O que leva ao fascínio pelos dinossauros? Crianças adoram esses animais, conhecem seus nomes, hábitos alimentares mas, conforme crescem, vão perdendo esse interesse. Pelo menos a maioria. Conversamos com a bióloga Carolina Zabini e com a psicóloga Ana Paula Machado de Campos, para entender as questões que envolvem desde o estímulo, papel dos pais, da escola e da mídia, até o desenvolvimento intelectual, que mobiliza a criança para outros temas e desafios.
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Roteiro:
Virei a página e soltei uma exclamação surpresa. Era o retrato em página inteira de uma criatura extraordinária que eu jamais tinha visto, o sonho selvagem de um usuário de ópio, uma visão delirante. Tinha a cabeça parecida com a de uma galinha, o corpo de um lagarto inchado, uma cauda longa e equipada com placas pontiagudas viradas para cima e as costas recurvadas eram contornadas por uma franja alta serrilhada, que parecia uma fila de uma dúzia de cristas colocadas umas atrás das outras. Na frente dessa criatura havia um bonequinho absurdo, um anão, em forma humana, olhando para o animal.
– Muito bem, o que acha disso? – gritou o professor Challenger, esfregando as mãos com ar triunfante.
– É monstruoso, grotesco.
– Mas o que o fez desenhar um animal assim?
– Estava sob influência de muito gim, eu acho.
– Ora, essa é a melhor explicação que você consegue dar?
– Bem, senhor, qual seria a sua?
Quase caí na risada, mas tive a visão de que sairíamos outra vez rodopiando pelo corredor.
Thiago Ribeiro: Esse é um trecho do livro “O mundo perdido” de Arthur Conan Doyle, publicado pela primeira vez em 1912. Provavelmente, inspirado nas aventuras de seu amigo, Percy Fawcett, Doyle conta a história de uma expedição a um platô, localizado na bacia Amazônica, onde animais pré-históricos como dinossauros e outras criaturas extintas teriam, supostamente, conseguido sobreviver aos grandes eventos de extinção do passado.
Mariana Zilli: O romance é um marco na literatura mundial e inspirou diversas obras de ficção como “Plutonia” de Vladmir Obruchev e “A terra que o tempo esqueceu” de Edgar Rice Burroughts. Esses também, por sua vez, geraram uma infinidade de filmes e séries que resgatam seus elementos e sua narrativa de um local remoto, onde seres pré-históricos de grande porte supostamente teriam sobrevivido e poderiam então ser imaginados convivendo com os seres humanos.
Thiago: Da icônica franquia de Indiana Jones, passando por clássicos como King Kong e Jurassic Park, até a famosa série estadunidense de televisão “Lost”, todas usam elementos desse enredo e têm mexido com o imaginário das pessoas ao longo de gerações.
Mariana: Mas… Qual a origem do fascínio por dinossauros, que vemos especialmente nas crianças? Como e quando diminui essa curiosa mistura de terror e excitação, que muitos de nós sentimos por esses animais? E por que, mesmo depois de adultos, eles ainda continuam a nos encantar?
Meu nome é Mariana Zilli.
Thiago: E eu sou Thiago Ribeiro. Vamos juntos nos aventurar nesse universo dos dinossauros, que permeia o imaginário de crianças e adultos, na busca de respostas sobre sua natureza.
Ana Paula Franco Machado de Campos: É interessante a gente pensar sobre esse assunto, né? Eu até fiquei elaborando que forma ou que palavra, que conceito seria. Se é o fascínio, se é a descoberta, se é o interesse, da criança pelo dinossauro. Até a curiosidade de como procurar por esse assunto foi interessante, né? É diferente você falar em fascínio, você falar interesse, de você falar motivação. O que leva, então, essas crianças pensarem ou ter interesse sobre o dinossauro?
Thiago: Essa é a Ana Paula Franco Machado de Campos. Ela é professora graduada em Psicologia pela USP e possui especialização em Psicologia Escolar e problemas de aprendizagem pela PUC CAMPINAS. Desde o início da sua carreira, a Ana Paula tem se voltado para a psicologia escolar, área pela qual demonstra muito carinho.
Mariana: Ana Paula, você se lembra de ter passado por alguma fase na infância que tenha demonstrado esse interesse hiper focado em dinossauros? Ou conhece alguém ou tem familiares aficionados por essas criaturas?
Ana Paula: Eu, particularmente não, né? Tenho sobrinhos que têm, eles brincam. Têm os bonecos. Mas não faz parte desse fascínio. A gente sabe de crianças que realmente sim, conhece os nomes, a alimentação, como é que eram. O que eu acho interessante de trazer para nossa fala, para a nossa conversa, é a gente pensar o quanto a escola está contribuindo ou não para isso, né?
Mariana: Em um trabalho de 2008, publicado na revista Cognitive Development, envolvendo a parceria das Universidades de Indiana e do Wisconsin, os pesquisadores acompanharam o comportamento de 215 crianças de 4 anos ao longo de 2 anos para analisar a intensidade e duração dos interesses relacionados ao domínio conceitual em crianças pequenas. Dentre os principais resultados, foi possível detectar que cerca de 40% das crianças mantêm interesse em domínios conceituais durante parte do período pré-escolar.
Thiago: Sim. Domínio conceitual, que pode ser explicado como sendo o conjunto de conhecimentos que representa as explicações científicas sobre o mundo natural. Em outras palavras, seria como teorias, princípios, leis, ideias são usados para raciocinar com e sobre o tema que se estuda. Já os domínios considerados como não-conceituais podem incluir desde atividades manuais como colagens e pinturas, habilidades de leitura e escrita, prática de esportes, assistir televisão ou ainda a participação em jogos com regras estabelecidas.
Mariana: Então, se a criança domina informações sobre os nomes científicos dos dinossauros, seus hábitos de vida ou até mesmo o período e região que viveram, estamos nos referindo ao seu interesse em apreender, conceitualmente, essas informações?
Thiago: Isso mesmo! O mais interessante é que o trabalho demonstra uma clara diminuição desse tipo de interesse após a transição para a escolaridade formal. Já o interesse focado em domínios não-conceituais não demonstraram tanta queda.
Mariana: Nossa! Isso é realmente interessante. Mas, o estudo mostrou por que isso acontece?
Thiago: De acordo com os pesquisadores, as crianças com interesses conceituais podem se encontrar em um dilema no início da vida escolar. Elas podem estar muito interessadas em um domínio específico como, por exemplo, dinossauros, carros ou cavalos e estarem acostumadas a receber suporte individualizado sobre o tema de interesse. Geralmente dos pais ou professores da pré-escola. Os interesses conceituais são dos poucos interesses da primeira infância, onde uma criança tende a confiar nos pais ou em outras pessoas mais velhas para fornecer uma quantidade significativa de informações relevantes.
Mariana: Hum… entendi. O ensino fundamental envolve mais crianças na sala, objetivos curriculares mais rigorosos, aumento de tarefas, além do estímulo voltado para atividades sociais. E aí sobra pouco tempo para que as crianças façam perguntas relacionadas aos seus interesses particulares e recebam respostas individualizadas.
Thiago: Pois é. Ainda, crianças pequenas com hiper foco em interesses conceituais particulares também podem experimentar novas pressões sociais à medida que começam a fazer amizades na escola primária. Os amigos são uma importante fonte de apoio social e as amizades, geralmente, são baseadas em um terreno comum. As outras crianças podem não estar muito interessadas em sapos, cavalos ou dinossauros. Assim, as crianças podem deixar de demonstrar, intencionalmente, seus interesses e conhecimentos para cultivar amizades em desenvolvimento.
Mariana: Eu ainda não tinha parado para pensar nesse dilema das crianças. Faz bastante sentido, mas podem ter outros fatos envolvidos, certo? Como que o contexto escolar pode estar atuando na formação das crianças nesse sentido, Ana Paula?
Ana Paula: Na Educação Infantil existe essa essa vontade, né essa curiosidade. De exploração, de conhecer, de buscar, de ter a dúvida. A gente vê isso muito na criança como uma ferramenta que eles têm para conhecer o mundo.
E eu vejo muito a escola fazendo movimento, exatamente, o contrário, né? Trazendo muito mais a questão do conhecimento pronto e o quanto o pensar sobre aquilo que está sendo trazido para elas, enquanto questão mesmo, enquanto o conhecimento, enquanto exploração do nosso contexto, da nossa cultura, do que a gente faz parte, não está ali para eles, né?
Helena Barbosa: Meu nome é Helena Mariana Barbosa.
Moyra, mãe da Helena: Quantos anos você tem? Seis aí por que você gosta de dinossauros?
Helena: Eu gosto de dinossauros, porque eu não gosto de bonecas. Esse é meu Tiranossauro Rex, o tirano “raw raw raw”.
Moyra: E você sabe o nome de outros dinossauros?
Helena: Sim. braquiossauro, estegossauro.
Thiago: E você, Carol. Não se lembra de ter essa paixão por dinossauros, esse encantamento, na infância?
Carolina Zabini: Na infância, não. Especificamente por dinossauros não. Eu me lembro que eu gostava muito da parte assim de observar a natureza e coletar rochas e minerais. Então, eu me lembro de ter uma coleção de pedras, né. Eu chamava de pedras na época. Agora, eu até me sinto estranha falando pedras, uma coleção de rochas, e talvez isso tenha me levado para essa área. Eu entendo que as crianças gostam muito da natureza e eu acho que, nessa visão, eu também gostava muito de tentar entender o meio ambiente, né?
Thiago: Essa é a Carolina Zabini, ela é professora do Instituto de Geociências da Unicamp, no Departamento de Geologia e Recursos Naturais. Sua principal linha de pesquisa envolve o estudo de bacias sedimentares, desenvolvendo trabalhos na área da paleontologia. A Carolina também tem realizado um trabalho de divulgação científica, coordenando o Programa Tempo Profundo. A ideia é divulgar as Geociências, a partir de ações online e presenciais através de lives, oficinas online e presenciais, postagens nas redes sociais, sorteios e exposições científicas.
Mariana: As rochas sedimentares são um tipo muito especial de rocha. Nelas também podem se acumular restos de seres vivos que habitavam essas regiões durante um passado muito distante. Com o passar do tempo (na escala dos milhões de anos) esses restos podem ser encontrados e analisados por pesquisadores como a Carolina. O estudo desses restos de vida impressos nas rochas pertence ao que é chamado de Paleontologia que inclui, por exemplo, a análise dos fósseis e vestígios desses seres vivos.
Thiago: Uma dessas exposições organizadas pela Carolina, que recebeu o nome de “Dinossauros (?)” e foi realizada em 2018 no Instituto de Geociências da UNICAMP. Além do sucesso com o público, a exposição rendeu a produção de um trabalho de mestrado. Nesse trabalho, o Rafael Ribeiro, que foi orientado pela Carol, buscou entender como a exposição poderia contribuir, como estímulo, para a aprendizagem dos visitantes sobre paleontologia.
Mariana: A exposição foi organizada em colaboração com o professor Luiz Eduardo Anelli, da USP, que cedeu sua coleção de modelos de dinossauros para que a Carolina levasse para a Unicamp. O Museu Exploratório de Ciências da Unicamp também participou, especialmente nas monitorias. Inicialmente focada em perguntas abertas para estimular discussões, a abordagem foi adaptada para oferecer respostas cientificamente embasadas, visando atender, principalmente, estudantes em fase escolar.
Carolina: Para que servem os chifres, por exemplo, né? Defesa ou ataque? A gente pegou um artista para representar aquelas características que a gente queria nos banners, que vinham associados aos bonequinhos, e aí o próprio desenho e a pergunta se somavam para instigar o visitante, né? Então as crianças e os seus pais chegavam e eram instigados por aquela pergunta. Para que serve essa estrutura? Ou então, você consegue enxergar alguma semelhança entre o conjunto de dinossauros que tem aqui? Uma das perguntas que a gente fazia também: Será que todo mundo que está exposto aqui, é dinossauro? Porque tem muito essa coisa de tudo que é antigo e parece um lagarto todo mundo fala que é dinossauro e não é assim, né?
Mariana: Além dessa clássica confusão, muitas vezes, os dinossauros também são, de alguma forma, associados à ideia de obsolescência, antiquado, inapto ou até mesmo, falho. Quando alguém se refere a uma pessoa como “um dinossauro”, essa expressão informal, geralmente está associada à ideia de Antiguidade ou Experiência: uma maneira de reconhecer a longa experiência ou antiguidade dessa pessoa em uma determinada área.
Thiago: Junto com a confusão que se faz ao incluir outros répteis como mosassauros, pterossauros e crocodilos como todos sendo do grupo dos dinossauros, a ideia de que sua extinção teria sido uma consequência de inabilidade para se adaptar às transformações nas condições ambientais, talvez sejam os equívocos mais marcantes sobre os dinossauros.
Mariana: Não existe uma interpretação científica amplamente aceita que caracterize os dinossauros como estúpidos ou desajeitados como uma explicação para sua extinção. Essas características são geralmente consideradas simplificações ou estereótipos imprecisos. A ciência paleontológica trata os dinossauros como animais adaptados ao seu ambiente, bem-sucedidos em suas épocas específicas. No entanto, ao longo da história, especialmente antes dos avanços significativos na compreensão da paleontologia e da biologia evolutiva, algumas representações populares ou culturais dos dinossauros podem ter exagerado características como a estupidez ou o desajeitamento. Essas interpretações são agora consideradas desatualizadas e imprecisas.
Carolina: Então, acho que isso também é interessante, que a gente mostrou um pouco naquela exposição, que é a evolução de como a gente interpretava a forma externa, a aparência dos dinossauros, de sei lá 50 anos para cá, se a gente olhar as reconstruções os dinossauros pareciam grandes lagartos. Inclusive nas suas formas de se movimentar, do habitat em que eles viviam. Então, eles tinham aquela aparência mais monótona, uma cor só, com aquela pele, com aquela textura de jacaré mesmo e os muito grandes estavam sempre dentro de lagos, porque se imaginava que eles eram tão imensos que eles não conseguiriam suportar o próprio peso do corpo, né?
Thiago: A palavra dinossauro tem origem em duas palavras no idioma grego “deinos” “sauros” que pode ser traduzido como lagarto feroz, ou lagarto terrível. No latim, utilizado pela comunidade científica, o grupo que envolve esses seres recebeu o nome “Dinosauria”. Por mais de 160 milhões de anos, esse foi o grupo de animais dominantes em nosso planeta. Um exemplo de sucesso ao se adaptar e sobreviver ao longo de tanto tempo. Para se ter uma comparação, os hominídeos, grupo ao qual os seres humanos fazem parte, surgiram apenas há cerca de 3,5 milhões de anos.
Mariana: É compreensível que dinossauros sejam associados a outros répteis como crocodilos e pterossauros. Os três compartilham características em comum como o fato de botarem ovos e possuírem a pele de aspecto escamoso. Estão todos, inclusive, dentro de um grupo maior, representado pelos arcossauros. No entanto, hoje sabemos que agrupar todos como dinossauros é um equívoco. Aqui ouvimos a Carolina novamente.
Carolina: tem um livrinho. Que que mostra isso também, se você precisar essas aparências essas cores eram todas meios cinzas todo todos meio apáticos e, de Jurassic Park digamos para cá, né? Lógico, na ciência um pouco antes mas, o que aparece na cultura pop, já marca do primeiro filme para cá, os dinossauros aparecem como? Coloridos, ágeis inteligentes, né com penas. Então, toda essa mudança também foi uma mudança científica. Num primeiro momento, o grupo Dinossauria era interpretado como mais aparentado realmente com crocodilos, jacarés e afins. E hoje, não. A gente sabe que eles são um ramo diferente.
Thiago: Talvez o fóssil mais famoso do mundo seja o do Archaeopteryx. Diferentemente dos demais esqueletos de dinossauros escavados até então, este demonstrava que seu corpo era coberto por penas. Essa evidência, além de comprovar um parentesco evolutivo entre aves e répteis, também trazia um elemento chave que reforçava a explicação da origem e diversidade dos seres vivos trazida por Charles Darwin no livro Origem das Espécies, publicado apenas dois anos antes da descoberta do Archaeopteryx.
Mariana: A primeira publicação de Origem das espécies foi em 1859 e a descoberta do fóssil em 1861, mas a discussão em torno dessa ancestralidade das aves enquanto dinossauros emplumados durou décadas na comunidade científica. Nós vemos o reflexo desse debate no primeiro filme da franquia Jurassic Park, de 1993, quando o Dr. Grant, ao analisar um fóssil de velociraptor, é ridicularizado ao mencionar que estes aprenderam a voar.
Thiago: O caso só foi encerrado em 2008, em trabalho publicado na revista Science, quando as análises genéticas do poderoso tiranossauro rex comprovaram que ele tinha mais genes em comum com avestruzes do que com répteis atuais como os jacarés. A descoberta não foi uma novidade para os paleontólogos, já que o acúmulo de evidências fósseis dava confiança cada vez maior de que as aves eram descendentes de dinossauros carnívoros ou, como eles gostam de dizer, que as aves são efetivamente dinossauros vivos.
Carolina: Então, talvez as crianças de hoje, as mais novas, já não percebam dinossauros muito aparentados com lagartos, mas da minha geração ou um pouquinho antes, ainda acho que que existia uma ligação mais próxima né desses grupos.
Mariana: Realmente, é muito interessante pensar em como os dinossauros se apresentam para cada geração em função do avanço das interpretações científicas e suas representações pela cultura pop. E perguntamos à Carolina a que ela atribui todo esse interesse por dinossauros. É mais pela exposição, pelo contato com esses animais? Por exemplo, o mercado com a cinematografia, animações, a cultura pop, que possuem muitos produtos que estimulam as crianças ou, existe esse interesse próprio nas crianças, mais natural, e a cultura pop e o mercado entendem esse fascínio e aproveitam para explorá-lo?
Carolina: Sim. Acho que acho que os produtos estão aí porque as crianças realmente gostam, né? Mas a minha opinião particular é que a criança gosta de entender o mundo. Então, se ela tem mais contato com a natureza, então ela vai querer entender essa natureza. E quando a gente é pequeno, a gente não tem aquela impressão de que o tempo passa diferente? Que tudo passa mais devagar? Pra mim, é porque a quantidade de coisas que a gente aprende todo dia é muito grande, né? Mas acho que num primeiro contato, o que impressiona é realmente o tamanho deles, né, a forma diferente do que a gente tem disponível, e o fato deles serem reais, né? Eles não estão convivendo com a gente hoje na forma como eles eram. Mas eles existiram.
Simone Pallone: Eles ainda existem?
Pedro: Não!
Simone: Não? Por que eles não existem mais, você sabe?
Rafael: Porque eles já foram extintos?
Simone: Já foram extintos, é? E se eles ainda existissem, você ia gostar?
Rafael: Não!
Simone: Não? E você, Pedro? Você gostaria que ainda existissem os dinossauros?
Pedro: Hã, hã! Não!
Simone: Não? Por quê?
Pedro: Por que eles são muito perigosos!
Thiago: E para você, Ana Paula? Em que medida a gente pode pensar que esse interesse é mais estimulado pela mídia e pelo mercado de brinquedos, por exemplo, ou isso é, de fato, uma coisa da infância mesmo?
Ana Paula: É, eu acho que são essas duas possibilidades, né? Existe a motivação para aprender coisas novas ou mesmo motivação para aprender sobre onde que a gente está, de onde a gente veio, para onde a gente vai. E aí entra o dinossauro. E é um passado muito distante, né? E inclusive não existindo mais, né? Como é que eu consigo imaginar possibilidades de alguma coisa que aconteceu no passado muito distante a partir do que a gente tem hoje como vestígios que ficaram desse passado? Então, é um olhar investigativo e provocativo muitas vezes, onde você trabalha assim com o real, mas você trabalha com imaginário muito forte, né?
Helena: O triceratops também é herbívoro, mas o Tiranossauro Rex vem e come ele, né?
Moyra: Os dinossauros ainda existem?
Helena: Não. Eu sou Tiranossauro Rex, ele é muito legal. Tiranossauro Rex.
Moyra: E você gostaria que eles existissem?
Helena: Sim.
Mariana: Geralmente, esses interesses acabam sendo mais reforçados pela família. Quando nos colocamos na posição de questionadores, demonstrando interesse e perguntando o nome desses dinossauros e seus hábitos, ou ainda, o nome dos veículos e suas funções, colocamos a criança no lugar de portadora daquele conhecimento. Um papel de protagonismo, como autoridade no assunto, e isso é muito poderoso.
Thiago: Além da categoria de interesse focada em questões conceituais, como no caso dos dinossauros, nomeando cientificamente, descrevendo suas dietas e demonstrando suas diferenças comportamentais, o trabalho dos pesquisadores da universidade de Indiana e do Wisconsin identificou que as crianças pesquisadas também costumam encenar aventuras de simulação com seus pequenos dinossauros e outros animais de plástico.
Mariana: De fato, essas encenações, denominadas como sociodramáticas, representaram maior frequência ao longo dos dois anos da pesquisa. Nessas atividades, as crianças criam um cenário onde simulam uma aventura e ela própria atua, dando vida a cada um dos seus personagens. Algo como um teatro de fantoches.
Carolina: Eles não estão convivendo com a gente hoje, na forma como eles eram, mas eles existiram. Então você consegue imaginar, no Imaginário da criança, o que é isso, um dinossauro gigantesco, vivendo no mundo, num passado longe mas, que realmente aconteceu, né? E aí, os dinossauros como eles são gigantescos, diversos, ferozes, eu acho que isso atrai muita atenção.
Thiago: Mas então você acredita, Carolina, que o fato deles serem enormes, ferozes, isso acaba atraindo as crianças? Por exemplo o leão, mesmo sendo uma fera, muitas vezes, não gera esse mesmo fascínio quanto os dinossauros.
Carolina: É por isso que o tiranossauro rex é tão famoso, né? Pelo tamanho dele e a quantidade de fósseis que eles já encontraram completos, né? Então, nesse sentido, eu acho que a criança gosta do que assusta. Do que traz aquele poder da imaginação, para para ela poder criar o que ela quiser, né. E, o dinossauro, o que a mídia passa muito é isso, né. De que eles são enormes, de que eles são ferozes o tempo todo. Então eu acho que é isso. O contato, né que as crianças têm deve vir mais da mídia do que dos museus, né das instituições de ensino de pesquisa. E aí acaba levando esse viés, né?
Thiago: Carol, você acredita que a criança, quando é colocada em em locais não-formais de ensino, como museus e exposições, isso estimula o interesse não só por dinossauros mas também por ciências em geral?
Carolina: Sim sim. Eu entendo que sim. Inclusive, hoje em dia a gente tá pensando muito na no ensino afetivo, né. Da gente trazer aquele apelo, de realmente emocionar. Trazer as emoções das crianças, enfim das pessoas.
Mariana: A Carolina também nos contou um pouco sobre uma pesquisa de mestrado desenvolvida em 2018 sobre como os temas apresentados pela exposição “Dinossauros (?)” estavam sendo interpretados pelas pessoas que visitavam o espaço, dando destaque para aqueles temas mais frequentes durante o roteiro. A gente gravou então algumas das visitas das escolas e a interação com o monitor. E aí, a gente percebeu que alguns dos temas que os monitores ou que as crianças traziam, não eram exatamente aqueles que a gente queria passar. Mas, mesmo assim existe uma aprendizagem, um processo de aprendizagem, no fato delas estarem naquele contexto, né? Então, só delas terem saído da escola, estarem conversando com os colegas sobre os temas. Esse processo eu acho que ele auxilia na pessoa compreender algum tema, quando ela vai atrás da informação depois né? Então ela tem um começo, né. Uma fagulha ali do conhecimento e é ela que vai criar as suas conexões depois.
Thiago: E como você avalia essas grandes exposições com dinossauros mecânicos, com efeitos sonoros e outros tantos recursos para atrair visitantes, geralmente em locais de maior circulação como shoppings? Muitas vezes elas são grandiosas mas que carecem de consultoria para trazer informações mais atualizadas, embasadas cientificamente.
Carolina: Se a gente pudesse atrelar, né? O que a gente tem de conhecimento científico em uma exposição com a visibilidade que essas têm. Porque, normalmente, elas são em locais que são muito visitados, né. em shoppings, algumas delas você não tem que pagar né? Então, se houvesse de fato, uma parceria, seria maravilhoso. Agora, da forma como algumas são montadas, é bastante questionável. Porque elas acabam misturando o imaginário, colocando dragões, né? Já vi umas com todos os tipos de personagens pop junto com dinossauros. Quer dizer, aí não tem valor científico nenhum, né? Aí, é mais para realmente a criança se divertir fisicamente no espaço.
Mariana: De fato, esses espaços não-formais são fundamentais para expor os estudantes a novos contextos de aprendizagem, estimulando a curiosidade e favorecendo o ensino através da troca de vivências. Daí a importância de expor as crianças, independente do seu estágio de desenvolvimento, a esses diferentes estímulos. Não é mesmo, Ana Paula?
Ana Paula: Eu posso estar num ambiente onde sim, eu sou estimulado. Onde sim, eu tenho contato com eh o conteúdo, por exemplo dinossauro, por exemplo, qualquer outro assunto. Eu tenho livros à minha disposição, eu tenho brinquedos, eu tenho jogos ou tem alguém que jogue comigo, tem alguém que leia para mim. Porque também não adianta você só ter o brinquedo e o livro e lá tudo maravilhoso para você e você não ter o adulto muitas vezes, né? Ou até uma outra criança ou mesmo professor não faz isso.
Mariana: Depois dessa fala da Ana Paula eu me peguei aqui pensando: “Eu gostava tanto de colecionar carros. Sabia o nome de todos os modelos, fabricantes. O que aconteceu?” “Quando foi que eu perdi o interesse nesse tema?”
Thiago: Não é raro que esse tipo de pensamento. E justamente quando estamos em um momento lúdico com as crianças, é mais comum que surjam lembranças de gostos que tínhamos quando criança.
Ana Paula: Mesmo até a fase adulta a gente perde muito esse espaço de prazer mesmo, sabe? De você fazer alguma coisa por prazer, de fazer alguma coisa porque você gosta, fazer alguma coisa que te traga um simbolismo qualquer, né? Prazer mesmo, e é um resgate, talvez, que a gente precisa ter. Nós adultos. Mas acredito que a gente voltando esse olhar mais para infância, a infância ser tratada como infância. O lugar em que a infância tem e a importância que a infância tem e a infância, que eu estou dizendo, até na fase da escolarização. Também são crianças. Que espaço está tendo a investigação? Que espaço que tem para a curiosidade? Que espaço que eu tenho para eu construir, para eu responder, pra eu buscar aquilo que eu tenho como motivação.
Mariana: A Ana também destaca como a entrada dos celulares no cotidiano das famílias tem influenciado no brincar, no imaginar, no faz-de-conta. Do quanto esse ambiente virtual pode estar tirando a possibilidade de interação e da simbolização no mundo real.
Ana Paula: Eu vi uma pesquisa que foi feita. E perguntou para as crianças, né, do que elas gostavam mais de brincar, qual era o brinquedo preferido não me lembro agora exatamente a porcentagem mas, mais da metade, é do celular, entendeu? Hoje, talvez, não sei, se a gente for perguntar para as nossas crianças o que você mais brinca. Até para o adulto, viu? Porque muitos pais, em escola, e essa é uma queixa assim frequente, super frequente, o quanto tempo eles ficam na com o celular. Inclusive não brinca mais. Inclusive não jogam mais tabuleiro.
Thiago: Então, Ana, um bom caminho seria criar mais espaços e momentos para as crianças demonstrarem suas habilidades nesses temas de interesse?
Ana Paula: É, na verdade, eu acho que a gente tem que abrir mais eh, eu falo que abrir janelas, né? Como um espaço para que esse esse saber científico, que a gente pode chamar de científico, né, ou essa curiosidade da descoberta, do fazer científico, tenha mais lugar dentro da escola.
Abrir possibilidades de exploração desse olhar científico, de interesse mesmo. E aí, acrescento, daquilo que é de interesse dos alunos. Que não só do nosso interesse. Então, de repente, o assunto dinossauro é um interesse deles, assim como outros que eles podem trazer. As crianças, principalmente nessa faixa, estão efetivamente sendo estimuladas a explorar, aquilo novo, aquilo que é de interesse delas,isso é muito legal. Vamos estudar sobre isso? Vamos descobrir mais sobre isso? Vamos entender melhor o que o dinossauro comia? Onde eles foram descobertos? Vamos descobrir isso juntos, né? Não já com a coisa pronta.
Mariana: Agora para finalizar. Ana, você gostaria de deixar uma mensagem para os nossos ouvintes?
Ana Paula: Eu acho que é um convite que eu queria fazer é esse a gente olhar pra pra gente mesmo, né? Como é que eu tô lidando com as crianças que estão ao meu redor? Que lugar, que espaço, que valor eu estou dando para o brincar, mesmo? Que valor eu estou dando para essa interação entre as crianças? Que lugar eu estou dando para essa interação entre as crianças e nós adultos? Eu ,adulto, quanto do meu tempo eu estou dispensando para isso, de fato, efetivamente, por brincar para o ler né?
Thiago: Bom, nós vamos ficando por aqui. Gostaríamos de deixar o nosso muito obrigado a todos vocês por nos ouvir e um agradecimento especial para a Helena e sua mamãe Moyra que nos presentearam com essa entrevista muito fofa. Também gosto muito de dinossauros, Helena! O meu favorito sempre vai ser o triceratops.
Mariana: Agradecemos também as outras crianças que ouvimos para fazer o episódio: o Pedro, o Rafael e o Pietro que estavam na exposição dos dinos e nos transmitiram todo esse medo e admiração de estarmos próximos desses fascinantes animais.
Thiago: Esse episódio foi roteirizado e apresentado por mim, Thiago Ribeiro. A revisão é da Simone Pallone, coordenadora do Oxigênio. Os trabalhos técnicos são da Carol Valentim Cabral e do Eyder Gomes Lopes, bolsistas do Serviço de Auxílio ao Estudante da Unicamp. A edição de áudio final, do Octavio Augusto Fonseca. A trilha sonora do Soundcloud e da Biblioteca de áudio do Youtube. A narração do trecho do livro de Connan Doyle foi feita pelo Yama Chiodi e pela Simone Pallone. O Oxigênio tem apoio da SEC – Secretaria Executiva de Comunicação da Unicamp e do SAE – Serviço de Apoio ao Estudante. Você encontra todos os episódios no site oxigenio.comciencia.br e também na sua plataforma de podcasts preferida. Procure a gente nas redes sociais. No Instagram e no Facebook você nos encontra como Oxigênio Podcast. Segue lá pra não perder nenhum episódio e obrigado por escutar!