A série Tá em Alta aborda assuntos ligados à inovação, tecnologia e empreendedorismo, e nesse segundo episódio fala sobre tecnologia. E sobre isso, a Thais Oliveira fez uma retrospectiva histórica, na verdade pré-histórica, pra falar da origem da tecnologia.
Quem vai ajudá-la a tratar do tema, mais especificamente sobre a relação entre a tecnologia e seu impacto na vida das pessoas, é a Daniela Osvald Ramos, professora e pesquisadora do departamento de comunicações e artes da ECA-USP.
Ouça o novo episódio e acompanhe toda a série por aqui ou pela plataforma de podcast de sua preferência.
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Roteiro
Thais Oliveira: Olá, pessoal. Sejam bem-vindas e bem-vindos ao segundo episódio do podcast Tá em Alta.
Meu nome é Thais Oliveira e nesse podcast, nós pretendemos tratar de assuntos relacionados à inovação, tecnologia e empreendedorismo de uma forma simples e explicativa.
O nosso objetivo é falar sobre assuntos que tão muito em alta e são muito debatidos em escolas, universidades e até na tevê, mas muitas vezes são tratados de uma forma superficial.
A nossa ideia é pegar esses assuntos e discutir, na prática o que eles significam.
No nosso segundo episódio, nós vamos falar sobre tecnologia. Tecnologia é uma palavra que tá em alta atualmente, mas que na verdade nunca saiu de cena.
E por isso nesse episódio, eu vou comentar não só sobre como as tecnologias mudaram o mundo, mas também comentar sobre as suas aplicações na sociedade e falar um pouco também sobre as suas relações com a ciência.
Pra começar o assunto, eu trouxe a origem da palavra tecnologia. Ela vem do grego, techné, um verbo que significa fabricar, produzir, ou construir que se une ao sufixo logia que também vem do grego logus, que quer dizer razão. Então, tecnologia significa a razão do saber fazer.
Não é novidade que a tecnologia está em todo nosso redor, e ela está presente desde a idade da pedra, moldando as relações sociais, econômicas e até políticas do homem.
Para nós conhecermos um pouco sobre esse desenvolvimento tecnológico, eu convido vocês para fazermos uma viagem no tempo.
Nosso ponto de partida são os períodos paleolítico e neolítico, que duraram de cerca de 2,7 milhões de anos até 4.000 anos atrás. Nessa época a tecnologia tinha somente o objetivo de atender somente as necessidades do homem nômade.
E esse homem nômade, ele não usava a tecnologia com base em pesquisa ou conhecimentos científicos, como a gente pode imaginar, né? Mas ele usava a partir experiências do dia a dia.
E aí, ele criava lanças, machados, coisas para ele subsistir. Quando o homem se fixou na terra, ele passou a desenvolver outras ferramentas, como o arado e a roda.
E a roda pode ser considerada também uma inovação. Se você quiser saber quando uma tecnologia, um equipamento, enfim é de fato uma inovação, você pode conferir o primeiro episódio da série Tá em Alta que fala sobre inovações.
Dado o recado, vamos seguindo aqui na nossa viagem no tempo. O próximo período que a tecnologia se firmou foi na idade média, já no regime do feudalismo, que era um regime rural que se baseava na forte obrigação entre servos e senhores feudais.
A tecnologia nessa época esteve presente dentro dos feudos através dos artesanatos e o desenvolvimento tecnológico que aconteceu nessa época foi a partir dos teares manuais e das máquinas de costura.
Só que como a gente sabe pelos registros históricos, o sistema feudal começou a fracassar e, assim, essa atividade artesanal que era realizada dentro dos feudos migrou para as cidades, e é dentro das cidades que a tecnologia começa a ter um objetivo diferente. Isso porque ela começa a ser mais atrelada a relações sociais e econômicas.
Tudo isso se tornou mais forte lá por volta de 1650 quando doutrinas como iluminismo, absolutismo e mercantilismo resultaram na primeira revolução industrial. E esse é um grande marco para a tecnologia porque foi na revolução que ela viveu seu grande salto, o trabalho artesanal que começou lá nos feudos e depois migrou para as cidades foi totalmente substituído pelo uso das máquinas nas grandes empresas.
E toda essa mecanização só foi possível porque a tecnologia proporcionou a mudança do uso da energia hidráulica, que era obtida a partir da água, pro uso da energia que movimentava as máquinas a partir do vapor, que usava o carvão como matéria prima.
A mecanização, provocada pela tecnologia, não só mudou o tipo de… o tipo de energia que se usava na época, mas também causou uma maior produtividade para as indústrias e grande avanço do desenvolvimento científico e tecnológico.
E essa revolução marca o tempo em que a tecnologia realmente se torna parte do sistema capitalista, isso porque esse sistema percebeu que as tecnologias emergentes tinham capacidade de proporcionar soluções para se produzir e vender mais.
Até aqui eu falei como a tecnologia foi importante desde a idade da pedra, depois nos feudos como ela foi usada no artesanato, e aí esse impacto que a tecnologia tem quando ela realmente se encontra com o capitalismo.
Mas, assim como tudo eu tenho que ser um pouco crítica sobre essa análise social da tecnologia. A revolução de fato trouxe consigo um grande progresso técnico e econômico, mas nós não podemos esquecer que ela também trouxe um impacto social negativo para as pessoas. Isso porque nós sabemos que elas trabalhavam em condições insalubres e em longas jornadas de trabalho.
Como vimos até aqui que não é possível falar de tecnologia sem analisar todo esse contexto social, eu convidei e professora e pesquisadora do departamento de comunicações e artes da ECA-USP, Daniela Osvald Ramos, para comentar sobre essa relação entre a tecnologia e o impacto tanto daqueles que a produzem quanto daqueles usufruem da tecnologia.
Daniela: A relação entre tecnologia, o impacto de quem produz ou usufrui dela, a gente pode entender isso a partir das referências culturais daquela determinada população que tá em contato, né, com o avanço da tecnologia, os impactos que ela causa, então nesse grupo social. A gente vive num país com a desigualdade social. Pode ser então que um dos impactos da tecnologia nesse país seja aprofundar ainda mais a desigualdade social porque culturalmente as referências sociais que se tem são essas. A tecnologia sozinha não causa, não impacta nada. Ela impacta a partir de usos que se faz dela, a partir dos hábitos e dessa referência história, e cultural, política, econômica, social.
Thais: Voltando à nossa viagem no tempo, vamos ao século 20, quando a ciência e a tecnologia se aproximam mais do que nunca.
A ciência como forma de se explicar o que se há na natureza se uniu à tecnologia, que como vimos é a aplicação das técnicas, e ferramentas de forma prática.
Durante esse século, o sistema capitalista está mais desenvolvido e a tecnologia deixou de ser apenas um fator de produção, ou seja, uma ferramenta para o aumento da produtividade e do acúmulo de capital.
Durante esse século, as empresas começaram a investir mais no setor de pesquisa e desenvolvimento e como resultado disso os cientistas que trabalhavam nas empresas começaram a ser homenageados até com o Prêmio Nobel.
Um desses cientistas foi o físico-químico Irving Langmuir. Ele trabalhava na General Electric com lâmpadas incandescentes e foi homenageado com o Prêmio Nobel de química em 1932 a partir de suas descobertas no campo.
Um pouco mais tarde, com um olhar mais apurado agora para a ciência, após a segunda guerra mundial, os países industrializados começaram a investir em projetos gigantes de ciência de ponta.
Como aceleradores de partículas, no estilo do Sirius, o nosso brasileiro recém inaugurado, e o projeto de mapeamento do genoma do DNA, realizado de forma colaborativa com cientistas de vários países.
Essa época foi tão marcante que recebeu o nome de Big Science, a grande ciência.
Mas, voltando pra área da tecnologia, e longe dos países desenvolvidos, na década de 70 surge um novo conceito para abranger as tecnologias não convencionais, que são aquelas que tem foco em resolver problemas sociais e ambientais. Enquanto as tecnologias convencionas são aquelas que nós comentamos que tem objetivo desenvolver um produto visando lucro, por exemplo.
Mais tarde essa tecnologia foi chamada de tecnologia social, de acordo com o ITS Brasil, o instituto de tecnologia social, esse tipo de tecnologia é aquela desenvolvida ou aplicada como solução para melhoria na condição de vida e inclusão social.
Apesar de ela levar o nome social, a ideia é que essa tecnologia possa apresentar soluções não só para comunidades carentes e pobres, mas também propor usos mais sustentáveis e compartilháveis para qualquer camada da sociedade.
A primeira tecnologia considerada social foi a roca de fiar, instituída pelo líder indiano Mahatma Gandhi.
Isso porque na década de 20, quando a Índia ainda era dominada pela Grã-Bretanha, Gandhi usou a roca como um instrumento de valorização dos costumes tradicionais e de inclusão social dos indianos.
Ela é considerada a primeira tecnologia apropriada no mundo com um objetivo de desenvolvimento social.
Se a gente for falar de exemplos nacionais, uma prática disseminada por todo o país são as cisternas comunitárias. Elas são muito úteis em locais que se chove pouco, e onde se faz necessário o estoque de água.
Então, ONGs, redes de apoio, e comunidades implantam essa tecnologia, captando água da chuva que se acumula nos telhados das casas e criam um sistema de distribuição para toda a comunidade.
E é muito interessante que as pessoas não se beneficiam somente do produto dessa tecnologia, mas elas fazem parte da construção da cisterna, elas querem acompanhar o funcionamento dela, e elas também acabam desenvolvendo as relações sociais entre os membros das comunidades.
E nesse contexto, eu gostaria de perguntar para a professora Daniela: professora, como você vê a importância das tecnologias sociais em suprir as demandas de regiões precárias? Pelos exemplos que nós vimos aqui, do Gandhi e dessa relação colaborativa das cisternas, você acha que elas também são instrumentos de educação?
Daniela: Sim, eu acho que a tecnologia social, ela pode atuar como um instrumento de educação. É, e até a gente pode pensar na engenharia reversa da tecnologia social que é aprender sobre as necessidades daquela comunidade para conseguir desenvolver, implementar, prototipar, testar determinada tecnologia social, né? Então, e introduzir essa nova tecnologia social nessa comunidade. O que é uma maneira de educar também, então eu acho que educação, ela se relaciona com tecnologia social desde o ponto de vista da implementação dela em entender pra quê que ela serve a partir de quem a estará usando e também a partir do momento em que ela é utilizada como implementá-la em conjunto, como é que ela vai ser adotada por essa comunidade em questão.
Dando um salto para o agora, em qual momento tecnológico nos encontramos?
Desde a década de 1990, vivemos a fase da ética ou da sustentabilidade. Ela é marcada por um questionamento do uso da tecnologia com o foco na acumulação de capital e nas consequências desse sistema para o meio ambiente.
É nessa fase que surgem as ideias em como conciliar o crescimento econômico com a preservação da natureza, e isso resultou no chamado desenvolvimento sustentável.
Com o objetivo de provocar mudanças mundiais, os governos promoveram eventos como a Conferência Rio 92, um encontro das Nações Unidas em que os países começaram a discutir sobre como eles enfrentariam os problemas causados pelas emissões dos gases do efeito estufa.
Esse encontro é uma retomada de um primeiro evento que aconteceu em Estocolmo, em 1972 e foi ele foi inclusive um combustível para o surgimento das tecnologias sociais que eu comentei há pouco.
Apesar das diversas convenções, os países ainda não conseguiram diminuir de fato as emissões desses gases e impedir, por exemplo, a extinção de espécies de animais.
Professora Daniela, na situação em que o planeta se encontra, existe alguma tecnologia realmente limpa e se sim, é possível usá-la de forma sustentável para reverter as consequências de séculos de incentivo ao consumo e produção sem limites?
Daniela: Sobre o uso de tecnologias limpas, eu acho que isso vai depender de um design sustentável pra essa tecnologia, né? Então, seria uma produção em conjunto com a área do design, porque pensar uma tecnologia é de certa forma desenhar o uso, ter de antemão uma visão sobre o impacto e como minimizar se pode ser negativo ou não e, de novo, em que cultura ela está inserida, em que tipo de sociedade essa tecnologia está inserida. Então, eu acho que é possível pensar se uma tecnologia é limpa se houver um design social pra isso.
Thais: Bom, nesse episódio nós fizemos uma viagem pelo tempo, olhamos o poder da tecnologia de impactar as relações sociais e mudar o mundo.
Compreendemos que ela não é guiada somente pelo avanço da ciência e do conhecimento, mas também por interesses sociais e econômicos.
E apesar de esse fator econômico ter deixado de herança um mundo de produção sem limites, vimos que ainda é possível pensar em tecnologias e sistemas que sejam sustentáveis.
Ah, e se você quiser saber mais sobre os assuntos tratados, você pode conferir os artigos que eu peguei como referência, anota aí:
Tecnologia: Buscando uma Definição para o Conceito, de Verasto, da Silva, Miranda e Simon.
Análise da Evolução da Tecnologia: Uma Contribuição para o Ensino da Ciência e Tecnologia, de Hayne e Wyse.
E por último, The Objectives of Technology Policy, escrito por Keith Pavitt.
Esse trabalho foi escrito, produzido e editado por mim, Thais Oliveira, e faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso da Especialização de Jornalismo Científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp.
E tem orientação da professora Simone Pallone.
Eu espero que vocês tenham gostado de conhecer mais sobre esse lado social da tecnologia.
Nos vemos no próximo episódio, um abraço e até mais!