A CPI dos Crimes Cibernéticos, que teve votação adiada para o dia 27 de abril, tem movimentado a internet brasileira e chamado atenção até no cenário internacional. Os que defendem as propostas da CPI dizem que ela vai apertar o cerco sobre crimes praticados na web como pedofilia, pornografia de vingança e fraudes.
No entanto, especialistas em direito na internet mostram que alguns dos oito esboços de projeto lei propostos pela CPI Ciber promovem uma espécie de censura e colocam em risco itens como a neutralidade de rede, o direito de expressão e a privacidade dos cidadãos.
Até Tim Berners-Lee, fundador da World Wide Web, publicou uma carta aberta aos legisladores brasileiros. Ele afirma que a CPI ameaça “os princípios consagrados no Marco Civil”.
O advogado Bruno Ricardo Bioni, mestre em Direito e pesquisador do Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação, da USP, mostra preocupação já que alguns itens da CPI buscam alterar as bases do Marco Civil da Internet. Como exemplo, ele destaca uma das propostas que diz respeito ao papel dos provedores, que seriam obrigados a evitar que conteúdos já removidos da rede por meio de ordem judicial fossem novamente publicados.
Bruno Bioni – “Permanece uma outra disposição preocupante que é no sentido de que os provedores de aplicação devem adotar as medidas técnicas cabíveis para que um conteúdo idêntico ao daquele que foi objeto de promoção com ordem judicial não venha a ser disponibilizado novamente na rede. Duas questões problemáticas surgem com esse novo tipo de obrigação: o que necessariamente significa e qual é o alcance dessas medidas técnicas cabíveis? A gente poderia pensar que os provedores de aplicação teriam que filtrar, inspecionar, monitorar os pacotes de dados que trafegam na rede justamente para evitar que um novo conteúdo, similar àquele que foi removido, seja replicado na rede. E isso traz efeitos colaterais para a privacidade de todos os usuários”.
Segundo o pesquisador, ainda há um segundo ponto problemático nesta questão que é a quem cabe fazer o juízo de valor se o conteúdo é similar ou não a um já removido por meio de ordem judicial.
Bruno Bioni – “Caberia, a princípio, pelo menos nessa atual redação que saiu do relatório da CPI Ciber, aos provedores de aplicação. E com isso você traz efeitos perversos do ponto de vista de inovação e do ponto de vista de proteção à liberdade de expressão. Do ponto de vista da inovação porque pensando em empresas de tecnologia nascentes, as start-ups, elas teriam mais um gargalo de investimento para a viabilização dos seus negócios, ou seja, elas teriam que dedicar um departamento pessoal técnico habilitado para verificar se um conteúdo é realmente idêntico ou não para que ela seja removido. Do segundo ponto de vista, pensando como empreendedor, pra mitigar o meu risco e manter esse gargalo, com relação aos meus investimentos, adotar a simples prática de remover esse tipo de conteúdo que se encaixasse nessa hipótese e com isso eu conseguiria acomodar a viabilização do meu negócio e aí deixando de lado eventuais práticas que viriam a fortalecer a liberdade de expressão”.
O primeiro relatório final da CPI, apresentado no dia 30 de março, chamou a atenção de entidades como o Comitê Gestor da Internet no Brasil, o CGI.br, que chegou a divulgar nota mostrando “grande preocupação” com o conteúdo do texto.
Flávia Lefrève, advogada do PROTESTE e conselheira do CGI.br, destaca que um aspecto preocupante dos projetos propostos na CPI é o fato de que autoridades policiais e Ministério Público não precisariam mais de ordem judicial para obter o acesso ao IP de uma determinada pessoa.
Flávia Lefrève – “A gente acha que essa é uma medida ineficaz porque a autoridade policial vai pedir o IP, vai aparecer lá um IP e você não identifica no IP uma pessoa exclusivamente e isso cria distorções em como a internet deve funcionar. Então a gente entende que seria melhor deixar como já está no Marco Civil e que qualquer informação que se queira obter a respeito de logs na internet seja conseguido por ordem judicial”.
A conselheira reforça que o Marco Civil da Internet foi criado a partir de um debate amplo, inclusive com consulta pública. Ela conta quais foram as preocupações que representantes do CGI.br passaram aos legisladores da CPI Ciber na última reunião deliberativa na câmara, no dia 12 de abril.
Flávia Lefrève – “Então, aproveitar essa discussão de crime cibernético para alterar o Marco Civil com viés criminal, pegar uma lei que estabelece direitos civis, como o próprio nome diz, e servir de pontos para outros interesses que não sejam propriamente afinados com o interesse público nos parece uma pena porque essa lei é uma referência internacional e é uma garantia muito grande de que a gente vai ter uma internet democrática, aberta para inovação, garantindo a liberdade de expressão, garantindo a liberdade de ir em busca de informação. E foram essas as principais situações que a gente passou ontem para as deputados com os quais a gente conversou entregando a nota que foi editada pelo comitê de estudos”.