Hercule Florence: o franco-brasileiro que contribuiu para o surgimento da fotografia
jun 24, 2016

Compartilhar

Assine o Oxigênio

 

A 3 de setembro de 1825, partimos do Rio de Janeiro. Um vento fresco ajudou-nos a vencer, em 24 horas, a travessia de 70 léguas, até Santos, e isto significou dupla vantagem, porque a embarcação conduzia, também, 65 negros novos, infeccionados por sarna da cabeça aos pés.”

Inventor, desenhista, pintor e, como podemos perceber, habilidoso com as palavras. Seu nome batiza ruas em Campinas, no interior de São Paulo, e em Santos, no litoral paulista. O que hoje conhecemos por fotografia tem origem nessa pessoa. Já adivinhou de quem estamos falando? Se sua resposta foi Hercule Florence, acertou.

Nascido na França em 1804, Hercule Florence foi desenhista e pintor talentoso de formação autodidata. Aos 20 anos chegou ao Rio de Janeiro e, meses depois, foi contratado como desenhista da lendária Expedição Langsdorff, missão científica que percorreu o interior do Brasil entre 1825 e 1829 e que realizou, no século 19, um dos mais importantes levantamentos de dados geográficos e etnográficos do país. Quando Florence chegou ao Brasil a expedição já estava sendo organizada pelo Barão de Langsdorff.

Seus desenhos e aquarelas questionam a permanência, até os dias de hoje, das questões ligadas à preservação da fauna e da flora, e da colonização marcada pela escravidão indígena e africana.

Durante a Expedição Langsdorff, Hercule Florence registrou em desenhos e aquarelas as paisagens, fauna, flora, tipos e cenas cotidianas dos locais por onde passou, criando um valioso material iconográfico, especialmente sobre as populações indígenas que habitavam o território brasileiro naquela época, desde São Paulo, passando pelo Mato Grosso, até o Amazonas.

Os desenhos e relatos produzidos por Florence tiraram das sombras um Brasil até então desconhecido da comunidade científica.

Quando a Expedição Langsdorff chegou ao fim, Hercule Florence decidiu que seu lugar, definitivamente, não era na cidade de Nice, na França, onde nasceu, nem em Mônaco onde passou a infância. Adotou a vila de São Carlos, hoje Campinas, como seu lar definitivo.

Hercule Florence ganhou grande reconhecimento em razão da Expedição, mas foi com a fotografia que o franco-brasileiro definitivamente conquistou seu espaço na memória da sociedade.

Florence é mundialmente reconhecido como um dos inventores do processo fotográfico, tendo se debruçado sobre as pesquisas e aplicações do nitrato de prata sob a luz em 1833. Suas descobertas foram registradas em um diário que relata detalhadamente suas descobertas.

Como lembra o pesquisador Boris Kossoy no livro “Hercule Florence: A descoberta isolada da fotografia no Brasil”, o inventor foi responsável por uma descoberta isolada da fotografia, mantida praticamente no anonimato por cerca de 140 anos.

Atualmente, Hercule Florence é lembrado junto de nomes como Nièpce, Daguerre, Fox Talbot e Bayard como um dos precursores do processo fotográfico. Ignorar sua contribuição para o surgimento da fotografia é um erro e tanto!

Se não bastassem os desenhos, relatos e a isolada descoberta da fotografia no interior paulista, Hercule Florence também se dedicou à imprensa e seus processos de impressão e, mais tarde, já nos últimos anos de vida, à agricultura.

Hercule Florence foi casado duas vezes e deixou vinte filhos, sendo treze do primeiro casamento com Maria Angélica Vasconcellos e sete do segundo casamento com a alemã Carolina Krug. Florence viveu em Campinas, a terra das andorinhas, até seu falecimento em 1879. Seu nome batiza uma charmosa rua no Bairro Botafogo.

Outras informações além de um rico acervo do que foi  produzido por Hercule Florence podem ser encontradas no site do Instituto Hercule Florence, que desde 2015 tem promovido exposições e mostras itinerantes.

Você pode conhecer mais sobre o franco-brasileiro no site www.ihf19.org.br e no livro de Boris Kossoy.

Matéria de Erik Nardini.

 

Veja também

30 anos de falecimento do Sir Peter Medawar

30 anos de falecimento do Sir Peter Medawar

  Progressos científicos, especialmente na área da saúde, muitas vezes apresentam novos problemas, que se tornam objeto de nova pesquisa. A história de Sir Peter Medawar, ganhador do Prêmio Nobel de medicina e fisiologia nascido no brasil, mostra como a...

Resenha do livro Palácio da Memória, de Nate Dimeo

Resenha do livro Palácio da Memória, de Nate Dimeo

  O que será que a morte da esposa de Samuel Morse teve a ver com a invenção do telégrafo? O que pensava Guglielmo Marconi, conhecido como pai do rádio, sobre a eternidade dos sons? O que aconteceu com o menino esquimó Minik Wallace e seu pai, que foram levados a...

50 anos do uso de agrotóxicos em Santa Catarina

50 anos do uso de agrotóxicos em Santa Catarina

  Diversos são os estudos científicos sobre risco à saúde humana e ao meio ambiente causado pelo uso de agrotóxicos em diferentes sistemas agrícolas ao redor do mundo. Diversas também são as iniciativas e campanhas de combate ao uso em larga escala de tais...

Punição na ciência através dos tempos

Punição na ciência através dos tempos

A ciência e o método científico não se dão em um contexto neutro, livre de quaisquer influências. Assim, ainda que a perseguição e as punições ocorram em diferentes épocas e sob distintos motivos, é preciso diferenciar os perseguidos por seu fazer científico...

Oswaldo Cruz: muito além da Revolta da Vacina

Oswaldo Cruz: muito além da Revolta da Vacina

  Em 1904, eclodiu a chamada Revolta da Vacina, atribuída à insatisfação da população com o tratamento dado pelas brigadas da vacina no combate à epidemia de varíola e outras doenças. À frente das brigadas estava Oswaldo Cruz. Mas no centenário de sua morte...

Terra indígena, um conceito em disputa

Terra indígena, um conceito em disputa

  A demarcação das “terras indígenas” motiva debates intensos envolvendo muitas pessoas e setores da sociedade: além dos próprios índios, as organizações não governamentais, donos de terras, os poderes executivo, judiciário e legislativo. Mas uma coisa que muitas...

O livro ‘Raízes do Brasil’ celebra 80 anos

O livro ‘Raízes do Brasil’ celebra 80 anos

Há 80 anos, o Brasil vivia a decadência da elite do café e a ascensão da burguesia industrial. A perspectiva era de urbanização crescente. Nesse contexto surge a primeira edição de Raízes do Brasil, livro de Sérgio Buarque de Holanda, uma das principais referências na...