir a mesma quantidade de recursos que os cidadãos de Melbourne. Em seguida, a gente extrapola pensando na quantidade de cidadãos do país, e depois considera o aumento de consumo de outros cidadãos de outros países. Qual é o impacto do consumo no padrão do que chamamos de “primeiro mundo” no planeta?
Felipe Reis: Essas incoerências do nosso sistema, que de um lado fala que produzir vai ser a solução. Sempre produzir mais, toda a nossa economia, todo o establishment político, a gente está sempre pensando em crescimento. E assim… eu entendo, né? Quando a gente tem crescimento várias pessoas mais pobres começam a poder andar de avião, elas começam a consumir picanha… Só que, até que ponto esse consumo vai ser adequado às capacidades, ao sistema planetários de auto reprodução?
Fabíola: Felipe nos convida a refletir sobre resiliência e funcionamento do sistema, sobre os limites do planeta, sobre o ponto de não retorno em relação a diversos aspectos como por exemplo a acidificação dos oceanos.
Flora: Mas, qual é a relação da COVID com esse funcionamento sistêmico?
Felipe Reis: E aí agora pegando o caminho para COVID, né? Onde a COVID entra nessa discussão é que a COVID, por ser uma crise sanitária global nessa época da informação facilitada, dos meios de comunicação, da proliferação dos dispositivos de informação, e como a informação circula, a gente acredita que a COVID pode ser um laboratório e por uma pandemia geralmente ter um pico e depois um declínio, e isso ser de uma forma rápida, que é diferente de uma crise global, que é muito mais espaçada no tempo, a gente aposta que a COVID é um excelente laboratório para entender esses fenômenos, né? E como que a comunicação permeia cada um dos constructos que fazem parte disso. Então, as relações políticas, as relações das percepções das pessoas, a relação da mobilização de grupos que vão tentar influenciar nos processos decisórios.
E especialmente no Brasil, onde a gente viveu durante a COVID um governo que foi marcado pelo negacionismo, que foi marcado pela… um governo que não promoveu a participação de diversos atores da sociedade pra gente deliberar sobre as formas de lidar com esses riscos, um governo que promoveu teses que são absurdas do ponto de vista científico.
Fabíola: Enquanto o consenso global de prevenção à COVID-19 recomendava o uso de máscaras e o distanciamento social como formas de prevenção à doença, o então governo brasileiro acreditava na imunidade de rebanho e não oferecia medidas que facilitassem o distanciamento social.
Felipe Reis: Diante de toda essa discussão grande o Brasil, e a crise sanitária de covid no Brasil, tendo um governo negacionista, e mais do que isso, você tem grupos de suporte, né? Que alguns pesquisadores e alguns veículos de mídia tem chamado de gabinete paralelo, que são atores que são próximos ao presidente e que de certa forma mobilizam um discurso científico e legitimam essas teses que jamais teriam voz, né?
Flora: Muito além de não oferecer condições de prevenção eficaz do espalhamento do vírus, o Gabinete Paralelo oferecia suporte equivocado ao governo federal, apoiando ações errôneas de tratamento. Este grupo de atores próximos ao então presidente do Brasil era formado por médicos e especialistas com posicionamento, discurso e recomendações contrárias às ciências, como por exemplo, o tratamento precoce.
Fabíola: A crise da COVID-19 escancarou muitos problemas já conhecidos no Brasil. A questão das desigualdades, por exemplo. Realmente é complexo seguir a recomendação da Organização Mundial da Saúde de lavar bem e constantemente as mãos como forma de prevenção à doença quando grande parte da população sofre por falta de saneamento básico. Ou recomendar o trabalho remoto quando apenas uma parte da população tem possibilidade de fazê-lo.
Felipe Reis: Infelizmente essa é nossa realidade, mas por ele ser muito marcado e por ser um dos países mais desiguais do mundo a forma com que os riscos da COVID atingem a população e grupos vulneráveis são diferentes. E todos esses insights que a gente tá buscando entender na COVID, no fundo é para entender as grandes crises. E aqui a crise mais óbvia é de mudanças climáticas, só que a gente tem outras, né, que é perda da biodiversidade, o uso indiscriminado dos recursos dos oceanos, a acidificação dos oceanos, a contaminação dos solos por uso da terra, de uma população que ainda está crescente mundial, então vai precisar ser alimentada só que a que custo à natureza?
Isso dentro de um sistema de produção que estimula o consumo.
Flora: Um dos aspectos estudados por Felipe é a percepção de risco, que surge a partir da comunicação sobre a COVID, versus as facticidades relacionadas ao vírus, ou seja, os aspectos concretos e as probabilidades científicas dos fatos. Para explicar um pouco sobre isso ele começa abordando a questão da presença e comportamento do vírus na realidade globalizada em que vivemos.
Felipe Reis: Então materialmente existe o vírus. E o que que ele é? Assim, ele é um vírus de sentido simples de RNA. Que por conta de uma infinidade de contingências. Porque imagina, em algum momento estava, não se sabe ainda origem, mas em algum momento, ele devia estar em algum animal mamífero, aí passou pro morcego, os morcegos carregam vários vírus porque é da natureza deles, só que eles convivem bem com isso, e aí depois esse vírus teve outras mutações e essa mutação do sars cov 2 entrou no momento da sociedade em que a sociedade é globalizada. Então tem uma cepa que nasce no interior do Amazonas, em três semanas, ela aparece no Reino Unido e uma que um pouco tempo depois estava na África do Sul, vai para o Reino Unido e pra Europa e logo chega no Brasil também, isso a gente tá falando no período de um mês e meio. Né? Então é um vírus que todos os momentos, todos os dias, toda hora sai um tipo de mutação de vírus, mas a maioria dessas mutações elas não triunfam. Vamos dizer assim, elas não se adaptam ao ambiente. E essa por uma série de infinidades causou esse impacto na nossa vida.
Fabíola: Sim, realmente em outros momentos da nossa história os vírus e as epidemias não corriam entre países e populações tão rapidamente como nesse momento.
Felipe Reis: O que a sociologia construcionista argumenta é que pouco importa a facticidade de um tema, o que importa é como as pessoas, como os diferentes atores sociais interessados, vão se mobilizar e vão empurrar as visões de mundo, os valores deles na valoração ético moral das questões.
Então por exemplo aí voltando pro vírus, né? O como eu falei o vírus. Uma coisa simples. Até nada de especial. Ele inclusive é super pequeno.
Então o vírus em si, ele não muda, ele é o que tá. Agora o que os sociologistas construcionistas vão tentar enxergar é por que que esse mesmo vírus, essa mesma coisinha, que que tem essas características de ser de sentido duplo, simples e RNA.
Tem fita simples, porque essa coisinha é vista por alguns como uma gripezinha, por outros como o apocalipse, porque também teve alguns discursos que circularam que agora agora vai ter a extinção da raça humana e aí a gente tem o um terceiro grupo aqui hipoteticamente falando que fala não pô, isso aqui é uma doença que tem gravidade e que nós como sociedade devemos sentar e escolher e deliberar sobre as formas corretas de como agir com esse vírus e as melhores maneiras que a gente tem é pelas evidências científicas, então, sempre as evidências científicas mudam.
Flora: Um dos exemplos citados pelo pesquisador foi o uso da cloroquina. Uma substância que inicialmente foi considerada como possível aliada no tratamento das infeccões causadas pelo SarsCov-2. Ao longo do tempo, foram realizados vários estudos científicos, em vários institutos do mundo, em diversos países e a partir de junho de 2020 já estava comprovada a ineficácia do medicamento para tratar covid.
Fabíola: A questão então voltou-se para como cada país se mobilizou, se articulou para tomar decisões e deliberar sobre o manejo da crise sanitária. Aqui no Brasil, por exemplo, houve forte recomendação de líderes governamentais pelo uso da cloroquina, apoiados pelos participantes do gabinete paralelo. Sim, isso mesmo que você ouviu, líderes governamentais, alguns médicos, continuaram recomendando a Cloroquina, apesar da comprovação da ineficácia do medicamento para esse fim.
Flora: As teorias da sociologia construcionistas nos ajudam a compreender como as doenças são compreendidas dependendo da época em que acontecem. A Peste Negra, por exemplo, transmitida por um vetor que transitava em ratos, foi compreendida como um castigo de Deus. Naquela época pouco se sabia sobre higiene, contaminação e contágio de doenças infecciosas e havia a presença da doutrina da igreja como um fator dominante no imaginário da sociedade.
Felipe Reis: É nesse sentido que eu digo que a COVID, a despeito das suas características materiais, os riscos construídos, ou seja, dizer que é uma gripezinha ou dizer que é um problema sério que deve ser tratado e é uma emergência de saúde pública, é uma questão socialmente construída e até um ponto interessante, né? Porque a Organização Mundial da Saúde tem uns níveis de classificação.
Fabíola: Primeiramente a OMS declarou a COVID-19 como um surto de causa desconhecida, em seguida uma emergência de saúde global para então ser considerada uma pandemia. O nome pelo qual chamamos a situação foi se ajustando conforme fomos conhecendo a movimentação e consequências do vírus ao longo do tempo e espaço. Foram processos deliberativos construídos a partir da participação de diversos atores da nossa complexa sociedade.
Flora: Tendo todo esse conhecimento sobre a forma como construímos socialmente a compreensão de uma doença, surto, epidemias… Fica a questão: Como podemos compreender o surgimento de um gabinete paralelo? Ou seja, como e para quê se formou um grupo de pessoas influentes ao então presidente da república, Jair Bolsonaro, na contramão da ciência, que delibera sobre questões de saúde pública, no governo Brasileiro? E a ciência de fato nisso tudo?
Fabíola: O Felipe contou que definir Gabinete Paralelo foi o primeiro desafio nesse processo. Uma das referências de apoio na elaboração desta compreensão foi a COMPCORE, uma aliança formada por mais de 16 países, com núcleos de pesquisadores dedicados a observar e estudar as respostas políticas à crise da COVID.
Felipe Reis: No caso do Brasil foi destacado que durante a condução da crise, o governo federal, a administração Bolsonaro, apostou na tese de imunidade de rebanho e de que a economia não podia parar. Houveram várias narrativas nesse sentido. Discursos, declarações, ‘gripezinha’, ‘e daí’, ‘eu não sou coveiro’. Todas as essas informações que tentavam tirar a responsabilidade do governo e que a vida devia seguir que essa seria só mais uma doença que o poder público não tem muita opção, não teria muita opção além do que aceitar.
Então, o que que essas fontes secundárias elas definiam o gabinete paralelo? Elas definiram como um grupo que é influente nas políticas federais, é um grupo que inclusive tem composição dos filhos do presidente, então a administração bolsonaro também se caracteriza por ter essa proximidade com filhos que também estão na política e que também participam da forma da comunicação deles, a gente sabe que um dos filhos até é o que responde e é o que administra o Twitter do presidente.
Fabíola: Eu conversei com o Felipe no final de 2022. O processo de eleições estava acontecendo mas ainda não sabíamos quem seria o presidente do Brasil a partir de 2023. Naquele momento o presidente ainda era o Jair Bolsonaro.
Felipe Reis: E esse grupo ele é formado por empresários, é formado por médicos, é formado por políticos de direita. E eles têm essa essa visão em comum de tentar dizer, de alegar, né? que o lockdown mata mais do que a própria covid, né? Porque você fica em casa, você tem problemas de coração ou você aumenta o número de suicídios. Esses são os argumentos que a gente encontrou. Que a cloroquina é efetiva, que as vacinas são venenos, e a gente até percebe algumas teorias da conspiração, né? Que no fundo disso existem grupos grupos globalistas que querem atacar a liberdade do ocidente e individual e por trás desse esquema está o Putin, tá China, tá o George Soros, tá a elite financeira Global. Enfim, a gente tem um um misto de teorias da conspiração e também teorias equivocadas que estão à parte do consenso científico de diferentes áreas.
Flora: Ouvir o Felipe contar sobre essas crenças que não fazem sentido, me faz lembrar sobre o crescimento e fortalecimento dos negacionismos no Brasil. Depois de ouvir este episódio vale a pena conferir o episódio 151 que fala sobre o dicionário dos negacionismos no Brasil.
Felipe Reis: Então o gabinete paralelo é isso, é um grupo que é influente, mas também ele é composto por pessoas muito próximas, né, que são o alto escalão do governo, os próprios filhos, amigos dos filhos e do presidente e também é uma rede de empresários e médicos que acabaram se beneficiando muito com isso, né? Porque a gente teve vários escândalos de corrupção durante a compra das vacinas e teve uma elite política empresarial que ganhou muito dinheiro com o compartilhamento desse tipo de alegação muita gente ganhou bastante dinheiro nessa, ou capital político ao menos, influência política.
Fabíola: Durante o processo de coleta dos tweets que serviram de base para a pesquisa do Felipe, várias contas foram suspensas em decorrência da CPI da Covid e decisões emitidas pelo Supremo Tribunal Federal. As contas foram reconhecidas como fontes de promoção de informações falsas.
Felipe Reis: A grande questão que eu penso do gabinete paralelo e os impactos da comunicação é que o gabinete paralelo ele ilustra como alguns grupos, sobretudo grupos de direita e extrema direita, como eles conseguem mobilizar a desinformação ou as teses que eles acreditam ou o que eles querem usar para influenciar os processos decisórios a partir dos algoritmos. Então eles têm uma habilidade social de lidar com essa questão porque os algoritmos hoje, de plataforma, eles são uma caixa preta. Eles não são transparentes, a gente não sabe com exatidão qual o tipo de tese, de conteúdo, de discurso, vai triunfar e vai viralizar. Mas a gente tem algumas… e os pesquisadores levantam algumas questões algumas pistas né?
Flora: Uma destas pistas é que conteúdos baseados em pré-conceitos já existentes na sociedade tendem a ter mais visualizações nas redes sociais. Textos sensacionalistas, por exemplo, também chamam mais atenção. Além da falta de clareza de como os algoritmos são formados, há a falta de regulamentação destas plataformas.
Fabíola: E sobre o tema das regulamentações das plataformas digitais, eu sugiro que você leia o Dossiê Governança da Internet, publicado em Dezembro de 2022 na revista ComCiência.
Felipe Reis: Esse grupo tá sabendo lidar muito bem. Ele está sendo muito hábil em desinformar e trabalhar com esses algoritmos de plataforma, sendo que a plataforma em última instância quer pessoas que passem o maior tempo possível nelas para poder consumir propaganda, para poder, enfim o que eu falei, a plataforma é ela mais forte, quanto mais usuários, quanto maior a base e mais ativa essa base é.
Fabíola: A força de uma rede social está na quantidade de usuários e na forma de interação destes usuários. É através de um like, de um compartilhamento ou de uma busca que o algoritmo identifica nossas preferências e passa a sugerir conteúdos promocionais ou informações personalizadas a partir do que a plataforma, de certa maneira, aprendeu sobre nossas preferências.
Flora: Assim a bolha de preferências e acesso a informações vai ficando cada vez mais restrita, isolada, homogênea, criando grupos que quando se encontram pessoalmente no mundo físico acabam não se reconhecendo. É o caso do estranhamento na relação entre membros de uma mesma família, por exemplo.
Felipe Reis: E por conta dessas bolhas algorítmicas a gente não consegue ver o quão distante a outra bolha está. E a gente só percebe nesses momentos. Ao ponto de que famílias brigam porque uma pessoa fala para tomar é ivermectina e outra fala que não, não toma. Não toma cloroquina você vai piorar a situação. Muitas pessoas não estão entendendo porque que isso acontece. Eu acredito que grande parte vem desses fatores.
Fabíola: Política, economia e ciência estão imbricadas na educação e cultura científica. Um ambiente com menos cultura científica se torna mais vulnerável às influências das informações que circulam nas redes sociais. E isso é sério. Essa articulação do governo paralelo mostrou uma total falta de compromisso com a ciência e com a saúde da população. A aposta na contenção da doença pela imunidade de rebanho, de deixar os mais frágeis morrerem, quase que promovendo uma seleção “natural” foi uma aposta criminosa, totalmente irresponsável.
Flora: O gabinete paralelo, formado por pessoas que não deveriam estar tomando decisões importantes, seja por falta de conhecimento, seja por interesses privados, ou para agradar o chefe, representa um risco para a sociedade, exerce um papel danoso em relação à saúde da população e credibilidade à ciência.
Fabíola: Pensar a ciência em toda a sua complexidade e multidisciplinaridade deve ser um compromisso de todos e principalmente daqueles que se dedicam a ela. Além disso é um compromisso de todos também, criar meios para que a ciência seja praticada em benefício de todos, humanos e não humanos. A ciência é um bem comum.
Fabíola: Este foi o quinto e último episódio de Emergências, uma série que fala sobre Governança, Riscos e Comunicação. Assuntos pesquisados pelo grupo CIRIS, criado em 2020 com o objetivo de pesquisar e propor reflexões sobre o desenvolvimento destas áreas no Brasil. A divulgação científica dos trabalhos deste grupo é apoiada pela FAPESP através do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico, o Mídia Ciência.
Flora: Esse episódio foi apresentado por mim, Flora Villas e pela Fabíola Junqueira, também responsável pela pesquisa e elaboração do roteiro.
Fabíola: O Daniel Faria e a Elisa Valderano, que são bolsistas do Serviço de Auxílio ao Estudante (SAE), fizeram a edição deste episódio e a trilha sonora é do Felipe dos Reis Campos.
Fabíola: A revisão do roteiro foi feita pela coordenadora do Oxigênio, a Simone Pallone, do Labjor/Unicamp. Os trabalhos técnicos são do Octávio Augusto Fonseca, da rádio Unicamp.
Flora: Você também pode nos acompanhar nas redes sociais, estamos no Instagram, no Facebook e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”. Para acessar o roteiro deste episódio e as referências mencionadas aqui basta acessar o nosso site.
Fabíola: Deixe seus comentários em nossas redes sociais e obrigada por ouvir. Até o próximo episódio!
Referências:
Dossiê Governança da Internet Revista ComCiência – https://www.comciencia.br/clique-aqui-para-acessar-o-conteudo-do-dossie-governanca-da-internet/
Episódio 4 – Série Emergências: