#178 – Série Adolescência ep.3 – Impactos da pandemia na educação
jun 7, 2024

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A educação como um todo foi uma das áreas mais afetadas pela pandemia. Com as escolas fechadas, processos de aprendizagem foram interrompidos, assim como os de socialização. Algumas atividades foram suspensas ou feitas de outra forma, e isso teve um impacto significativo na vida desses adolescentes. E é sobre isso que as jornalistas Cristiane Paião e Mayra Trinca vão tratar neste terceiro episódio da série Adolescência. Para saber mais sobre o tema, elas conversaram com Bernardo Baião, coordenador de políticas educacionais da Organização Não Governamental Todos pela Educação e com a Professora Sabine Pompeia, do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo. 

CRIS PAIÃO: Olá, eu sou a Cristiane Paião, e começa agora mais um episódio do Oxigênio, o podcast de jornalismo de ciência e cultura do Labjor, o laboratório de estudos avançados em jornalismo da Unicamp.

CRIS PAIÃO: este é o terceiro episódio – de uma série de três – em que a gente mergulha na adolescência. Você pode ouvir os nossos outros dois episódios sobre esse assunto, na sua plataforma de podcasts preferida. E quem me acompanha agora, é a Mayra Trinca. Tudo bem, Mayra?

MAYRA TRINCA: Tudo bem, Cris. Nesse episódio, a gente vai falar sobre o retorno das aulas depois da pandemia, o que as últimas avaliações mostram sobre o desempenho dos alunos, que anda bastante preocupante. A pandemia pode ter passado, mas o impacto dela na educação, principalmente na educação básica ainda vai longe.

CRIS PAIÃO: Exatamente, MAYRA: Claro que a gente não vai aqui ficar só falando de números… O nosso objetivo é entender o que a ciência, a psicologia, e as pesquisas mais recentes sobre esse impacto da pandemia na educação podem ensinar pra gente.

Mas eu já trago um dado bastante importante aqui. Olha só, a porcentagem de crianças do segundo ano do ensino fundamental, que têm geralmente entre 7 e 8 anos, que não sabem ler e escrever — nem palavras isoladas – ou seja, palavras, não são nem frases…. Mais do que dobrou na pandemia. Isso segundo o INEP, que é o Instituto Nacional De Estudos E Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, responsável pelo levantamento desses dados.

MAYRA TRINCA: Pois é, isso é super preocupante. Porque, imagina a continuidade dessa aprendizagem, as dificuldades. A gente precisa falar desse processo, a longo prazo.

E só mais um dado aqui, pra gente já ir pros nossos entrevistados. De cada dez alunos de 7 anos, mais do que 3 não estão alfabetizados. Esses resultados podem ser ainda piores do que os indicados pelo SAEB, que é a prova de português e matemática, porque alguns estados registraram taxas de participação no exame abaixo de 50%. É o caso de Roraima.

CRIS PAIÃO: E esses números, no ensino médio, também são alarmantes, a gente vai falar mais sobre eles daqui a pouquinho… e tudo isso em meio a um debate que tá acontecendo agora: o da reforma do ensino médio. O governo, os deputados, os senadores, ainda não entraram em um consenso sobre como vai ficar a grade de aulas pro ano que vem.

A educação, como um todo, foi uma das áreas mais afetadas pela pandemia. Com as escolas fechadas, processos de aprendizagem interrompidos, assim como os de socialização — que é aquela delícia mesmo da escola, de brincar, de conviver com os amigos, porque tem muita coisa boa na escola. Algumas atividades foram suspensas ou feitas de outra forma, e isso teve um super impacto na vida desses adolescentes. Você que é professora, viu tudo bem de perto…

MAYRA TRINCA: Vi e ainda tenho visto, viu, Cris. A gente pode falar horas aqui sobre isso… As crianças e os adolescentes tendo aulas em casa dependiam muito das famílias, que não sabiam também como lidar com esse processo. E não foi só a aprendizagem formal que foi afetada, né. A gente viu muitos casos de abandono, de abusos e violência, fome, uma série de questões ligadas com o isolamento da pandemia.

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CRIS PAIÃO: Para entender melhor tudo isso, eu conversei com o pessoal da ong “TODOS PELA EDUCAÇÃO”. Já ouviu falar?

MAYRA TRINCA: Eu descobri quem são eles recentemente, Cris, através da Sabine, que daqui a pouco a gente chama pra essa conversa. Mas sei que eles têm um trabalho muito legal de acompanhar a educação no brasil. Como foi a conversa com eles?

CRIS PAIÃO: Foi ótima! Eu conversei com o Bernardo Baião, coordenador de políticas educacionais. E aí, eu perguntei sobre esses resultados do SAEB, que foram muito ruins pras duas principais disciplinas que q gente tem no currículo, que são português e matemática. Bora saber o que ele disse sobre isso? Vamos ouvir a entrevista.

BERNARDO BAIÃO: “Aqui, tem duas mensagens, que são bastante importantes sobre esse tema. A primeira, é que a pandemia ela alarga os problemas de aprendizagem no Brasil, mas ela não inaugura. O Brasil já vivia problemas de aprendizagem historicamente, é um país com grandes desafios de aprendizagem. Essa é a primeira mensagem, então só de exemplo, quando a gente olha para 2019 e vê os níveis de aprendizagem nota-se, por exemplo, que no Ensino Médio, dos estudantes que estão concluindo aquela etapa em 2019, só um em cada 10 desses estudantes saíram com aprendizagem adequada em matemática. Então isso é uma grande falência do sistema de aprendizagem no Brasil e é algo que precisa ser enfrentada. A segunda mensagem que é bastante relevante sobre esse tema é que talvez os dados mais importantes de aprendizagem, no sentido de números mesmo, que a gente vai ter como diagnóstico da pandemia, não são os dados de 2021. E aqui, por que não 2021? Por dois motivos principais. Primeiro, porque várias escolas naquele momento estavam fechadas ainda, então, você tem um desafio de uma mesma prova aplicada para alunos que estão com escola aberta e alunos que estão com escolas fechadas. Isso traz reflexo no resultado. E segundo, que a taxa de participação nessas provas variou muito naquele período. Talvez o melhor diagnóstico que a gente vai ter da pandemia, e vai ser um ótimo diagnóstico para o país olhar para a educação, sejam os resultados do SAEB de 2023. Então, o resultado da prova realizada no ano passado, cujos resultados vão sair agora no primeiro semestre de 2024.”

MAYRA TRINCA: Bom, esses resultados, como o Baião disse, ainda não chegaram, e é por isso que a gente tem que acompanhar. E faz sentido o desempenho em matemática ter caído mais do que em português, né, as crianças já tendem a ter mais dificuldade e, isolados em casa, a gente quase não usa matemática. E isso torna essa recuperação ainda mais importante nesse momento porque se não for na escola, onde essa galera vai aprender a fazer contas básicas?

CRIS PAIÃO: São muitas questões! Incluindo a falta de professores, pessoas que se formam todos os anos mas que por questões como salário, falta de segurança em sala de aula, entre várias outras, acabam não indo pra sala de aula… pesquisas recentes também estão apontando esse impacto.

MAYRA TRINCA: E têm muitos outros problemas. Por exemplo, a evasão escolar. Muitos estudantes não voltaram depois da pandemia? Ou até voltaram, mas abandonaram a escola de novo porque tinham muita dificuldade em acompanhar as aulas. Isso desmotiva muito. Ou porque precisaram começar a trabalhar, pra ajudar a família.

A gente sabe também, que fora da escola, os adolescentes têm menos contato com educação sexual, então é esperado que aumentem os casos de gravidez que também podem afastar – principalmente as meninas – da escola

CRIS PAIÃO: Exatamente. O Bernardo baião também comentou sobre isso. Vamos ouvir.

BERNARDO BAIÃO: “Algo que se nota é que o estudante que tem maior dificuldade de aprendizagem também tem a maior tendência de sair da escola, de abandonar. Então, são políticas que têm que andar lado a lado aqui para uma garantia de aprendizagem. E a outra garantia, que é que o estudante permaneça na escola. O Brasil vem avançando. Recentemente foi implementada, instituída uma lei, que é o ‘Programa pé de meia”, que é bastante recente, em janeiro desse ano, que tenta endereçar algumas respostas voltadas para garantia da permanência do estudante na escola. Ainda muito restrita ao Ensino Médio, mas ainda falta uma política voltada para recomposição da aprendizagem. Assim, não adianta nada você propor garantia desse estudante ficar na escola se ele não aprende. Então, o estudante tem que aprender, e o Brasil não pode continuar reproduzindo desigualdades e desigualdades de aprendizagem como ocorre hoje.”

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CRIS PAIÃO: Agora Mayra, uma coisa que o Bernardo baião, do todos pela educação, também me chamou a atenção, foi pro impacto de tudo isso na economia. Segundo ele, tem vários estudos aí mostrando como os alunos que em 2020, estavam na alfabetização, por exemplo, vão continuar sofrendo algum tipo de interferência, de problema, pelos próximos 10 anos. E claro que os estudantes dos outros anos, do ensino médio também vão ter impacto.

O Banco Mundial, por exemplo, destacou que as crianças de zero a cinco anos dessa geração podem ter rendimentos até 25% menores por causa da pandemia, por falta de estudo. E aquelas com idade entre 6 e 14 podem receber até 17% menos como remuneração pelo trabalho, por falta de estudo, de qualificação. Vamos ouvir.

BERNARDO BAIÃO: “Um dado interessante que a gente traz aqui, muitas vezes, é que um estudante que em 2020 ingressou, tava ali em fase de alfabetização na escola, então ele entra na escola, participa desse período da alfabetização em 2020, ele vai ser afetado pelos efeitos da pandemia, por pelo menos 10 anos. Entendendo que nessa trajetória o sistema educacional brasileiro está se recuperando ainda desse tombo que foi a pandemia. Então é um estudante que vai ser, se não tiver políticas públicas endereçadas a esse propósito aqui, ele vai ser impactado e prejudicado por um longo período.

CRIS PAIÃO: O nosso entrevistado, Bernardo Baião, reforça que para enfrentar o desafio do déficit de aprendizagem o país precisa implementar políticas públicas eficientes.

BERNARDO BAIÃO: “Na nossa visão o caminho é através de política pública. E algumas redes, de 2021 em diante, fizeram exercícios de implementação de políticas voltadas para a recomposição das aprendizagens. Então, você olha que algumas redes estaduais e municipais fizeram de alguma forma o dever de casa, ali, de tentar apresentar as respostas políticas que englobam aulas de reforço, tutoria, extensão de carga horária para estudantes com maior desafio de aprendizagem. Tudo isso é relevante. Mas num país tão grande como o Brasil e diverso, com diferenças regionais, raciais, sociais e diferenças de qualidade das escolas mesmo, eu acho que traz aqui para o centro da discussão a necessidade de uma política centralizada. O Ministério da Educação tem que liderar esse processo com o apoio de estados e municípios e trazendo uma política que englobe uma boa formação de professores, que englobe bons instrumentos de aprendizagem, de avaliação da aprendizagem, então aqui a gente tá falando diretamente de avaliações diagnósticas, para você identificar que você tem um aluno com dificuldade você precisa ter um bom instrumento para isso.”

MAYRA TRINCA: E sobre essas diferenças regionais Cris, ele comentou mais alguma coisa?

CRIS PAIÃO: Comentou sim, e olha que interessante: os estados que tiveram as melhores notas, foram os do nordeste! Eu perguntei pra ele o que explica essa diferença, e o que pode ser feito, pra tentar melhorar os índices do resto do país. Vamos ouvir mais um trechinho do que o Bernardo disse.

BERNARDO BAIÃO: “Quando a gente vai discutir essa questão, uma das melhores políticas de anos iniciais e finais é no Ceará, e uma das melhores políticas de Ensino Médio, em Pernambuco. Estados historicamente pobres, então, o que justifica isso? O que justifica? Isso é uma boa pergunta. É muito do que a gente traz aqui no Todos Pela Educação, são exemplos de estados como esses que vem desenhando, vem priorizando a educação. Eu acho que uma mensagem que a gente traz aqui muito forte é que não existem boas políticas públicas, se não há prioridade política. Então, estados onde se nota, não só estado, os municípios, as redes ali municipais, menores, se não tem prioridade política de gestores não anda nada. Eu acho que esse é um debate que caminha, lado a lado da parte técnica, da parte de um desenho da política pública, mas também é a parte política do que se priorizar, e a educação tem que ser a prioridade. E aqui a gente fala que quando a gente tem qualquer dúvida, de discussão sobre política, futuro do Brasil, não passa a educação como prioridade, a gente está fadado ao fracasso inevitavelmente”.

CRIS PAIÃO: Bom, e aí, eu também perguntei como é que a gente tá, então, em termos de políticas públicas nesse momento.

BERNARDO BAIÃO: “Hoje os estudos são muito claros, que a gente precisa de políticas que andem lado a lado. Então, primeiro você tem uma necessidade de uma política de recomposição das aprendizagens liderada pelo Ministério da Educação. Isso é fundamental. O Ministério da Educação precisa liderar esse processo voltado para recomposição da aprendizagem. E existem vários caminhos, o da aula de reforço noturno no contraturno, botar um tutor, monitorias, ampliação. Então, todos os dias colocar o estudante uma hora, duas horas a mais na escola para aprender o que ele deixou de aprender. Colocar os próprios estudantes para ensinar amigos que estão com dificuldade. Então, tem casos no Brasil já de monitoria entre alunos. Uma primeira parte aqui é construir boas intervenções pedagógicas, como a gente chama, para acolher esses alunos. Então é basicamente a aula de reforço e a monitoria, ali, que tem que ganhar força, que não é um ainda é um padrão no Brasil. Hoje é difícil, seja por dificuldade de ‘ah não tem sala de aula’, ‘não tem professor para dar essa aula’, não tem recurso para garantir esse tipo de atividade. Se o aluno fica um tempo a mais na escola, tem que garantir a alimentação. Como a gente garante, se tem dificuldade de garantir o básico? Olha, isso é um Desafio que está sendo enfrentado, e com recurso, com prioridade, com um plano estratégico que é colocar o aluno por mais tempo exposto à aprendizagem. A gente sempre traz uma mensagem, assim, que chega a ser engraçada. Até quando a gente vai explicar para as pessoas de outros países o que a gente chama de ampliação de carga horária para aprendizagem? É difícil eles entenderem, porque para eles isso é chamado de escola, e para gente é chamado de escola integral, porque para eles o tempo ampliado já faz parte da rotina. Não existe isso de ficar quatro, cinco horas na escola. O estudante fica na escola para aprender e quanto mais tempo ele tá ali, mais exposto a aprendizagem ele vai estar”.

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MAYRA TRINCA: Eu achei a sua entrevista com o Bernardo muito interessante, Cris, porque ela conversa muito com a que eu fiz com a Sabine. Vou deixar ela se apresentar aqui.

SABINE POMPEIA: “Meu nome é Sabine Pompeia, eu sou docente de uma universidade chamada Universidade Federal de São Paulo ou Unifesp e eu estudo várias coisas que tem a ver com comportamento, mas mais especificamente cognição humana, ou seja, processos envolvidos em memória e atenção de pessoas. E nos últimos anos eu tenho estudado mais como isso se desenvolve ao longo da adolescência.”

MAYRA TRINCA: Você conhece a Sabine, né, Cris?

CRIS PAIÃO: Sim! Eu fiz um trabalho como jornalista no laboratório dela, e esse trabalho que deu origem a esta série que estamos apresentando.

MAYRA TRINCA: Legal, Cris! Eu queria saber da Sabine, da perspectiva dela como pesquisadora focada em adolescência, como a gente pode ajudar esses adolescentes nesse momento de readaptação pós pandemia. E ela me contou muita coisa interessante sobre o desenvolvimento do cérebro e das habilidades de aprendizagem e socialização durante essa fase da vida. Escuta só.

SABINE POMPEIA: “Então essa é uma fase super importante em que a gente não se identifica muito com outras pessoas da mesma idade e aprende como se relacionar com elas, né? Não só como identificar as pistas, né, o que que a outra pessoa tá sentindo. Ela tá gostando do que eu tô falando ou não? O que eu tô fazendo é aceitável para ela ou não? Mas também a gente aprender a como a gente regula o nosso próprio comportamento em relação às pistas que os outros estão dando para a gente né? “Ai eu falei demais. Eu percebi na cara do outro. Ah entendi aqui não é pra falar tanto”. Então são um monte dessas coisas que estão acontecendo nessa faixa etária e a gente tem que lembrar que escola não é só para aprender, né conteúdo acadêmico. Escola, talvez até mais importante ainda, seja para aprender a viver em sociedade. Então, isso tá muito negligenciado nessa volta da pandemia porque as pessoas estão muito preocupadas com a questão é acadêmica mesmo, né, de tirar notas e saber os fatos e tô vendo muito pouca atenção para essa questão social”.

CRIS PAIÃO: Nossa, verdade, Mayra! A adolescência tem muito dessa coisa de testar como se relacionar com as pessoas e ir aprendendo com isso. É uma habilidade que a gente vai construindo com o tempo.., e que nós adultos, aliás, também temos que reaprender né? Isso é muito importante.

MAYRA TRINCA: Exato! E a Sabine comentou justamente como o isolamento durante essa fase fez com que os conflitos aumentassem no retorno, na volta às aulas. A gente viu muito disso na escola, como os adolescentes têm tido mais desentendimentos e mais dificuldade pra lidar com eles.

SABINE POMPEIA: “Digamos assim, uma adolescente que tem que aprender como se relacionar com outro quando tem 12 anos aí ele pulou dois anos, nisso aí ele tem 15, quer dizer QUE ele vai ter que aprender isso com 15. Assim o número de conflitos entre estudantes está sendo muito muito maior porque as questões ainda são mais complexas ainda, eles têm mais questões para resolver em relação à Vida e conflitos pessoais e ou estão olhando pro futuro, mas ainda tendo que ter só as ferramentas de contato social que eles desenvolveram dois anos. Então, realmente isso é uma coisa bastante complicada.”

CRIS PAIÃO: Lidar com isso na escola deve estar sendo bem difícil. A gente tem acompanhado aí muitas reportagens sobre bullying, e é por isso que nós, professores, pesquisadores desse tema, também temos que ficar atentos, pra tentar entender e saber como reagir diante dessas situações. E não dá pra dizer que isso não impacta no processo de aprendizagem. Ninguém consegue se preocupar em aprender se estiver com a cabeça cheia de problemas pra resolver. Eu lembro muito de algumas situações que aconteceram, com amigos, na minha época da escola.

MAYRA TRINCA: Pois, é Cris, e isso foi algo que tanto o Bernardo quanto a Sabine comentaram, de que nesse momento os adolescentes precisam de um apoio interdisciplinar, que envolve a escola, os professores e a família.

SABINE POMPEIA: “É muito ruim que isso seja feito dentro de esfera de cada escola, né? Porque daí todo mundo vai estar reinventando a roda e realmente o ideal seria você ter especialistas, as pessoas que conhecem um assunto desenvolver um plano nacional, né, para poder auxiliar e dar o subsídios para isso. Enfim, achar alguma forma de fazer isso, mas é eu, acho bastante grave que cada escola tem que arrumar o jeito dela fazer. Algumas vão conseguir arrumar, outras não, profissionais especializados nisso, que precisam ser consultados e auxiliados a desenvolver esse material, né? Não é qualquer direção ou diretoria ou apoio psicológico da escola, que né que haja na escola que vai conseguir fazer isso aí.  Não vai. Mas a gente tem especialistas temos bons especialistas no Brasil”.

CRIS PAIÃO: Essa é uma questão bem complexa mesmo, né, MAYRA: Porque a gente tá falando de política pública, de como os diferentes governos estão ou não olhando pro dia a dia desses estudantes, e não só pros conteúdos.

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MAYRA TRINCA: Outro aspecto interessante que a Sabine comentou comigo, foi sobre como não houve nenhum tipo de adaptação do currículo ou dos materiais didáticos pra esse momento. Eles só seguiram como se nada tivesse mudado.

CRIS PAIÃO: Por isso que a ideia de aulas extras ou de reforço são importantes, mas também é preciso que haja uma mudança de currículo, de carga horária, uma adoção de sistema híbrido, como o Bernardo baião explicou, na primeira parte do podcast.

MAYRA TRINCA: E tem ainda outro aspecto que mudou nessa volta do isolamento e que também tá muito relacionado com a essa nova geração, que é a questão da concentração e do foco. Não sei você, Cris, mas eu percebi que minha capacidade de concentração e memória diminuíram muito depois da pandemia.

CRIS PAIÃO: Nossa, a minha também. A gente vive na era do excesso de informação, mas isso faz com que o nosso cérebro não consiga dar conta de tudo. Isso sem contar com questões emocionais envolvidas no processo da pandemia ,  como perder pessoas queridas, ter medo da doença. Eu acho que só agora, depois de uns dois anos aí, dessa fase mais crítica, que eu tô conseguindo de novo, me concentrar, e estudar o que eu preciso estudar. Eu acho que todas essas dicas aí, da Sabine, também valem pra mim.

MAYRA TRINCA: A boa notícia nesse sentido é que, segundo a Sabine, essa é uma habilidade que a gente consegue recuperar.

SABINE POMPEIA: “Isso é uma coisa que volta rápido sabe? Se a gente treinar. É uma das habilidades cognitivas que a gente consegue recuperar rapidamente. Mas aí não pode estar olhando o celular toda hora, tem que estar motivado para fazer aquilo, né? Se a escola tá tentando fazer uma recuperação disso a quantidade de matéria é excessiva para eles. Eles não vão conseguir manter o foco por muito tempo. Isso é uma coisa que a gente tem que dar descanso, né?”

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MAYRA TRINCA: Eu acho esse finalzinho da fala da Sabine muito importante e queria destacar isso aqui. É claro que os adolescentes precisam melhorar o desempenho na escola, mas a gente tem que deixar um tempo de descanso pra eles. Não dá pra encher a semana de aulas e deixar sem tempo pra lazer ou pra atividades físicas, que são tão importantes nessa fase de desenvolvimento.

CRIS PAIÃO: Ótimo ponto, MAYRA: E a pandemia mostrou muito isso pra gente também, a importância de buscar mais equilíbrio, de tentar se divertir, ficar mais perto de quem a gente gosta. Todo mundo precisa descansar e respeitar os seus próprios limites, seja no trabalho, na escola, ou em qualquer outra área da vida. E eu acredito que isso, mesmo em diferentes classes sociais, também ficou muito evidente. Claro que um estudantes mais humildes, às vezes, não tem condições de ter tantas atividades por falta de dinheiro mesmo. Eu falo, pela minha própria trajetória, porque sempre morei na periferia e era tudo muito caro, também tinha o transporte, que é caro. Mas os adolescentes têm que ter essa pausa pra ver um filme, jogar vídeo game, futebol, fazer alguma atividade  e conversar com os amigos.

MAYRA TRINCA: Exatamente, então, uma sugestão que a Sabine deu foi  complementar essas aulas regulares com algumas tarefas de casa. Algo que não demande tanto tempo como aulas extras mas que ainda ajudem os adolescentes a refletirem mais sobre esse assunto também.

CRIS PAIÃO: Hmm… gostei! Até porque a gente sabe, por vários estudos sobre aprendizagem, que a gente fixa melhor os conteúdos quando a gente tem a oportunidade de refletir e de criar, em cima deles. E daria pra pedir trabalhos em que os alunos pudessem se divertir de alguma forma também, né? Com quadrinhos, jogos, vídeos, e até podcasts.

MAYRA TRINCA: Isso mesmo! Só que esses trabalhos em casa precisam ter uma mãozinha da família. E aqui eu queria fazer um parênteses rapidinho: quando a gente fala de família, estamos dizendo sobre a rede de apoio dos adolescentes. Que pode ser pai e mãe, mas também pode ser irmãos, família estendida como tios, tias, avós, etc.

SABINE POMPEIA: “Mas também lembrar que adolescente tem muita dificuldade de organização. Então assim, deixar na mão de um adolescente que ele estude no tempo que ele tem livre, que ele se organize é muito penoso e é muito difícil. Não é falta de vontade do adolescente, ele de fato não consegue. Então tem que tentar trabalhar com adolescente um esquema de estudo. Põe a agenda do telefone todas as tarefas, marca todas as provas que você tem na agenda do telefone. Quando que você vai ter que estudar, não põe pra véspera dessa da prova, mas coloca vários momentos para estudar. Então assim, esse tipo de coisa, os adolescentes precisam de apoio. Eu sei que eles são grandes, que eles são inteligentes, que eles estão aprendendo coisa complexa na escola, mas organização e planejamento não tá bom nessa faixa etária, tá, na maior parte dos adolescentes. Então os pais podem ajudar muito ajudando a estabelecer uma rotina. Idealmente que seja feito isso junto com o adolescente não vindo de cima para baixo, né dos pais para os filhos. E aí ficar monitorando se eles estão conseguindo e se não estão conseguindo. E ajudando eles a ajustar esse esquema de estudo pra que ele fica fique possível, né?”

CRIS PAIÃO: Ta aí, a importância dos familiares, de uma rede de apoio, mais uma vez.

MAYRA TRINCA: Sim, Cris, não dá pra escapar de pensar o papel de pessoas próximas a esses estudantes nesse momento. Inclusive para ajudar no desenvolvimento das habilidades socioemocionais.

CRIS PAIÃO: Hmm, isso é legal! E quais foram as dicas que a Sabine deu, de como os pais podem ajudar?

MAYRA TRINCA: Ah foram várias, escuta só:

SABINE POMPEIA: “Em relação a como eles se relacionam com os colegas e amigos é difícil os pais intervirem, né? Especialmente na faixa etária da adolescência porque eles não estão juntos, né. Mas conseguir abrir espaço com os adolescentes para conversar sobre dificuldades que eles estão tendo, né. Contar a história, porque que brigou com uma fulaninho ou ciclano, tentar mostrar outro ponto de vista. Como a outra pessoa pode ter se sentido, é um exercício importante para eles porque demora bastante pra gente, ao longo da adolescência, desenvolver capacidade de empatia e de percepção do outro. A gente é muito focado em si próprio. Isso é natural da adolescência e é só lá pelo final da adolescência que a gente vai conseguir se colocar no lugar do outro, né? Identificar direito as emoções do outro, isso demora muito tempo para maturar. Então, se um jovem tiver a oportunidade de conversar com uma pessoa mais experiente, mais velha, que vá poder tá fazendo esses contrapontos: “Olha, você pensou que talvez tenham se ofendido, você pensou nisso, pensou naquilo.” Isso ajuda o adolescente a aprender a fazer esse processo.”

[trilha transição]

CRIS PAIÃO: Muito legal essa sua conversa com a Sabine, Mayra. Mas antes de fechar aqui o nosso episódio de hoje, eu queria só divulgar, mais uma vez, os quadrinhos da turma da Jovenilda! Que foram feitos no projeto ADOLESENDO, junto com a Sabine, e com o professor marcos moreira e os estudantes de uma escola pública, da zona leste de São Paulo. A ideia é que esses quadrinhos, que trazem os resultados das pesquisas científicas feitas pelo grupo de pesquisa da professora Sabine na Unifesp. Todo esse material tá disponível – de graça – no site do projeto ADOLESENDO, www.adolesendo.info.// e os quadrinhos são super divertidos, você já leu, Mayra?

 MAYRA TRINCA: Já sim, Cris, e eles são muito legais, vale a pena procurar! E pra quem é professor, tentar bolar uma aula, por exemplo, usando os quadrinhos pra puxar algum debate em sala de aula. Ou até em algumas situações na nossa casa, enfim, onde quer que a gente precise entender melhor esses sentimentos e esses comportamentos sobre a adolescência.

[trilha transição]

CRIS PAIÃO: Bom… o episódio três sobre os impactos da pandemia na educação brasileira fica por aqui, mas a gente lembra que essa é uma série – com três episódios! E você pode ouvir os outros dois primeiros, nas principais plataformas de podcast ou no site do oxigênio.

As entrevistas e a produção deste episódio foram feitas por mim, Cristiane Paião

MAYRA TRINCA: A apresentação foi feita por mim Mayra trinca e pela Cristiane Paião (@cristiane.paiao).

CRIS PAIÃO: A revisão do roteiro foi feita por Simone Pallone. Os trabalhos técnicos são da Carolaine Valentin Cabral. O oxigênio é apoiado pela SEC – secretaria executiva de comunicação da Unicamp e pelo serviço de apoio ao estudante, o SAE.

MAYRA TRINCA: Todas as referências utilizadas neste episódio, e as entrevistas publicadas com os nossos convidados podem ser encontradas na nossa página na internet, www.oxigenio.comciencia.br.//

CRIS PAIÃO: Os episódios sobre a adolescência fazem parte do projeto “Adolescência e puberdade em pauta: divulgação jornalística das pesquisas realizadas no projeto temático “efeito do desenvolvimento puberal na autorregulação do comportamento e suas relações com as condições de vida atual e pregressa” que eu, Cristiane Paião, desenvolvi com o apoio da Fapesp através da bolsa mídia ciência.

MAYRA TRINCA: E o projeto ADOLESENDO também recebeu apoio da Fapesp, pro desenvolvimentos das suas pesquisas.

CRIS PAIÃO: Gostou do programa? A gente espera que sim, e que você possa entender melhor os sentimentos, os comportamentos dos adolescentes à sua volta, daqui pra frente, seja na sua casa, na sua família, né… Ou no seu trabalho, na sua pesquisa, e tudo com a ajuda da ciência porque tem muitas pesquisas legais, sendo desenvolvidas sobre a adolescência.

 MAYRA TRINCA: Obrigada por nos acompanhar e até o próximo episódio!

[trilha encerramento]

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