#101 Série Corpo, episódio 6 – Quebra-cabeças
set 3, 2020

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Na insuficiência cardíaca e na realização das pesquisas, quando a coisa não vai bem é preciso reorganizar as peças. Em “Quebra-cabeças”, conversamos sobre o papel do exercício na reabilitação cardíaca e sobre os desarranjos trazidos pela pandemia no cotidiano de quem estuda o corpo. Participaram do episódio a professora Lígia de Moraes Antunes Correa e o aluno de mestrado Erick Lucena, ambos da Faculdade de Educação Física da Unicamp. A série Corpo faz parte do projeto “Histórias para pensar o corpo na ciência”, que é financiado pela FAPESP (2019/18823-0) e coordenado pelo professor Bruno Rodrigues (FEF/Unicamp).

SAMUEL RIBEIRO:  Olá. Esse é o sexto episódio da série Corpo… Quando eu comecei a produzir o podcast a minha ideia era sair por aí com o gravador na mão pra registrar as cenas das histórias, mas eu nem imaginava que tudo isso ia mudar por causa de uma pandemia.

A gente teve que se reinventar. E aqui na educação física, onde muita pesquisa depende desse encontro entre as pessoas, do suor, do movimento, da conversa… teve um tanto de gente que também precisou mudar totalmente os planos pra 2020.

Eu sou Samuel Ribeiro, e esse episódio vai ser um pouco diferente dos outros… A gente começa com a Lígia.

LÍGIA DE MORAES ANTUNES CORREA: Bom, é… meu nome é Lígia, Lígia de Moraes Antunes Correa, sou docente do Departamento de… [RISOS] calma aí, vou começar de novo! Que horror, nunca fiz isso! Vamos lá!

SAMUEL: Eu conheci a Lígia faz pouco tempo, nos corredores da Faculdade de Educação Física da Unicamp. Ela trabalha na área de reabilitação cardíaca e é professora do Departamento de Estudos da Atividade Física Adaptada desde o ano passado.

LÍGIA: … sou mãe de duas crianças… e sou uma pesquisadora que tento conciliar tudo isso junto nesse momento atual, e buscar aí, entender um pouquinho de como o exercício físico pode contribuir pra… pra nossa saúde, em especial pra saúde cardiovascular.

SAMUEL: Uma coisa engraçada na história da Lígia é que apesar dela ser bem da área de fisiologia do exercício, eu e ela temos uma orientadora em comum na nossa história, que é a professora Carmen Lucia Soares.

SAMUEL: A Carminha, que me orientou na iniciação científica, trabalha com história da educação física e do esporte, nada a ver com reabilitação cardíaca. A Lígia fez TCC com ela lá na graduação, e me explicou que esse passeio faz todo o sentido pra área que ela atua.

LÍGIA: E eu acho que a área da saúde é uma área que ela não tem como se separar das áreas das humanidades, a gente tá trabalhando com pessoas né. Então eu sou daquelas que acha que tudo contribui pra gente ter uma formação mais completa e mais humana, porque eu não posso pensar que eu vou por exemplo prescrever um exercício pra um paciente, e que isso aí unicamente vai ter um efeito biológico pra ele, né? Tem outros efeitos que estão envolvidos.

SAMUEL: Depois que se formou ela foi pro mercado de trabalho, atuou em escola, em academia… mas nesse meio tempo tinha ainda aquela vontade de trabalhar com pesquisa.

LÍGIA: Eu era apaixonada pela fisiologia cardiovascular, tinha assim, nossa, sabe aquela aula que brilha o seu olho, quando cê tá vendo aquele material, estudando…

LÍGIA: … o meu foco, o que eu queria trabalhar, era com reabilitação cardíaca. Eu sou daquele time que não queria trabalhar com exercício pra efeitos estéticos e nem pra performance, nunca foi muito a minha área, então eu queria muito fazer reabilitação cardíaca.

SAMUEL: Aí conversando com as pessoas, disseram assim pra ela:

LÍGIA:  “olha, o melhor lugar que você tem pra trabalhar com pesquisa nessa área é o Incor”.

SAMUEL: … que é o Instituto do Coração lá na USP, no Hospital das Clínicas. Lá a Lígia fez estágio de pesquisa, doutorado e pós-doutorado, e entrou de cabeça no assunto da insuficiência cardíaca…

SAMUEL: … que é uma doença que atinge muita gente, justamente porque a população tem envelhecido e, com os avanços da medicina, mais pessoas têm sobrevivido depois de ter algum tipo de problema cardiovascular. E aí o coração, que nada mais é do que uma bomba pra jogar oxigênio e nutrientes pro corpo todo, sai dessa história danificado e já não funciona mais como devia funcionar.

LÍGIA: Então imagina que por diversas causas, seja ela um infarto, seja uma hipertensão ou seja um medicamento, enfim, essa bomba começa a alterar a sua função e começa a alterar os tijolinhos que fazem parte dela, sabe? Os pedacinhos que fazem parte dela.

SAMUEL: E essas alterações nos pedacinhos do coração, no arranjo dos vários tipos células que compõe os tecidos cardíacos…

LÍGIA: Então são, vamos pensar se fosse um quebra-cabeça, vai.

SAMUEL: … vão fazendo a bomba deixar de bombear sangue de um jeito eficiente.

LÍGIA: As peças estão muito bem encaixadas. Na insuficiência cardíaca essa estruturação, esse arranjo vai se perdendo. Então elas não estão mais tão bem alinhadas, tão bem estruturadas, né, de uma forma bem simplista, e isso impede que essa bomba funcione direito. O encaixe perfeito se perde.

SAMUEL: E se perdendo o encaixe, a vida fica bem diferente. O indivíduo com insuficiência cardíaca vai sentir falta de ar e bastante dificuldade pra fazer esforço. E aqui a gente não tá falando de correr uma maratona ou fazer academia não…

LÍGIA: … ele não consegue as vezes lavar louça, não consegue varrer o chão, sente falta de ar pra tomar banho, por exemplo né. Então… é uma doença que tem uma implicação muito grande no dia a dia, inclusive afetando muitas vezes questões psicológicas, porque as pessoas param muitas vezes de fazer coisas que elas estão acostumadas a fazer…

SAMUEL: Então um tratamento bem feito pode ajudar a melhorar bastante a qualidade de vida dessas pessoas, e aí tem tanto o uso de remédios como intervenções cirúrgicas que podem ajudar. E claro, tem o exercício físico.

SAMUEL: E aí pra falar dos benefícios trazidos pelo exercício, a gente precisa voltar um pouco e entender como é que a insuficiência repercute no resto do corpo. Beleza, tem lá as alterações na estrutura do coração que fazem ele funcionar com menos eficiência. Só que aí, o sangue que devia chegar para os outros órgãos e para os músculos… acaba não chegando. Imagina, por exemplo, um músculo da perna…

LÍGIA: Se ele recebe menos oxigênio e recebe menos nutriente, esse músculo começa a sofrer uma série de alterações, que acabam ao longo do tempo levando a uma perda de massa muscular, a uma alteração do metabolismo. Então esse paciente ele tem cansaço não é só por conta do coração que não tá funcionando bem, é porque ele não tem pernas pra fazer isso, né. Eu costumo brincar que o paciente não tem perna pra subir escada.

SAMUEL: E aí o que a ciência já sabe é que o treinamento físico pode ajudar a reverter essas alterações nos músculos e, consequentemente, melhorar o bem estar do paciente.

SAMUEL: Beleza, isso é muito bom. Só que o que a Lígia quer descobrir é outra coisa.

LÍGIA: … quando a gente faz, trabalha com músculo esquelético, a gente consegue fazer uma biópsia do músculo, tirar um pedacinho do músculo – de uma forma bem leiga, tá? – cortar em fatias muito fininhas e olhar no microscópio o que tem nesse músculo. Como que é a fibra muscular, o que que tem em volta dessa fibra muscular, quantos capilares chegam no músculo.

SAMUEL: Só que quando a gente tá falando de coração…

LÍGIA: No coração a gente não pode fazer isso, né. Não dá pra fazer biópsia do coração num paciente que esteja vivo. Então a gente não consegue estudar a estrutura celular do coração em humanos.

SAMUEL: Então a solução é examinar esse tecido do coração de algum outro jeito. E foi nessa pegada que a Lígia tem feito uma parceria com o Otávio Rizzi Coelho Filho, que é pesquisador na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp que também trabalha com o tema da insuficiência.

LÍGIA: E esse médico em especial ele trabalha com uma técnica de imagem muito especializada né, a ressonância cardíaca magnética, ele tem alguns protocolos bem avançados, bem inovadores, que poucos centros do mundo fazem, então foi uma feliz coincidência né, eu conversei com ele, eu falei que tinha interesse em estudar essa área, e ele tava começando um projeto com insuficiência cardíaca e ele topou colocar reabilitação cardíaca pra esses pacientes.

SAMUEL: Basicamente, o que a Lígia vai conseguir ver com essa técnica é se um determinado protocolo de treinamento é capaz de trazer mudanças pros tecidos do coração com insuficiência.

SAMUEL: Lembra, das pecinhas do quebra cabeça, ou dos tijolinhos do coração? A ressonância consegue analisar como estão as células de contração do coração, os cardiomiócitos, e também o que que fica em volta deles, que é a matriz extracelular… e a presença exagerada dessa matriz, que é o que acontece no coração com insuficiência, é o que a gente chama de fibrose.

LÍGIA:  então o que a gente quer ver nesse projeto é se com o treinamento físico a gente consegue alterar isso de alguma forma pra reduzir a quantidade de fibrose, né, porque a fibrose é um tecido que não é elástico. Ele não contrai bem e não relaxa bem, então isso atrapalha a função do coração.

SAMUEL: Bom, aqui eu vou abrir um parênteses. A Lígia e vários outros pesquisadores aqui da Educação Física trabalham com pacientes, com atletas, enfim, com gente. Muitas vezes pra pesquisa andar são necessários meses de aplicação de treino, controle de frequência dos voluntários e várias coletas de dados… isso sem contar que estamos falando de gente que muitas vezes é da população de risco pras formas graves da covid. Gente que precisa vir até a faculdade e vai conversar, se movimentar, suar, enfim…

SAMUEL: Lá no comecinho do ano a Lígia tava tocando o projeto que a gente comentou e tava planejando iniciar outras colaborações de pesquisa aqui na Unicamp. Só que aí…

LÍGIA:  veio a pandemia e tudo isso ficou em stand by, tudo isso ficou suspenso…

SAMUEL: A pandemia [trovão]. Essa que não tem saído das nossas cabeças 24 horas por dia. Que mudou toda nossa rotina, inclusive os planos de pesquisa da Lígia. Bom, inclusive os meus planos de pesquisa, já que eu tô começando o doutorado.

SAMUEL: Foi por isso que eu decidi abrir o espaço do podcast pra gente ter outro tipo de conversa. Um pouco mais tranquila, um pouco mais leve. Nesses tempos em que tanta coisa tem mudado e a gente muitas vezes se sente ansioso, sobrecarregado… insuficiente, eu quis trazer um outro pesquisador pra conversar comigo e com a Lígia.

SAMUEL: E a gente começa… com o Erick…

SAMUEL: E aí eu pensei da gente começar, Erick, que você contasse um pouco pra Lígia sobre o que você está pesquisando e como você começou a pensar em pesquisa. Como é que está sendo esse começo de mestrado, qual é a tua ideia, etc?

ERICK LUCENA: Tá, só pra focar um pouco, você fala do mestrado ou do geral? Porque eu comecei desde a graduação em 2016.

SAMUEL: Não, pode falar tudo!

ERICK: Tudo?

SAMUEL: Fica à vontade, do jeito que você achar melhor.

LÍGIA: [RISOS] Conta sua história.

ERICK: Em 2015 eu entrei na FEF né e eu fazia o estágio de um curso técnico que eu fiz. Aí nisso era aquela rotina né, trabalho e faculdade. Aí meu contrato acabou, aí eu pensei “bom, tô fazendo a faculdade de Educação Física e eu gosto, vou focar bastante agora só na faculdade”. Aí conheci o método low pressure fitness e quis estudar isso. Conversei com o professor Uchida, que hoje é meu orientador no mestrado, e ele topou fazer um projeto nessa linha.

ERICK: Só nisso, como eu não tinha experiência, demorei cerca de 1 ano só pra escrever projeto, mandar pro PIBIC, comitê de ética… a primeira vez demora mais tempo. Aí eu fiz essa iniciação científica, e nesse caminho a gente começou um projeto de extensão de powerlifting, de levantamentos básicos. Nisso fui fazer uma pesquisa nessa área também, que aí foi minha segunda iniciação científica. Aí foi meu TCC, e então continuei no mestrado.

ERICK: Agora estou com o projeto que inicialmente era sobre envelhecimento, mas com a pandemia mudei o cenário, principalmente em relação à minha bolsa. Eu tinha conseguido, tive alguns percalços. Fiz a mudança rápida pra não perder tempo. Estou na área do parapowerlifting e estou em contato com o CPB pra fazer uma pesquisa com os atletas do parapowerlifting.

SAMUEL: Erick, você sabe que quando entrei no mestrado foi totalmente de improviso. Tive uma trajetória totalmente diferente da tua. Eu queria fazer pesquisa, mas estava trabalhando na época. Aí fui conversar com o Edivaldo e a gente teve uma ideia de iniciação científica. Aí eu comecei a fazer o projeto, mas eu trabalhava e estudava de noite, quase não tinha tempo, tudo muito devagar. Demorei, demorei, demorei, e acabei não dando retorno pro Edivaldo.

SAMUEL: Quando abriu o processo seletivo de mestrado eu falei “quer saber cara, vou dar um gás nesse projeto, vou expandir ele, ampliar bastante e vou prestar o mestrado com o Edivaldo”. E fiz isso sem avisar ele!

LÍGIA: [RISOS]

ERICK: Você se inscreveu sem falar com ele?

SAMUEL: Não falei. Ele ficou assim, “mas como que você não fala que vai prestar mestrado, não avisa?”. Mas tudo deu certo no final.

LÍGIA: Samuel, uma curiosidade, por que que você decidiu fazer Educação Física? Porque você fez Ciência Sociais primeiro.

SAMUEL: Então, é uma coisa super besta. Eu sempre gostei de ciências humanas, queria fazer História, mas como não fiz cursinho fiquei com medo de não passar e fiz Ciências Sociais. No curso de Sociais eu fiz IC na História, com historiadoras. Legal, me formei, deu aula de História e Sociologia no ensino básico, só que nesse meio tempo eu tinha uma prática esportiva.

SAMUEL: Eu era da seleção brasileira de Wushu. Comecei a praticar na minha época de Sociais e fui convocado em 2014 para o Mundial de Tai Chi na China. E eu fui, comecei a tentar periodizar meu treino, tava fazendo treino de força na academia, mas assim, muito rudimentar, muito artesanal. E eu já estava dando aula de Tai Chi, meio que informalmente.

SAMUEL: Aí falei “bom, Tai Chi é uma coisa que muito idoso faz, então eu preciso me qualificar”. E aí eu presto Educação Física, e no primeiro semestre me aproximo de quem? Da área de humanas de novo! É um ciclo vicioso!

LÍGIA: [RISOS] Você sai da humanas, mas a humanas não sai de você!

ERICK: Samuel, o mestrado veio primeiro que a graduação em Educação Física ou veio depois?

SAMUEL: Primeiro! Eu virei mestre antes de me graduar. Aliás, não me graduei ainda, a colação é agora em setembro.

LÍGIA: Eu acho que é engraçado essas trajetórias. É como eu, que fiz iniciação científica na bioquímica e monografia com a Carminha!

ERICK: Qual o tema da monografia?

LÍGIA: Foi sobre calistenia, a história da calistenia. Eu me formei só em licenciatura plena na época, do primeiro pro segundo ano fiz iniciação científica na bioquímica com a Denise, mas decidi fazer licenciatura. Aí como morava com uma aluna da Carminha, ela falou assim “por que você não faz a monografia com ela?”. E eu gostei da ideia, fui conversar com a Carminha.

SAMUEL: Isso é algo que eu ia perguntar pra vocês dois. Uma coisa muito legal é conhecer o orientador, o contato com o orientador. Eu lembro muito do momento que cheguei no Edivaldo e falei que queria fazer pesquisa, lembro de vários detalhes que não lembraria numa situação normal. Erick, como foi teu primeiro contato com o Uchida?

ERICK: Eu lembro que a porta tava entreaberta. Eu não conhecia o professor Uchida, não tinha feito nenhuma disciplina com ele. Cheguei, bati na porta e perguntei se podia conversar com ele. Entrei, expliquei o que eu queria fazer, ele me apresentou pros alunos de pós dele que estavam no laboratório. Eu comecei a frequentar o grupo dele e fui ficando. A área era cinesiologia, gosto bastante dessa área, aí saiu o projeto de iniciação, o projeto de extensão, e acabei ficando.

ERICK: Lígia, a sua área é bioquímica, e sua monografia foi na área de humanas. Como foi isso?

LÍGIA: Acho que a graduação é o momento para experimentar e conhecer o maior número de possibilidades. Eu sempre gostei muito das biológicas e eu sabia que o final da minha carreira ia ser nesse sentido. Mas penso que quem gosta de estudar e pesquisar, essa questão de entender as humanas e o método científico por outra visão é super válido. Eu trabalho muito na área da saúde, e não tem como desconectar uma coisa da outra. Então penso que ganhei muito. O que aprendi muito com a Carminha é essa questão de organização, de como conduzir um projeto, e tudo isso serve para mim até hoje. Isso é método científico, independente se é humanas ou biológicas. Essas interfaces, em especial na graduação, são muito válidas.

SAMUEL: E teu orientador do doutorado? Como que você chegou nele?

LÍGIA: Na minha época de graduação não existia nem a disciplina de atividade física para grupos especiais, mas eu sempre quis trabalhar com reabilitação cardíaca. Quem se aproximava mais disso era a professora Vera, e aí fui falar com ela. Ela me falou “olha, você quer fazer reabilitação cardíaca? Procura o Dante Passanezzi e procura o Incor”. Aí fui atrás disso. Os dois centros têm um programa de aprimoramento que é pra aprender a trabalhar com reabilitação cardíaca. Eu fiz um estágio uma época no Dante, ia toda sexta-feira pra São Paulo fazer esse estágio, e o pessoal de lá começou a me apresentar o que era reabilitação, os trabalhos, as pesquisas, e começaram a falar do Incor.

LÍGIA: “Olha, lá é super forte na pesquisa, assim assado, você precisa conhecer o professor Carlos Eduardo Negrão”. E ele era uma pessoa super ocupada na época. Mandei um e-mail pra ele e a secretária dele muito rapidamente respondeu e falou pra agendar uma reunião com ele. Marquei e fui conversar. Lembro até hoje, cheguei na sala dele e fomos tomar café. Ele me explicou tudo que ele queria e exigia de um aluno do doutorado, e eu falei “olha, eu trabalho em Campinas, mas estou disposta a mudar pra São Paulo, vou me organizar pra vir pra cá”.

LÍGIA: E aí foi uma coisa engraçada. Eu pedi demissão do trabalho, arrumei um lugar pra morar em São Paulo, arrumei um emprego de personal trainer, só que eu nunca mais tinha falado com o professor Negrão. Aí um dia apareci na unidade de reabilitação, só que eu só me dei conta quando eu tava entrando no Incor. “Nossa, eu nunca mais falei com o homem! E se ele não quiser mais, não tiver vaga, ou mudou de rumo?”. Eu cheguei lá. Daí que caiu a ficha. Mas aí deu tudo certo, enfim, ele foi super receptivo, deu as orientações. Mas foi meio que agora ou nunca.

LÍGIA: E Erick, por que você escolheu o Uchida pra trabalhar sem conhecer ele?

ERICK: Por causa do laboratório, de cinesiologia. Sempre que eu passava lá pra ir no prédio da informática eu via lá. Aí eu falava “nossa, eu gosto tanto desse tema”. E eu sempre via a porta fechada. Eu não tinha aula com ele e não conhecia quem ficava lá dentro. Eu sempre passava lá e pensava “nossa, eu gosto desses nomes, neuromuscular, cinesiologia”. Um dia vi a porta aberta, e aí aconteceu. Acho que as coisas vão se construindo aos poucos, e chega uma hora que acontece.

SAMUEL: A gente tá falando sobre orientador, aí fiquei pensando, a Unicamp é sua primeira docência no ensino superior?

LÍGIA: Como eu estava trabalhando em um laboratório muito focado em pesquisa de ponta, a gente era meio desencorajado a trabalhar com docência. Mas como lá tem aprimoramento em Educação Física, eu ajudei vários anos nas aulas do programa. Então trabalhei muito com a especialização, e tive oportunidade de orientar os trabalhos de conclusão de curso. Mas como docente da graduação é a primeira vez. Mas eu gosto muito de dar aula. Apesar das dificuldades que a gente tem, é uma das coisas que mais gosto de fazer.

SAMUEL: Eu perguntei isso na verdade porque fiquei pensando assim, nossos planos de pesquisa foram afetados pela pandemia. E você estava começando a orientar alunos da Unicamp quando chegou a pandemia. Como está sendo isso para você?

LÍGIA: É um desafio. Eu gosto muito de conversar, sentar junto, explicar. No começo fiquei um pouco temerosa de como ia conseguir orientar à distância. Porque apesar do projeto em si não ter começado, a gente precisou desenhar o projeto, escrever, e tudo isso teve que ser feito de forma remota. E não é a mesma coisa, né. Pra mim foi um desafio, mas por um lado foi bom, porque a gente entende que dá pra fazer isso de outras formas.

LÍGIA: O que atrapalhou bastante é que eu tinha a expectativa de ter um aluno de mestrado, que entrasse no processo seletivo do início deste ano. E o processo seletivo foi cancelado por conta da pandemia. Esse projeto novo não começou e tenho que esperar um aluno pra poder tocar ele. A questão dos alunos de TCC e iniciação, foi toda uma adaptação. No começo foi mais difícil, mas agora está indo bem.

LÍGIA: Eu tinha a ideia de começar um grupo de estudos no começo do ano. Me organizei toda pra fazer, aí foi cancelado. Falei “bom, a gente vai voltar daqui 15 dias, um mês, vai dar certo”. Aí nada. Abril nada, maio nada. Eu fala “gente, eu preciso montar um grupo de estudo, pros alunos me conhecerem melhor! Eu vou ter que começar a fazer um grupo online!”.

LÍGIA: Como eu, Lígia, vou captar alunos pra fazer parte de um grupo virtual sobre exercício físico e saúde? E eu não sou uma pessoa que fica postando no Facebook, no Instagram. Aí marquei, chamei uns alunos e fiz uma página no Facebook. Aí vi que tinha uma curtida ou outra, e meu marido me disse “Lígia, seus alunos não veem Facebook, tem que ser no Instagram” [RISOS]. E foi o mais engraçado, eu coloquei no Instagram, sei lá, acho que em um ou dois dias começou gente de fora da Unicamp a me procurar.

LÍGIA: Mas assim, o grupo está tendo reuniões semanais, tem desde aluno do primeiro ano até aluno graduado, e tem inclusive alunos que estão fazendo graduação em outra instituição e que vieram me procurar. E a disciplina que eu dou é de saúde coletiva, então hoje estou montando duas linhas. A gente acaba que reveza, tem reunião toda semana, uma semana eu falo mais das questões de saúde coletiva, outra semana mais de reabilitação cardíaca, doenças crônicas, efeito do exercício…

SAMUEL: E você Erick, como tá sendo pra se adaptar no cenário online?

ERICK: Inicialmente foi feita uma adaptação às pressas. O projeto mudou, e o contato com o orientador está sendo só remoto. A parte da pesquisa, o que estamos fazendo? Aguardar a retomada gradual e ver como vai ser essa parte da coleta. Agora está sendo o ajuste do projeto, o que é possível fazer no isolamento social. Mas o pós quarentena vai ser diferente. Já está tendo a retomada, os atletas voltaram a treinar na semana passada, então daqui a um mês, dois meses, vai ser possível tentar alguma coisa.

LÍGIA: Uma dúvida Erick, você falou que seu projeto inicial era com idosos, e aí vocês optaram por mudar para parapowerlifting. E por que vocês fizeram essa opção, porque essa também é uma população que tem um risco né?

ERICK: Com o idoso seria crônico, por volta de 3 meses de treino. Aí pensei na logística do deslocamento do idoso até a faculdade pra fazer o treinamento e as avaliações. No parapowerlifting, como já temos a aproximação dos projetos de extensão, a coleta pode ser mais rápida de fato, e eles estão voltando aos treinos já com os cuidados. Como são várias classes de deficiência, estão voltando as que têm menos risco primeiro.

SAMUEL: Acho que podíamos amarrar com vocês contando quais são as expectativas de vocês para o futuro próximo e que dica dariam para quem não faz pesquisa e quer começar.

LÍGIA: Eu acho que pros próximos meses o cenário que temos, ainda mais pra quem trabalha com populações especiais, na pesquisa a gente vai ter uma dificuldade muito grande. Isso deve melhorar mesmo só no começo do ano que vem, e quando tivermos de fato uma vacina. Eu vejo que a gente deve ter um cenário complicado em questão de financiamentos, por conta da recessão que a pandemia vai gerar. Acho que vai ser um ano desafiador pra qualquer área de pesquisa, principalmente as que precisam de grandes financiamentos. Agora, acho que não dá pra parar, e não dá pra ficar esperando voltar ao normal. Quem tem interesse em fazer pesquisa ou começar um novo projeto, tem que se engajar nesses grupos de estudo, até pra ter uma formação inicial. Isso a gente consegue fazer e dá pra fazer à distância. Ainda é um caminho incerto, que a gente vai ter que buscar soluções novas pra se adaptar.

ERICK: Nesse ano eu espero que algumas atividades irão voltar, bem limitadas. Vamos fazer apenas o que for possível. Pra quem não começou ainda, primeiro de tudo, é ver a ciência como um método aplicável. Ter curiosidade e buscar o contato. Na pandemia a gente viu bastante, a divulgação científica ficou com mais luz, ficou bem visível pra quem tá querendo entrar. E buscar sempre experiência. Colocar a mão na massa e buscar pessoas experientes.

LÍGIA: Pra todos nós que somos da pesquisa, a ciência está muito em voga né. Temos que aproveitar o momento para divulgar o que a gente faz e a importância disso para a sociedade, talvez para captar novos interessados, novos alunos e pesquisadores. Esse é o momento certo pra mostrar a nossa importância, e pensando no exercício físico, está mais evidente do que nunca a importância dos hábitos saudáveis. Então a gente tem uma oportunidade única pra mostrar o que a gente faz pra sociedade, o que não deixa de ser um papel da universidade.

SAMUEL: O episódio fica por aqui. Corpo é uma produção do podcast Oxigênio, do Labjor Unicamp, e faz parte do projeto “Histórias para pensar o corpo na ciência”, desenvolvido na FEF Unicamp e financiado pela FAPESP.

SAMUEL: Produção, roteiro e edição foram feitas por mim, Samuel Ribeiro. O projeto é coordenado pelo professor Bruno Rodrigues da FEF e pela Marina Gomes, do Labjor. Ah, e quem coordena o Oxigênio é a Simone Palone, também do Labjor.

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