A sigla rap é a união das palavras em inglês rhythm and poetry, que significam ritmo e poesia. O gênero se caracteriza por letras marcantes, que relatam a vida na periferia das grandes cidades e batidas fortes. No Brasil, o rap surge em São Paulo nos anos 80 e ganha visibilidade com os Racionais MC’s.
Mas a partir de 2010 o Rap começa a ocupar locais mais diversos, como livrarias, Sesc, espaços culturais freqüentados por um elite intelectual. Essas mudanças no Rap são estudadas pela pós-doutoranda do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) Unicamp, Daniela Vieira dos Santos.
Você já ouvir falar sobre a Nova Geração do Rap?
Criolo e Emicida, compõem essa nova geração. No oxilab #78 a pesquisadora Daniela Vieira discute que mudanças aconteceram nas canções e na indústria fonográfica, que fizeram o RAP sair dos limites da periferia e ocupar espaços tão diversos.
O episódio de hoje foi produzido por Helena Ansani Nogueira, com colaboração e coordenação de Simone Pallone. Os responsáveis pelos trabalhos técnicos são Octávio Augusto, da Rádio Unicamp, e Gustavo Campos.
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Abaixo, a transcrição do episódio.
A Música é um meio poderoso de expressão das nossas emoções. Por meio da letra e melodia de uma canção podemos transmitir sensações, pensamentos, compartilhar angústias e paixões. Alguns gêneros musicais demonstram também uma crítica social, canções de resistência surgem em períodos de instabilidade política, ditaduras e expressam um grito de liberdade.
Se você ouvinte se interessa por música me acompanhe até o final porque esse episódio é pra você!
Quem apresenta o programa é a Helena Ansani Nogueira. Os trabalhos técnicos foram feitos pelo Gustavo Campos e pelo Octávio Augusto, da Rádio Unicamp. Na coordenação do Programa, Simone Pallone.
Este é mais um episódio do Oxigênio. Vamos ao rap!
Helena Ansani Nogueira – O Rap surgiu nos Estados Unidos nos anos 70, a sigla rap é a união das palavras em inglês rhythm and poetry, que significam ritmo e poesia. O gênero se caracteriza por letras marcantes, que relatam a vida na periferia das grandes cidades e batidas fortes. No Brasil, o rap surge em São Paulo nos anos 80 e ganha visibilidade com os Racionais MC’s . Nas músicas eles contam como é a vida na periferia, relatando casos de racismo e violência policial. Outra característica do gênero é a presença do MC, que deriva do termo em inglês Masters of Ceremony, que em português significa Mestre de Cerimônias, ou seja, é aquele que interage com o público.
Helena – Entre 2016 e 2017 buscando aprofundar os estudos sobre RAP a pesquisadora Daniela Vieira viajou para a França, o segundo maior produtor de rap do mundo, e realizou um estágio de pós doutorado em Paris, estudando os rappers franceses. Mas a jornada até este dia foi longa, e ela nos conta um pouco da sua trajetória profissional.
Daniela Vieira – Eu faço meu pós-doutorado na Unicamp no IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) com fomento da FAPESP. Esse interesse pela área de estudos de música e cultura começou desde a graduação, mas na graduação, na iniciação científica eu estudei um filósofo alemão chamado Walter Benjamim que tava pensando sobre cultura na década de 30 na Alemanha, mas eu já queria estudar cultura brasileira, cultura brasileira no período da ditadura militar e aí eu acho que em 2004 eu entrei em um grupo de pesquisa lá na Unesp, sobre cultura e política nos anos 70.
Helena – A Daniela conta que já no segundo ano da faculdade, antes de fazer a iniciação científica ela já queria fazer algum trabalho relacionado à música, mais especificamente, algo relacionado música à sociedade. Aí ela encontrou um outro grupo de pesquisa sobre teoria crítica, que abriu uma nova perspectiva para o que ela queria fazer.
Daniela – Eu entrei em contato com um pós-doc que tinha trabalhado sobre samba e conhecia uma vasta bibliografia sobre música e fui eu fazer um minicurso com ele, na verdade fiz 2 minicursos e aí veio a idéia de estudar uma banda de rock chamada os mutantes eu tentei compreender o experimentalismo na trajetória dos mutantes como ocorre essa mudança sonora da banda e como isso tá vinculado também ao processo de implementação da indústria cultural no Brasil. E disso surgiu e saiu minha dissertação de mestrado que virou livro em 2010.
Helena – Esse viés de estudo sobre a música na cultura brasileira, que expressa momentos marcantes para o país, e conceitos de nação, continuou sendo tema de pesquisa da Daniela no doutorado. Desta vez com foco no trabalho de dois expoentes da música popular brasileira: Chico Buarque e Caetano Veloso.
Daniela – E aí no doutorado já na Unicamp eu continuei seguindo nessa linha de música mas pensando o problema a questão da nação nas canções de Chico Buarque e Caetano Veloso também tentando pegar uma passagem uma mudança no Brasil de uma cultura mais vinculada ao nacional popular e a partir dos anos 80 um impacto de uma cultura, já ligada já o impacto da mundialização, da globalização e como isso em certa medida não de força mecânica acaba tendo um impacto sobre a relação entre nação e canção que sempre teve presente na música popular brasileira e ainda ta mas a tese que eu tentei defender foi de a canção como representante da nação mas dentro de uma perspectiva progressista essa canção ela declina sobretudo a partir dos anos 80 e daí demonstrei isso a partir das canção do Chico Buarque e Caetano Veloso pegando um longo período de tempo que vai dos anos 60 quando eles começam até os anos 90. E agora no pós-doutorado eu mudei o gênero não é mais a chamada MPB e to trabalhando sobre rap no Brasil a partir de meados dos anos 2000 e em especial com 2 artistas bastante emblemáticos na cena contemporânea que é o Crioulo e o Emicida.
Helena – Sendo o RAP um gênero que traz canções de resistência, podemos fazer um paralelo com a jornada da própria pesquisadora Daniela Vieira dos Santos. Pois enquanto mulher negra, vivendo em um país machista e racista, já passou por muitas situações de discriminação. Ela também já participou de muitos eventos em que era a única mulher negra. Embora isso venha mudando nos últimos anos, principalmente através de políticas de inclusão, a desigualdade de oportunidades para a população negra persiste.
Depois de muitos anos de estudos e dedicação, a pesquisadora Daniela Vieira vem ganhando reconhecimento. Em 2018 a pesquisadora apareceu na lista do jornal “The Intercept Brasil” entre as 138 personalidades negras mais admiradas de 2018 e neste mesmo ano durante o 42º Encontro Anual da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) conquistou o prêmio de Melhor Painel em Sociologia com o Título: Quando os manos modificam a cena: rap e indústria cultural. Esses resultados quebram barreiras para o gênero RAP e o destaque de pesquisadores negros serve de identificação e inspiração para que jovens negros também busquem este caminho.
Em seu projeto atual, a pesquisadora busca entender que mudanças aconteceram nas canções e na indústria fonográfica, que fizeram o RAP sair dos limites da periferia e atingir um público tão diverso e, alguns casos, elitizado. Para compreender essas mudanças a pesquisadora estuda as produções dos rappers Criolo e Emicida.
Daniela – Eu tomo como problema de pesquisa dois artistas que já tão na crista da onda, o processo está acontecendo e me parece não tem muitas pesquisas consolidadas sobre o Rap no Brasil, acho que tem algumas, tem muita gente boa trabalhando, começando a sair um debate, estou falando mais de trabalhos acadêmicos, outros tipo de trabalhos claro que tem, mas sobre trabalho acadêmico ainda não é campo consolidado mesmo o campo da música popular brasileira no qual eu tô inserida é um campo um pouco marginal em especial dentro da sociologia. E eu busco pensar a canção como matéria sócio-histórica de análise da realidade social, esse tem sido meu viés de trabalho assim desde o mestrado.
Helena – Em 2019 Criolo levou a turnê “Boca de Lobo” para a Europa passando por vários países e foi indicado recentemente ao Grammy Latino. Em 2017 Emicida também foi indicado ao Grammy Latino pela composição “A chapa é quente”.
Criolo e Emicida ganharam visibilidade pelos vídeos de batalhas de rimas, inclusive Emicida é a fusão das palavras “MC” e “homicida”, pois o rapper se destaque pela sua habilidade com a improvisação e derrota os adversários através de rimas. Hoje os rappers se tornaram grandes fenômenos musicais e assim o RAP passa a ocupar outros locais e não só a periferia.
Daniela – O Rap tem um papel importantíssimo na cultura brasileira e em especial a chamada cultura periférica, o Rap ele forma e formou gerações de jovens, possibilitou que esses jovens tivessem consciência crítica acerca da realidade na qual eles vivem, também teve muito ligado a movimentos sociais da periferia, movimentos de formação, então é indiscutível o papel na sociedade como uma ferramenta de crítica ao racismo, as desigualdades sociais, as possibilidades de sonhos de tirar aquele jovem da marginalidade, das drogas então acho que tem um papel que é muito relevante e que precisa ser compreendido.
Helena – Você já ouvir falar sobre a Nova Geração do Rap? Criolo e Emicida são exemplos dessa nova geração de rappers, que passa a circular no país a partir de 2010 mais ou menos, de uma forma mais ampla, atinge mais a classe média, o público universitário, e isso chamou a atenção da pesquisadora
Daniela – Então a princípio o título do meu projeto de pesquisa é “A Nova Geração do Rap no Brasil” porque eu comecei a perceber que o Rap que vai se formando, o Rap que passou a circular no país a partir de 2010 era muito distinto ou com outras problemáticas do que o Rap dos anos 90, em especial os lugares que o Rap passou a ocupar, por exemplo, ver rappers em livrarias, rappers fazendo viagens internacionais, rappers indo em espaços culturais freqüentados por um elite intelectual, então toda essa mudança começou a me chamar atenção e foi a partir daí que eu formulei o meu projeto de pesquisa. E eu escolhi o Crioulo e o Emicida para entender esse fenômeno justamente porque naquela época que foi 2015, final de 2015, quando fiz o projeto, eles eram os Rappers mais bem sucedidos no país e também eu percebia que eles estavam conquistando um público universitário de classe média, e foi a partir dessa observação que eu comecei a elaborar meu projeto de pesquisa para entender essas mudanças, mas em um determinado momento da minha pesquisa eu percebi que não se tratava de uma mudança geracional, e sim o que eu to chamando como a “nova Condição do Rap do Brasil” que ta ligada com mudanças tanto dos meios de produção e de circulação do Rap, como também mudanças na audiência desse Rap, isso compõem essa nova geração do Rap. Essas mudanças que enfim eu não vou conseguir caracterizar bem agora, mas em termos bastante gerais é essa a nova condição do Rap, que possibilita que é um dos elementos essa mudança que venho percebendo que eu te falei, do público, do espaço social e mesmo do status que o Rap passa a ocupar na sociedade brasileira.
Helena – A pesquisadora Daniela também estuda o possível caráter de “adocicamento” , letras mais leves nas canções dos racionais mc´s dos anos 90. Diante disso surge o questionamento se poderíamos dizer que o RAP está se embranquecendo.
A hipótese inicial da pesquisa era a de que as mudanças verificadas no rap a partir de meados dos 2000 indicavam para o embranquecimento desse gênero musical. Mas durante a pesquisa, sobretudo a partir da análise do rapper Emicida, a pesquisadora verificou que não se trata de embranquecimento . Pelo contrário, há, por um lado, evidente enegrecimento e combate antirracista. Mas, por outro lado, a crítica ao capitalismo é leve, isso gera tensões que estão sendo estudadas na etapa recente da pesquisa.
Bom, como vimos, ainda tem muito o que ser pesquisado sobre o RAP. O álbum “Sobrevivendo no Inferno” dos Racionais Mc’s aparece na lista de obras literárias obrigatórios para o vestibular 2020 da Unicamp, ao lado da obra “Sonetos” de Luiz de Camões, e é primeira vez que um disco entra nesta lista, então, o RAP continua ganhando cada vez mais espaço e representatividade. Mas hoje terminamos por aqui.
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Até o próximo episódio!
Músicas:
Música: Freestyle Rap Instrumental (Prod. by Mixla)
Efeito Sonora: Wild Battle Crowd Approach
Música: Ever Felt pt2
Música: Black Magic
Música: A to the O
Música: Música: Basement Floor
Música: Grapes ft. J Lang & Morusque – I dunno
Música: Trekking
Disponíveis em https://www.youtube.com/audiolibrary/soundeffects
Imagem:
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