Neste episódio, apresentamos o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), suas origens e a relevância do programa no desenvolvimento e aprimoramento do SUS. Contamos a origem do projeto, que atua regulando a imunidade fiscal de hospitais filantrópicos, e discutimos a real capacidade de implementação de um produto de terapia gênica para doença falciforme no sistema público de saúde.
Para explicar como o programa funciona, sua relação com o grupo de pesquisa em terapia gênica do Hospital Albert Einstein e quais as implicações na saúde pública, conversamos com Guilherme Schettino, Ricardo Weinlich e Francisco Barbosa Junior. O episódio também conta com a participação de Simone Bruna, pessoa com doença falciforme e ativista na área.
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Roteiro
FRANCISCO: Eu como um ser humano, né? O que que o que que eu queria? Qual que seria o mundo ideal, né? Que existissem todos os tratamentos, todos os medicamentos e tudo para todo mundo, né? Então sem dúvida, esse é o mundo ideal, mas é a hora que a gente chega e fala ok? Como que a gente vai viabilizar a maior parte dos tratamentos para a maior parte das pessoas e não só o tratamento mais formas de tratar que daí vem a prevenção vem a educação, mas que a gente consiga levar à saúde para todo mundo para todos.
MAYRA: Segundo o Ministério da Saúde, a estimativa é de que existam entre 60 e 100 mil casos da doença falciforme no Brasil. Mas, o teste do pezinho, um teste de sangue que detecta a doença em recém nascidos, só foi padronizado no país em 2001.
ANDRÉA: E os hospitais só passaram a ser obrigados a notificar os casos da doença para o Ministério em 2023.
KARINA: Tem muita gente que nasceu para trás que às vezes não sabe que tem a doença e vai descobrir em idade jovem, idade adulta então existe aí provavelmente uma subnotificação. E isso é distribuído de forma heterogênea dentro do país, a gente sabe que, por exemplo, a Bahia é o estado que mais concentra casos de doença falciforme.
MAYRA: Essa distribuição da doença não é aleatória e tem tudo a ver com a história do Brasil.
ANDRÉA: Neste episódio, a gente vai te contar mais sobre a doença falciforme no Brasil e sobre uma tentativa de disponibilizar um tratamento mais efetivo para a população de graça através do SUS. Mas antes disso, deixa eu te avisar que esse episódio é a segunda parte de uma dupla de episódios. Você pode ouvir esse aqui agora, mas talvez ele faça mais sentido se você ouvir o primeiro o episódio anterior.
MAYRA: Se quiser, vai lá que a gente te espera por aqui.
ANDRÉA: Se você já ouviu o primeiro, segue aqui com a gente. Eu sou a Andréa Grieco.
MAYRA: E eu a Mayra Trinca. Este episódio é parte do trabalho de conclusão do curso de especialização em jornalismo científico, que fizemos no Labjor, da Unicamp.
[VINHETA]
MAYRA: No episódio anterior, a gente pediu ajuda da Karina Maio, médica hematologista, pra explicar pra gente o que é a doença falciforme:
KARINA: E aí o que que acontece por conta dessa mutação, então que é herdada do pai e da mãe, tá para que a pessoa tenha de fato a doença, tem uma hemoglobina ali que ela é estruturalmente diferente do que seria uma hemoglobina normal, ela acaba formando polímeros uma hemoglobina gruda na outra tá de forma assim muito forte e aí isso acaba formando polímeros dentro da hemácia dentro do glóbulo vermelho, que é o que dá algo vermelho o formato de foice que é muito característico da doença.
ANDRÉA: Nessa conversa, ela também explicou pra gente porque a doença falciforme não ocorre na mesma proporção no mundo todo.
KARINA: Tem um conceito que a gente fala de haplótipo. Então, existem algumas outras mutaçõezinhas ali, perto da mutação falciforme, alguns outros padrões de mutação que eles são herdados em conjunto. E é a partir desse padrão de mutações que a gente consegue rastrear essa origem e por isso que a teoria mais bem aceita é que a doença, ela se originou em 5 pontos diferentes e não em um ponto só que são República Democrática do Congo, Senegal, Camarões, Benim e tem um haplótipo que é o árabe-indiano.
MAYRA: A partir desses pontos de origem, a mutação falciforme se espalhou em diversas populações africanas e só passou a estar presente por aqui depois das migrações forçadas da África para o Brasil durante a invasão e colonização das Américas. As localidades que receberam mais africanos são as que têm maior prevalência da doença, ainda hoje.
ANDRÉA: Isso também significa que a população mais afetada pela doença é a população negra, que é historicamente negligenciada, com menor renda e mais dependente de serviços públicos, como o acesso à saúde via SUS.
MAYRA: Como diz a Simone Bruna, pessoa com doença falciforme
SIMONE: Mas eu acredito que você ter uma doença falciforme independente do seu fenótipo, né? Você sofre o racismo que a doença sofre, né?
MAYRA: Por isso, não dá pra pensar em um tratamento para doença falciforme que não passe pela saúde pública. Então a gente queria falar um pouco sobre como funciona o Sistema Único de Saúde pra entender como ele pode levar a terapia gênica que está em desenvolvimento para o maior número de pessoas possível.
FRANCISCO: A saúde pública em uma frase é a saúde acessível a todos, independente do seu status social do seu estado civil da sua orientação política ou religiosa. Essa é a saúde pública, tá ali para entregar saúde para levar saúde. Independente de quem você seja e que não tenha nenhuma influência positiva ou negativa nessa na entrega de saúde, né no seu atendimento na saúde.
ANDRÉA: Esse que você ouviu agora é o Francisco Júnior
FRANCISCO: Eu sou formado em informática biomédica pela USP de Ribeirão Preto. Fiz também mestrado e doutorado no programa de saúde pública também da faculdade de medicina de Ribeirão Preto.
MAYRA: A gente foi falar com o Francisco pra entender melhor esse cenário da saúde no Brasil. Perguntamos pra ele quais os pontos fortes do SUS e ele destacou dois. O primeiro, é a capilaridade do sistema.
FRANCISCO: A estrutura do SUS, eu vejo ela organizada de maneira muito inteligente, pois a gente começa sempre pensando em prevenção na atenção primária e com a entrada o fluxo do paciente caminhando da atenção primária. Então com isso subindo a estrutura do SUS, né? Ele consegue sair para um hospital, né de média complexidade. E se não for possível ele ser encaminhado também para um hospital de alta complexidade
ANDRÉA: E o segundo, é justamente esse foco da atenção primária na prevenção e educação.
FRANCISCO: o SUS é muito mais do que um hospital, né?
ANDRÉA: ele engloba também a vigilância sanitária e a distribuição de medicamentos, por exemplo.
MAYRA: sem contar que é o maior sistema público de saúde do mundo, atendendo mais de 190 milhões de pessoas!
ANDRÉA: Resumindo, muita gente depende do SUS, e isso envolve muito dinheiro! Como o Francisco comentou na abertura desse episódio, o ideal da saúde pública seria que todas as pessoas tivessem igual acesso
MAYRA: E que tivessem todas as suas necessidades atendidas…
ANDRÉA: Mas a gente sabe que a realidade tá distante disso
SIMONE: E eu também sou privilegiada, eu tenho plano de saúde, então eu tenho condições de ter esse acesso de buscar é especialistas, né? E infelizmente não é a realidade da maioria das pessoas com doença falciforme, que às vezes ficam em filas gigantes de especialistas.
MAYRA: Essa é de novo a Simone Bruna, ela é uma pessoa com doença falciforme e atua nas redes sociais criando conteúdo sobre a doença, tentando fazer com que informações sobre ela cheguem a mais pessoas. Além de lutar pela garantia de direitos. Ela já dividiu um pouco da sua experiência no primeiro episódio.
ANDRÉA: Mas, pra além da vivência pessoal dela, a Simone também comentou sobre a realidade de muitas outras pessoas, que acabam não tendo acesso ao tratamento adequado. Por exemplo, são comuns relatos da dificuldade em conseguir a hidroxiureia, que é o tratamento base mais comum nos casos de doença falciforme.
SIMONE: Todos, né, em território nacional, tem direito. Inclusive tem muitas pessoas que quase que diariamente vem até mim com dificuldade de conseguir o acesso. Tem alguns estados que às vezes eu sei que tem falta, eu nunca tive falta nesse tempo todo de tratamento, mas eu sei que é um caso, né, à parte porque muitas pessoas eu sei que tem que comprar e ou mover ações da justiça, mas a gente tem direito garantido
MAYRA: Uma das grandes dificuldades com as doenças falciformes, é que existem poucas opções de tratamentos curativos. A hidroxiuréia ajuda muito, mas não faz as pessoas deixarem de ter a doença.
ANDRÉA: Os únicos tratamentos de longo prazo são o transplante de medula óssea e as terapias gênicas.
MAYRA: Ah, um parêntese muito legal aqui! Entre dar a entrevista pra gente e o tempo de produção deste episódio, a Simone conseguiu um doador de medula óssea! Ela contou tudo sobre esse processo no perfil do instagram dela, que vamos deixar na descrição do episódio! Depois confere lá.
ANDRÉA: Só que esses tratamentos são pouco acessíveis. O transplante, porque é super complicado encontrar doadores compatíveis.
MAYRA: E as terapias gênicas existentes hoje ainda não estão disponíveis no país. Elas estão liberadas nos Estados Unidos e Reino Unido, mas chegam a custar até 16 milhões de reais!
ANDRÉA: Ou seja, mesmo que elas cheguem ao Brasil, é um valor impraticável para a população brasileira, especialmente as populações mais vulneráveis. Isso significa que o acesso a esses tratamentos precisa ser feito através do Ministério da Saúde e do SUS. A Simone ainda reforça:
SIMONE: Porque embora sejam caras essas terapias, mais caro ainda são as mortes das pessoas que que esperam pela cura e a cura não chega. São as complicações, né, limitações que a dor causa e um paciente ele vai custar muito mais para o sistema porque ele não consegue ser um produtivo digamos assim trabalhar, né? Então ele não vai ser um cidadão que vai contribuir tanto assim ainda vai a gente ainda tem uns gastos de internação às vezes de prótese de tratamentos extremamente caros de UTI, se você for colocar às vezes na ponta do lá.
Certeza é muito mais eficiente a gente trazer a cura para todos porque eh deixar essas pessoas adoecerem fora o sofrimento que não é nada humano, né?
MAYRA: Um estudo publicado na PLOS ONE em 2022 calculou que pacientes com doenças falciformes custam mais de 400 milhões de dólares por ano ao governo brasileiro. Ou seja, mais de 2 bilhões de reais!
ANDRÉA: E esse valor pode ser ainda maior, já que a pesquisa considerou a estimativa de 50 mil pessoas com doença falciforme, usando dados lá de 2018, e não os quase 100 mil que se estimam atualmente.
MAYRA: Isso mostra como, pra além do tratamento e da melhoria da qualidade de vida das pessoas, vale a pena economicamente investir nesse tipo de tratamento. Já que com a terapia gênica, os episódios de crise aguda, que são os principais responsáveis pelas internações, diminuem muito.
ANDRÉA: Só que ainda assim, o SUS simplesmente comprar os medicamentos de terapia gênica existentes para cada pessoa com doença falciforme no Brasil é impraticável. Seriam milhões de reais multiplicados por essas dezenas de milhares de pessoas, sendo que o sistema público de saúde precisa dar conta das necessidades de saúde de toda a população brasileira.
FRANCISCO: E aí tem outra pergunta também, qual é a conversão disso? Quantas pessoas vão se beneficiar aqui e quanto isso vai custar?
Quando a gente fala em saúde pública a gente precisa sempre pensar no coletivo pensar epidemiologicamente quando a gente pensa no indivíduo é muito difícil fazer saúde pública, porque cada indivíduo tem a sua individualidade.
MAYRA: Qual seria os caminhos possíveis para viabilizar esse tratamento, pensando no ponto de vista da saúde pública e coletiva?
ANDRÉA: O Francisco cita como possibilidade uma estratégia já bastante comum no Brasil que é a fabricação de medicamentos genéricos:
FRANCISCO: Vamos quebrar a patente porque esses valores são exorbitantes e são pro lucro das farmacêuticas. Então como que a gente pode fazer um outro caminho, né? Vamos quebrar patente desses medicamentos caríssimos porque as pessoas precisam de tratamento.
MAYRA: Só que isso pode ser um processo bem longo e difícil de se ganhar judicialmente. Como os medicamentos de edição gênica ainda são relativamente novos, as farmacêuticas costumam argumentar que os valores altos são necessários para cobrir o custo do desenvolvimento da tecnologia.
ANDRÉA: Por mais que a gente saiba que a história não é bem assim, e que, pra além de cobrir esses custos, existem lucros astronômicos sendo gerados com a venda desses medicamentos, talvez a quebra de patentes de terapias internacionais ainda seja uma realidade distante.
MAYRA: E tem mais…
SCHETTINO: Você ter o domínio da tecnologia aqui no Brasil é muito importante, né? Porque se a gente ficar sempre dependendo de eh de importar essa tecnologia de fora ou ficar dependente só da Indústria Farmacêutica para produzir esses tratamentos. Nem sempre é o custo vai ser o o melhor é para os usuários do SUS, né?
MAYRA: Esse é o Guilherme Schettino, ele é médico formado pela USP e especialista em operação e gestão de Sistemas de Saúde. Ele conversou com a gente como representante do PROADI-SUS. O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde.
ANDRÉA: Esse programa está financiando uma pesquisa para o desenvolvimento de uma terapia gênica brasileira para doença falciforme, que está rolando no Hospital Israelita Albert Einstein – a gente te contou sobre isso no episódio anterior.
MAYRA: Agora, a gente quer entender a história desse programa e como ele viabiliza essa e outras pesquisas.
A primeira coisa que você precisa saber, é que esse programa é uma parceria entre o Ministério da Saúde e seis hospitais considerados de excelência:
SCHETTINO: Então é o Hospital Israelita Albert Einstein, o hospital sírio-libanês, o hospital alemão Oswaldo Cruz, o hospital do coração — o HCor —, a Beneficência Portuguesa de São Paulo, esses cinco hospitais estão localizados aqui é na cidade de São Paulo e um hospital um hospital Moinhos de Vento que é é que fica em Porto Alegre.
ANDRÉA: Aí, o Schettino explicou pra gente que acontece o seguinte:
SCHETTINO: Por serem instituições privadas sem fins lucrativos e filantrópicas essas instituições. Elas têm a imunidade de alguns tributos, entre eles as contribuições sociais.
MAYRA: Essa imunidade foi assegurada pela constituição de 88 e o programa só foi criado em 2009, então na verdade
SCHETTINO: O que o programa PROADI fez foi uma maneira de disciplinar a contrapartida em benefício ao SUS relativa a essa imunidade.
ANDRÉA: Ou seja, esses hospitais não pagam determinados impostos para o governo, mas até 2009 não havia qualquer regulamentação do que era feito com o dinheiro que deixava de ser repassado. A partir da criação do PROADI, fica estabelecido que é necessário um retorno mais direto ao sistema público de saúde.
SCHETTINO: Eles fazem um cálculo, né? De quanto que seria o valor das contribuições sociais que esses hospitais teriam que recolher e usam exatamente o mesmo valor para executar os projetos do PROADI-SUS do Ministério da Saúde.
MAYRA: Esse programa não financia apenas pesquisas, como a da terapia gênica para anemia falciforme, mas toda uma gama de projetos que beneficiam de alguma forma o SUS e seus profissionais, como
SCHETTINO: Projetos de capacitação, projetos de apoio à gestão, projetos voltados à avaliação e incorporação de tecnologia pelo SUS, projetos de pesquisa e projetos voltados à assistência para alta complexidade.
ANDRÉA: A ideia do programa é que as secretarias de saúde indiquem áreas prioritárias que precisam de melhorias e os hospitais investem em projetos que atendam essa demanda.
SCHETTINO: O projeto para ele ser aprovado dentro desse programa ele passa por uma avaliação por um comitê chamado comitê gestor do PROADI-SUS que tem 3 assentos, né, então o Ministério da Saúde, o CONASS, que é o conselho é do secretários estaduais de saúde e o CONASEMS, que é o conselho do secretários municipais de saúde, né? Porque CONASS e CONASEMS que estão lá na ponta, então eles entendem e ajudam o ministério a direcionar projetos para necessidade em diferentes cidades e estados do do Brasil e isso fez também que o que os projetos do PROADI fossem distribuídos por todo o Brasil.
MAYRA: Esse comitê aprova os novos projetos e reavalia os projetos a cada três anos, levando em consideração os resultados, a execução ou não do que foi proposto. Foi nessa reavaliação que o grupo de pesquisa da terapia gênica apresentou a nova proposta de ferramenta, que eu gente te contou no primeiro episódio.
ANDRÉA: Neste ano de 2024 começa um novo triênio, e o projeto de pesquisa em terapia gênica para doença falciforme foi renovado para mais um ciclo e segue em desenvolvimento.
MAYRA: Um dos desafios do PROADI é equilibrar as demandas de diversas áreas. Existe uma discussão frequente nesse meio da saúde que tenta definir quais deveriam ser os caminhos prioritários.
ANDRÉA: É claro que quem tem a doença falciforme fica na esperança de um tratamento mais duradouro e apoia o investimento em pesquisa
MAYRA: Mas essas mesmas pessoas também precisam de atendimento imediato, no tratamento dos sintomas e das crises, como a Simone comentou com a gente no começo do episódio. Só que nem isso tá chegando em todas as pessoas.
SIMONE: Eu só sinto tristeza, porque quando às vezes você vai na sua cidade ou alguns outros lugares, você sente que talvez o conhecimento de lá não chega e na ponta assim para todos os profissionais, porque isso também é difícil ter essa capacitação a longo prazo e manter esse profissionais.
MAYRA: Uma das funções do comitê gestor acaba sendo tentar encontrar um equilíbrio entre todas essas demandas. Segundo Schettino, o número de projetos voltados para a atenção primária aumentou nos últimos triênios.
SCHETTINO: Projetos voltados ao cuidado de pacientes com doenças crônicas, acompanhamento de pré-natal, projetos voltados à vacinação, né? Projetos voltados a doenças tropicais, projetos voltados à saúde de minorias. Que foi também a meu ver um um avanço aí em relação a esses projetos, né? Então projetos voltados a crianças, projetos voltados à população negra, projetos específicos voltados à saúde da mulher e principalmente projetos voltados à saúde de indígenas, né? Que estavam um pouco representados nos nos projetos PROADI.
ANDRÉA: Esses projetos são super importantes porque atuam na primeira linha do SUS, aquela que o Francisco destacou no começo do episódio por ser super importante na prevenção de doenças e acompanhamento dos pacientes, além de ajudar na capilaridade e distribuição do sistema de saúde.
MAYRA: O desafio do Ministério da Saúde é manejar os investimentos para melhorar a base, que como vimos, ainda tem muitas pontas soltas, ao mesmo tempo em que investe no futuro e no desenvolvimento do SUS.
ANDRÉA: Isso tudo envolve muito dinheiro e foi um dos motivos para criação do PROADI, que foi desenvolvido justamente para direcionar parte das verbas dessas grandes instituições privadas para o sistema público de saúde.
SCHETTINO: E nós estamos falando aí neste triênio 24 25 e 26 esse valor vai ultrapassar eh só do Einstein, ele vai ultrapassar 1 bilhão de reais e Somando todos os hospitais, ele vai ultrapassar três bilhões de reais.
MAYRA: Mas esse é um acordo que precisa de atenção e existem vários pontos importantes que a gente precisa refletir aqui. Pra pesquisa desse episódio a gente encontrou a tese da Julia Amorim Santos, que fez o doutorado na Faculdade de Saúde Pública da USP, avaliando o PROADI.
ANDRÉA: Um dos pontos de atenção que a Julia destaca é que em nenhum momento são definidos os critérios usados para estabelecer o que são instituições de excelência, o que dificulta a integração de outros hospitais no programa.
MAYRA: Outro ponto importante é que falta fiscalização e acompanhamento dos gastos. Entre 2009 e 2017, nos três primeiros triênios do programa, foram realizados 407 programas, somando quase 3 bilhões e 400 milhões de reais. Mais os 3 bilhões que devem ser utilizados só neste novo triênio.
ANDRÉA: A dificuldade aqui é determinar se os 400 projetos que foram desenvolvidos realmente demandavam esse montante. Ou ainda, como está a distribuição desse investimento. Por mais que, segundo o Schettino, tenham aumentado o número de projetos voltados à saúde básica, segundo o levantamento feito nesta tese, a maior parte do projetos ainda se destina a procedimentos de alta complexidade.
MAYRA: Já no caso específico do projeto de pesquisa de terapia gênica para doença falciforme, a questão que mais nos chama atenção é a aplicabilidade desse tratamento de forma gratuita, via SUS, para toda a população brasileira.
ANDRÉA: Na avaliação do Francisco, esse é um projeto…
FRANCISCO: Ousado, é ousado do ponto de vista que não é simples porque não é só comprar coisas e colocar tecnologia, né? A gente precisa de profissionais capacitados, a gente precisa de espaço físico.
ANDRÉA: Esse é o tipo de procedimento que demanda um atendimento de alta complexidade. O SUS é organizado de forma a transferir os pacientes para os centros especializados de cada região que, em teoria, aplicariam esse medicamento. Só que pra isso acontecer na realidade, vai ser necessário desenvolver a estrutura, os processos e capacitar os profissionais desses centros, o que pode ser um desafio especialmente em regiões mais afastadas das grandes cidades.
SCHETTINO: No momento este projeto é um projeto de pesquisa, né, um projeto voltado a dominar esta tecnologia e, eu acho que é uma segunda etapa, né? É como é que eu consigo oferecer acesso a essa tecnologia para quem precisa.
MAYRA: Ou seja, da forma como o projeto está inserido no PROADI, ainda não há nenhum tipo de definição sobre como esse tratamento será disponibilizado para a população.
ANDRÉA: O que sabemos é que a pesquisa dando certo e tendo resultados positivos, a técnica desenvolvida será 100% pertencente ao SUS. É o que explicou pra gente o Ricardo Weinlich, pesquisador do Hospital Albert Einstein e coordenador do grupo de pesquisa em Terapia Gênica.
RICARDO: Todo o desenvolvimento é feito pela nossa instituição, pelo Einstein, mas a gente entrega de volta os resultados, os dados, a tecnologia para o SUS. Ela não é de posse do Einstein.
MAYRA: O Schettino também complementa que:
SCHETTINO: E isso pode ser utilizado depois por qualquer outro centro que tem a capacidade, né de utilizar aquela tecnologia. Ela pode ser oferecida para outros centros no Brasil, para centros universitários, para Unicamp, por exemplo, para FioCruz, pro Instituto Butantan, né? Quem quiser usar essa tecnologia.
ANDRÉA: Só vale lembrar que o que será entregue é o protocolo de como fazer a terapia, que ainda assim é cara e exige estabelecimentos com padrões de produção super rigorosos, uma estrutura que existe em poucos lugares do país.
SCHETTINO: E aí a gente pode pensar no futuro num novo projeto PROADI, né, de fazer assistência para esse paciente. Mas aí é uma é uma segunda etapa.
MAYRA: Ainda assim, esse é um programa muito relevante para o avanço da ciência e da medicina no país. Como diz a Simone
SIMONE: Mas a pesquisa, ela é essencial. Porque sem pesquisa a gente não e a gente não teria chegado a onde estamos hoje que é promissor, né?
MAYRA: O Ricardo, coordenador do grupo, ainda acrescenta que
RICARDO: ao desenvolver este protocolo. Você também está desenvolvendo muita expertise neste campo da ciência, né? Como é um campo muito novo e rápido expansão você ter um financiamento do ministério para que você forme uma equipe de muitos profissionais que Consegue desenvolver desde do experimento Inicial passando por toda a parte de validação depois da pesquisa clínica os estudos clínicos, você gera uma expertise que pode servir de plataforma de a busca de tratamento para diversas outras eh enfermidades genéticas, né?
ANDRÉA: É importante para o desenvolvimento do país que tenhamos meios de pesquisar e produzir tratamentos personalizados, com foco na população brasileira. Assim, além de ficar menos dependentes de indústrias farmacêuticas internacionais, temos a possibilidade de produzir medicamentos que atendam melhor às necessidades dos brasileiros, inclusive financeiras.
RICARDO: Essa interlocução com o Ministério da Saúde, com os técnicos de dentro das secretarias, também nos ajuda a desenvolver a nossa percepção de que a pesquisa precisa ser muito bem feita, precisa da tecnologia de ponta, mas também precisa. Serem capazes de serem incorporados ao sistema único de saúde. Não basta fazer uma ciência que seja acessível, somente a uma elite da elite econômica no seu país.
ANDRÉA: O roteiro desse episódio é de Mayra Trinca. As entrevistas foram realizadas por Mayra Trinca e Andréa Grieco, que também revisou o roteiro. A pesquisa teve orientação da professora Daniela Manica e é parte do trabalho de conclusão do curso de Especialização em Jornalismo Científico do Labjor.
MAYRA: Os trabalhos técnicos são de Mayra Trinca. A trilha sonora é da Biblioteca de Áudio do Youtube. O Oxigênio conta com apoio da Secretaria Executiva de Comunicação da Unicamp. Você encontra a gente no site oxigenio.comciencia.br, no Instagram e no Facebook, basta procurar por Oxigênio Podcast. Te esperamos no próximo episódio.