Os autores do livro Plantas Alimentícias Não Convencionais no Brasil conversaram com a reportagem do Oxigênio para mostrar novas possibilidades de uso da planta vitória-régia, velha conhecida de fotos, postais e até mesmo desenhos animados. Que tal comer geleia ou pipoca desse ícone amazônico? Ouça a reportagem!
Você sabia que é possível fazer geleia e pipoca a partir da vitória-régia? A planta é um dos maiores vegetais aquáticos do mundo e cartão-postal da Amazônia. Dela, pode-se usar as sementes, os caules, o talo e a flor. Facilmente reconhecida, a planta também tem o nome de milho-d’água ou cará-d’água. Quem explica é o biólogo e professor do IFAM (Instituto Federal do Amazonas), Valdely Kinupp.
Valdely Kinupp: “Se usa as flores, para fazer geleia, para fazer salada, para enfeitar pratos, inclusive é chamada de endívia do rio, porque é uma pétala bem carnosa, bem suculenta que substituiria a endívia. Outro uso dela é o milho, as sementes que estão dentro de um fruto grande que ela tem e é similar ao milho, porque ele estoura e vira uma pipoca, normal e de um tamanho mais ou menos padrão. Pipoca de vitória amazônica. E, claro, se faz pipoca dá pra fazer farinha, mingau e outros produtos a partir dessa semente que teria que ser estudado. Como se come também a batata quando ela está bem adulta que é um rizoma subterrâneo, tem uma literatura antiga que é chamada de cará do rio. E se come até o pecíolo. O cabo da folha da vitória-régia é muito longo, podendo chegar a um metro e oitenta, dois metros.
Quanto ao uso pelas populações ribeirinhas, Kinupp afirma que nenhum estudo etnobotânico foi realizado ainda, mas que pela sua experiência prática, a vitória-régia não é usada por povos ribeirinhos. E o desejo do biólogo é tornar a planta conhecida.
Valdely Kinupp: Esse é o meu objetivo de pesquisa, trazer a tona uma espécie como a vitória-régia que aparentemente não tem uso. Eu não encontrei nenhum vivente atual mas também não fiz nenhuma pesquisa exaustiva de campo em comunidades indígenas e ribeirinhas. Mas, eu não acredito que tenha gente utilizando na atualidade. Atualmente a gente perdeu essa informação, acho que pouquíssimas pessoas sabem que ela dá pra usar. Seu conhecimento foi sendo suplantado com um processo de urbanização exagerado que estamos passando. Pela questão do TDN (Transtorno de Déficit de Natureza) que eu falo sempre. As pessoas, às vezes mesmo morando na zona rural, mesmo sendo um pescador aqui na várzea amazônica, ou ele perdeu esse conhecimento mesmo, ou mesmo tendo a informação que ele aprendeu com o pai, com o avô, com o vizinho ou com alguém – “ah, isso daqui poderia se comer” – às vezes ele não para para comer, prefere comer um alimento ultra processado, uma sardinha em lata, uma carne enlatada, um milho enlatado.
Kinupp, juntamente com o engenheiro agrônomo Harri Lorenzi, escreveu o livro Plantas Alimentícias Não Convencionais no Brasil, ou como eles as chamam, as PANCS (lê-se Panques). O livro traz 1.053 receitas ilustradas, inclusive receitas com a vitória-régia.
Valdely Kinupp: Essas receitas não estavam escritas em lugar nenhum, são criações nossas. A gente olhou para o produto e falou: “estava escrito que dava para comer o pecíolo, mas ninguém tinha feito nada com isso”. É um fruto de trabalho de etnobotânica econômica de cem anos atrás, de cinquenta anos, de duzentos anos. Essa informação está sistematizada em livros, mas essa informação nós trouxemos a partir de literatura, de trabalhos clássicos muito antigos. Alguns de 20, 30 e 50 anos atrás, mas que são baseados em outros, de registros de naturalistas que passaram por aqui nos séculos XVII e XVIII. Só que essa informação foi perdida. Então naquele período eles comiam, atualmente aparentemente não. Ou, se consomem, é muito casualmente porque isso nunca chegou nas feiras de Manaus ou de nenhuma cidade do estado do Amazonas que eu tenha conhecimentoo. Mas eu acho que agora, com todo interesse da mídia é bem possível que nos próximos anos a gente passe a encontrar a vitória-régia. Eu acho que já nos próximos anos você pode vir a encontrar em um restaurante em Manaus a vitória-régia, seria a cara da Amazônia.
A ideia das Pancs é trazer a diversificação no consumo de verduras e legumes, ou seja, deixar de exportar legumes caros como o aspargo do Chile e da França, ou mesmo legumes não comuns na Amazônia, como o brócolis e a couve-flor, que chegam com preços altos no mercado amazônico.
Ainda de acordo com o biólogo, a planta é totalmente carente de estudos químicos e nutricionais bem como da parte de horticultura, pois o que se sabe sobre a vitória amazônica são os nomes populares e o conhecimento de que são ricas em amido.
Valdely Kinupp: Então, a única coisa que posso te citar do valor nutricional é que, se ela vira pipoca, então ela é uma boa fonte de energia e de amido, e desse elemento chamado flúor, que podem ser estourados como milho para pipoca, ou processados para a elaboração de farinhas”.
Kinnup também critica a falta de incentivo à pesquisa dentro da Amazônia. Mesmo para fins decorativos, observar a planta é um coisa rara nas grandes cidades amazônicas, ficando restrita apenas a passeios de imersões dentro da floresta. Além da vitória amazônica, Kinupp cita diversas outras plantas não convencionais com potenciais alimentícios e que estão espalhadas pelo Brasil inteiro. Inclusive algumas já sendo exportadas, como é o caso dos Estados Unidos, que já possuem supermercados comercializando o taioba, uma planta semelhante ao espinafre.
Valdely Kinupp: “A vitória-régia, tudo bem você conhece. Quase todo brasileiro, qualquer pessoa do mundo pode conhecer como tropical lirium water, ou lírio tropical da água, mas ainda consegue formar uma imagem eventual dos desenhos animados. Agora, mapati, uva da amazônia, talvez você pense em uma parreira, mas é uma árvore. Então temos essa que eu acabei de falar, e se a gente for pro sul, sudeste do Brasil, nós vamos ter um rol de plantas – além das frutíferas – as hortaliças, como o creem, no Rio Grande do Sul, a taioba, o mangarito, a serralha o dente-de-leão, o almeirão do cafezal, peixinho da horta, picão, falsa serralha, serralha de espinho, enfim, são centenas de espécies, tanto que no livro tem 351, com 1053 receitas ilustradas e 2510 fotos. Cada região tem suas próprias pancs, generalizei aí as mais chamativas e que possa atender uma ou outra pessoa que pode falar ‘ah, essa eu conheço’, mas aí entra outro detalhe: você conhece, mas você come?”
Harri Lorenzi, coautor do livro Plantas Não Convencionais, também conversou com a gente sobre a produção e o cultivo desse tipo de plantas no Brasil.
Harri Lorenzi: “Muitas das pancs são cultivadas, e, na verdade o grande interesse nas pancs é que elas são plantas espontâneas, são plantas urbanas, são plantas daninhas. Portanto, pancs não é um novo grupo de plantas que se pensa em cultivá-las – lógico que tem algumas que podem ser cultivadas – mas o grande lance delas serem úteis, é que elas estão disponíveis. O mais importante não é colhê-las, mas sim, conhecê-las, para não se cometer erros e consumir coisas inadequadas”.
Lorenzi também falou sobre as novas descobertas de Pancs dentro do país.
Harri Lorenzi: “Nossa lista de Pancs aumenta todos os dias, pois todos os dias se está fazendo análises bromatológicas, químicas, nutricionais. E, certamente desse total de 351 espécies, pelo menos outro tanto já estava na nossa lista original. Hoje, essa lista já pode chegar acima de 900 espécies, que podem ser consideradas comestíveis e aproveitáveis para consumo humano”.
Matéria de Juan Mattheus