“A 3 de setembro de 1825, partimos do Rio de Janeiro. Um vento fresco ajudou-nos a vencer, em 24 horas, a travessia de 70 léguas, até Santos, e isto significou dupla vantagem, porque a embarcação conduzia, também, 65 negros novos, infeccionados por sarna da cabeça aos pés.”
Inventor, desenhista, pintor e, como podemos perceber, habilidoso com as palavras. Seu nome batiza ruas em Campinas, no interior de São Paulo, e em Santos, no litoral paulista. O que hoje conhecemos por fotografia tem origem nessa pessoa. Já adivinhou de quem estamos falando? Se sua resposta foi Hercule Florence, acertou.
Nascido na França em 1804, Hercule Florence foi desenhista e pintor talentoso de formação autodidata. Aos 20 anos chegou ao Rio de Janeiro e, meses depois, foi contratado como desenhista da lendária Expedição Langsdorff, missão científica que percorreu o interior do Brasil entre 1825 e 1829 e que realizou, no século 19, um dos mais importantes levantamentos de dados geográficos e etnográficos do país. Quando Florence chegou ao Brasil a expedição já estava sendo organizada pelo Barão de Langsdorff.
Seus desenhos e aquarelas questionam a permanência, até os dias de hoje, das questões ligadas à preservação da fauna e da flora, e da colonização marcada pela escravidão indígena e africana.
Durante a Expedição Langsdorff, Hercule Florence registrou em desenhos e aquarelas as paisagens, fauna, flora, tipos e cenas cotidianas dos locais por onde passou, criando um valioso material iconográfico, especialmente sobre as populações indígenas que habitavam o território brasileiro naquela época, desde São Paulo, passando pelo Mato Grosso, até o Amazonas.
Os desenhos e relatos produzidos por Florence tiraram das sombras um Brasil até então desconhecido da comunidade científica.
Quando a Expedição Langsdorff chegou ao fim, Hercule Florence decidiu que seu lugar, definitivamente, não era na cidade de Nice, na França, onde nasceu, nem em Mônaco onde passou a infância. Adotou a vila de São Carlos, hoje Campinas, como seu lar definitivo.
Hercule Florence ganhou grande reconhecimento em razão da Expedição, mas foi com a fotografia que o franco-brasileiro definitivamente conquistou seu espaço na memória da sociedade.
Florence é mundialmente reconhecido como um dos inventores do processo fotográfico, tendo se debruçado sobre as pesquisas e aplicações do nitrato de prata sob a luz em 1833. Suas descobertas foram registradas em um diário que relata detalhadamente suas descobertas.
Como lembra o pesquisador Boris Kossoy no livro “Hercule Florence: A descoberta isolada da fotografia no Brasil”, o inventor foi responsável por uma descoberta isolada da fotografia, mantida praticamente no anonimato por cerca de 140 anos.
Atualmente, Hercule Florence é lembrado junto de nomes como Nièpce, Daguerre, Fox Talbot e Bayard como um dos precursores do processo fotográfico. Ignorar sua contribuição para o surgimento da fotografia é um erro e tanto!
Se não bastassem os desenhos, relatos e a isolada descoberta da fotografia no interior paulista, Hercule Florence também se dedicou à imprensa e seus processos de impressão e, mais tarde, já nos últimos anos de vida, à agricultura.
Hercule Florence foi casado duas vezes e deixou vinte filhos, sendo treze do primeiro casamento com Maria Angélica Vasconcellos e sete do segundo casamento com a alemã Carolina Krug. Florence viveu em Campinas, a terra das andorinhas, até seu falecimento em 1879. Seu nome batiza uma charmosa rua no Bairro Botafogo.
Outras informações além de um rico acervo do que foi produzido por Hercule Florence podem ser encontradas no site do Instituto Hercule Florence, que desde 2015 tem promovido exposições e mostras itinerantes.
Você pode conhecer mais sobre o franco-brasileiro no site www.ihf19.org.br e no livro de Boris Kossoy.
Matéria de Erik Nardini.