#136 – De olho no rótulo
out 21, 2021

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Em outubro de 2020, foi aprovada pela Anvisa a nova norma sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados, que entrará em vigor em outubro de 2022. Segundo a Agência, as mudanças vão melhorar a clareza e tornar mais legíveis as informações nutricionais dos rótulos dos alimentos e tem como objetivo auxiliar o consumidor a fazer escolhas alimentares mais conscientes. Para entender o que vai mudar com a nova rotulagem e quais são os impactos esperados dessa mudança na indústria de alimentos e na segurança nutricional da população, a Ana Augusta Xavier e o Rafael Revadam ouviram a professora Cínthia Baú Betim Cazarin, que trabalha na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp na área de alimentos, nutrição e saúde, a Thalita Antony de Souza Lima, gerente geral de alimentos da Anvisa, e a Ana Paula Bortoletto Martins, que é consultora técnica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

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Roteiro

Ana Augusta Xavier: Oi. Pra começar o programa de hoje eu queria te convidar pra fazer um exercício. Na verdade é só pra puxar aí na sua lembrança a última vez que você foi no supermercado.

Bom, vou começar contando quando foi a minha última vez. Foi no sábado, eu tava na rua há horas, resolvendo um monte de coisa que a gente só tem tempo pra resolver no fim de semana. Passei no mercado super rápido pra pegar o que faltava pro almoço. Joguei tudo no carrinho, acho que nem demorei 20 minutos lá dentro… eu já não gostava muito de supermercado antes, agora com a pandemia, quanto mais rápido, melhor.

E você, conseguiu lembrar? Quanto tempo você costuma demorar no supermercado? E o que você leva em conta pra escolher os alimentos que vão pra sua casa?

Rafael Revadam: Marcas que já conhece? Preço? Qualidade? O que parece mais saudável? Ou aquele produto que tem coisas como Fit ou Artesanal escritas no rótulo? E por falar em rótulos, dá tempo de ler e entender o que está escrito neles?

Ana Augusta: Quando tem muitas opções do mesmo produto, eu geralmente escolho pelo preço, ou então pela qualidade, por exemplo, comprando alguma marca que eu já conheço e gosto. Mas claro, eu também tento comprar aqueles alimentos que eu acho que são mais saudáveis – na medida do possível né – mas nem sempre consigo identificar quais são só de olhar o rótulo. E isso que minha formação toda é na área de alimentos, hein… 

Rafael: É, não entender os rótulos dos alimentos é algo muito mais comum do que deveria. Em uma pesquisa de 2016, feita pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o Idec, 40% dos mais de 2600 participantes responderam que têm dificuldade de compreender as informações dos rótulos.

Ana Augusta: Entre as principais dificuldades foram citadas, nessa ordem: a letra muito pequena, o uso de números e termos técnicos, a poluição visual e a necessidade de fazer cálculos pra ter alguma  noção das quantidades dos nutrientes. 

Rafael: Essa falta de compreensão da rotulagem é um problema grave, já que o rótulo é a forma de quem produziu o alimento se comunicar com o consumidor. O rótulo é tipo um currículo, que mostra as características nutricionais daquele produto, e então, com essa informação em mãos, a gente decide se contrata, quer dizer, se compra ou não determinado alimento. Um rótulo claro e fácil de entender permite que a gente faça escolhas mais saudáveis e adequadas ao nosso estilo de vida. Ou, se não quiser os produtos mais saudáveis, pelo menos tenha consciência do que está levando. 

Ana Augusta: Foi pensando nisso que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, reformulou a norma de rotulagem de alimentos no país. A nova norma, que vai entrar em vigor a partir de outubro de 2022, vai mudar bastante a cara de muitos produtos que vemos nas prateleiras do mercado. Mas calma que a gente vai explicar tudo daqui a pouco. Eu sou Ana Augusta Xavier.

Rafael: E eu sou o Rafael Revadam, e em comemoração ao dia mundial da alimentação que foi no último dia 16 de outubro, no episódio de hoje vamos descobrir o que vai mudar com a nova rotulagem de alimentos.

Cinthia Cazarin: Eu acredito que seja importante a gente começar falando quais as motivações pra mudança da rotulagem nutricional, né?

Ana Augusta: Esta é a Cinthia Cazarin, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp que realiza pesquisas na área de alimentos, nutrição e saúde. 

Cínthia: Os altos índices de doenças crônicas não transmissíveis são um dos motivadores, então essa busca por uma melhor qualidade na alimentação, estilo de vida da população, muito provavelmente foi o fator que levou o Ministério da Saúde, a ANVISA a pensar nessa mudança, porque é o meio que a indústria tem pra se comunicar com o consumidor. Eu acredito que é isso as altas taxas, né? As incidências elevadas dessas doenças, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão, que motivou essa mudança.

Rafael: Mas o que essas doenças têm a ver com os rótulos dos alimentos? Bem… a ciência já sabe que o consumo excessivo de nutrientes como açúcar, gordura saturada e sódio tem alta correlação com a incidência dessas doenças, e que são um enorme problema de saúde pública. Se você quiser saber um pouco mais sobre isso, recomendamos o episódio “Doenças crônicas não transmissíveis” do podcast Prato de Ciência, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. 

Ana Augusta: Pois é, e são esses nutrientes o grande foco da nova rotulagem. No modelo de hoje, as informações sobre eles estão naquela tabela nutricional que fica atrás da embalagem dos produtos. Agora, eles vão ficar na frente do produto. Aqui a Cinthia de novo. 

Cinthia: Essa tabela nutricional, ela fica na parte de trás da embalagem e quando a gente passa numa gôndola de supermercado, por exemplo, a gente não enxerga ela. Pra você ter acesso a essa informação você vai ter que parar, pegar o produto na sua mão e fazer a leitura. Muitos estudos têm mostrado que uma das variáveis que levam os indivíduos a não fazer a leitura da tabela é por falta de tempo, porque você tem que parar, pegar todos os produtos, daquela categoria que você quer consumir pra fazer essa leitura e avaliação do que é melhor entre um e outro. Então, a proposta dessa rotulagem nova é trazer de uma maneira simplificada essas informações pra frente do rótulo do produto, ou seja, quando você passa no corredor de um supermercado aquilo já está estampado na frente, então uma parada muito rápida em frente à gôndola, você faz eh a leitura visual da qualidade dos produtos e a comparação entre eles pra tomar a sua decisão do que você vai comprar. Então, a ideia é facilitar a comunicação e o entendimento do consumidor pra que ele consiga fazer escolhas mais saudáveis. 

Rafael: A rotulagem frontal, que também é conhecida pela sigla FOP, front-of-package em inglês, é a principal novidade na rotulagem dos alimentos. A Anvisa optou por usar um modelo chamado de advertência, que é quando se utiliza símbolos pra alertar o consumidor sobre a presença de nutrientes que não fazem bem.

Ana Augusta: Vai ficar assim: os produtos que tiverem quantidades consideradas altas daqueles nutrientes que já falamos aqui – açúcar, gordura saturada e sódio –  vão ter que apresentar na frente da embalagem uma lupa acompanhada de um selo escrito “Alto em”, tudo com fundo branco. Do lado e com fundo preto vem o nome do nutriente. Por exemplo, uma bolacha com muito açúcar vai ter a lupa com o selo “Alto em açúcar”. Caso o alimento seja alto em mais de um dos nutrientes alvo, vai ter que colocar um selo pra cada nutriente.

Rafael: Tá, mas quanto açúcar um alimento tem que ter pra ser considerado alto em açúcar? Bem, a legislação definiu os limites considerando 100 gramas de produto. Então, pra não receber o selo de “alto em” o produto pode ter no máximo 15 gramas de açúcar a cada 100 gramas. Já pra gordura saturada, o limite é de 6 gramas, e para o sódio, é de 600 miligramas. 

Ana Augusta: Isso quer dizer que é bem provável que aquela sua latinha de refrigerante gelado ou a caixa de cereal matinal ganhem um selo de alto em açúcar e o pote de sorvete, além do açúcar, também ganhe um de alto em gordura saturada. Até produtos que muita gente considera saudáveis vão ganhar selos, tipo algumas barrinhas de cereal.

Rafael: A Thalita Lima é gerente geral de alimentos da Anvisa e nos explicou que os cálculos para definir os limites dos nutrientes foram baseados em recomendações da OMS, a Organização Mundial da Saúde, e do Codex Alimentarius, uma coleção internacional de recomendações e códigos relativos à produção de alimentos e segurança alimentar. Nós também perguntamos pra ela qual foi o caminho percorrido pela Anvisa até chegar neste modelo de rotulagem e porque ele foi o escolhido. 

Thalita Lima: A gente fez um levantamento do cenário regulatório internacional, não tem um modelo padronizado no mundo, tem uma diversidade enorme, foram estudados mais de quarenta modelos diferentes de rotulagem frontal, tem modelos de rotulagem frontal que são modelos que a gente chama de positivos, e tem modelos que eram interpretativos, que dão notas pro alimento, estrelas, ou fazem uma graduação de A-E. Então o modelo que informasse pra população logo no momento da aquisição do produto o alto conteúdo de nutrientes críticos, é um modelo que a gente considerou relevante, o melhor e mais adequado pra população. Eh passada essa etapa, de definir o modelo alto em, a gente foi avaliar qual é o melhor símbolo pra fazer isso, né? Então vamos estudar aí modelos que já existem no mundo, a gente tem o Uruguai, que adota eh um octógono, a gente recebeu contribuições da sociedade civil, sugerindo o triângulo, enfim, eh. O que a gente entendeu eh que seria mais apropriado era um modelo informativo né? Eh muito importante que a gente preservasse a autonomia do consumidor pra tomar as suas decisões. Então é quando nós escolhemos o símbolo da lupa né, que foi o modelo que foi escolhido pela Anvisa, é justamente pra dar essa conotação de uma informação mais apurada né, de um destaque da informação e não necessariamente um alerta, né? Uma coisa de que ah esse alimento está proibido, nada nesse sentido. Então é muito mais um destaque a uma informação que foi considerada, né, a informação mais relevante, por assim dizer. 

Ana Augusta: A Anvisa realizou testes para confirmar se a população estava entendendo a proposta de nova rotulagem e conseguindo fazer as suas escolhas de compra a partir dela. Com os resultados, a agência bateu o martelo e decidiu que o modelo de lupa seria o definitivo.

Rafael: Mas além da lupa e dos selos de Alto em, mais coisas vão mudar nos rótulos. Uma delas já falamos aqui: a base para cálculo dos nutrientes e do valor energético da tabela nutricional passará a ser 100 gramas ou 100 mL do alimento, o que vai facilitar a comparação entre produtos. Os fabricantes também deverão indicar o número de porções por embalagem.

Ana Augusta: Também vai passar a ser obrigatória na tabela nutricional a sinalização de açúcares totais e adicionais, o que vai deixar claro pro consumidor se o açúcar daquele produto é natural dos ingredientes ou foi adicionado, como um extra. Além disso, todas as tabelas deverão ter letras pretas e fundo branco, para garantir a legibilidade das informações. 

Rafael: No processo de elaboração da nova legislação, a Anvisa contou com a participação de diferentes agentes externos que seriam impactados com a nova rotulagem, como a sociedade civil, a academia e órgãos de governo. Estes atores foram ouvidos para apontar quais problemas da legislação vigente precisavam ser resolvidos, além de apresentarem propostas.

Ana Augusta: Um deles foi o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o Idec, que participou dessa discussão desde o início, em 2014. A Ana Paula Bortoletto, consultora técnica do Idec, nos contou um pouco sobre isso.

Ana Paula Bortoletto: O IDEC integrou o grupo de trabalho técnico da Anvisa, que foi a primeira do processo né, em que foram discutidas as pesquisas, os dados disponíveis sobre o problema da rotulagem no Brasil e quais seriam os melhores melhores caminhos pra melhorar essa informação, e depois desse grupo de trabalho o IDEC também desenvolveu pesquisas em parceria com o Nupens pra avaliar a abordagem pro Brasil em relação à rotulagem nutricional frontal e desenvolveu um. modelo apresentado pra ANVISA de rotulagem frontal é inspirado na rotulagem do Chile de advertências e foi um modelo no formato de triângulo desenvolvido em parceria também com pesquisadores da Universidade Federal do Paraná, que são especialistas em design da informação. E na avaliação que o Nupens e o Idec fizeram, o modelo dos triângulos, foi o que teve o melhor desempenho pra melhorar o entendimento dos consumidores sobre a informação nos rótulos dos alimentos. E ainda depois foram outras etapas do processo. Teve consultas públicas, fizemos muitas reuniões com os diretores da ANVISA, fizemos mobilização com a sociedade civil, junto com a Aliança pela a alimentação adequada e saudável, fazendo campanhas pra que esse assunto tivesse uma maior prioridade na agenda política e então realmente foi uma participação bem intensa. 

Rafael: O modelo de rotulagem frontal utilizado pelo Chile sinaliza os alimentos altos naqueles mesmos nutrientes que serão sinalizados aqui no Brasil – açúcar, sódio e gordura saturada – mas, por lá, os produtos altos em calorias também recebem esse aviso. O símbolo da advertência utilizado pelos chilenos é um octógono na cor preta, com os dizeres “alto em”.

Ana Augusta: A rotulagem utilizada no Chile foi pioneira e é referência para todo o mundo, juntamente com outras políticas públicas adotadas pelo país para combater a obesidade. Como a Ana Paula explicou, o modelo de rotulagem proposto pelo Idec é bem parecido com o do Chile, mas ao invés de um octógono, é um triângulo preto. 

Rafael: Estes símbolos, como o octógono ou o triângulo, causam um alerta maior no consumidor. Mas, como a Thalita disse, a intenção da Anvisa não era passar a ideia de que certos alimentos são proibidos, e sim fornecer mais informação pra quem tá comprando aquele alimento. Mas algumas organizações não ficaram completamente satisfeitas com o modelo e os critérios escolhidos. O Idec é uma delas.

Ana Paula: A gente ainda tem dúvidas sobre o quão efetiva de fato vai ser a lupa, né? Sem dúvida tem o avanço de ter a informação, mas nós precisamos de pesquisas que comprovem como esse modelo vai ter de desempenho. Ainda não foi feito essa análise pra confirmar a eficiência dessa opção da Anvisa. E tem a preocupação também de quais vão ser os alimentos que vão ter essa identificação, né? Porque os critério que a ANVISA aprovou pra identificar se um alimento é ou não alto em açúcar, em sódio e gorduras eh, são critérios que na nossa avaliação vão deixar de incluir alimentos que não são considerados saudáveis, né? Então a gente tem realmente preocupações.

Ana Augusta: Essa preocupação da Ana Paula faz sentido. Ela contou que alguns biscoitos recheados, empanados congelados e bebidas, que são alimentos que não fazem parte de uma alimentação saudável, segundo o Guia Alimentar, vão acabar ficando sem nenhuma advertência, porque não vão atingir os limites adotados pela Anvisa para colocação do selo de Alto em. É por casos como esses que o Idec defende limites mais rígidos dos nutrientes alvo. 

Rafael: Mas será mesmo que vamos fazer escolhas mais saudáveis a partir das informações da nova rotulagem? A experiência de outros países cria boas expectativas. No Chile, por exemplo, as mudanças no comportamento dos consumidores já foram vistas no primeiro ano após a implementação da nova rotulagem..  

Ana Augusta: Um estudo realizado por duas universidades chilenas em parceria com uma universidade estadunidense ouviu mulheres com filhos de idades entre 2 e 14 anos, já que elas são as principais responsáveis pelas escolhas de compras de alimentos nos lares daquele país. Todas as participantes entenderam a motivação da nova rotulagem e sabem que produtos com mais advertências nos rótulos representam escolhas menos saudáveis. 

Rafael: Por aqui só será possível ter a noção exata do impacto da nova rotulagem alguns anos após sua implementação, que ocorrerá em outubro de 2022. Mas os resultados de uma pesquisa publicada na revista Food Quality and Preference, feita com consumidores brasileiros, indicam um possível cenário positivo.

Ana Augusta: Na pesquisa, 862 consumidores avaliaram alimentos com rótulos contendo o modelo de advertência de nutrientes igual ao utilizado no Chile, aquele do octógono. Os resultados mostraram que a presença do selo de advertência diminuiu de maneira significativa a percepção de saudabilidade de todos os produtos estudados, que foram iogurte de morango, suco de uva, biscoito cracker e pão de forma.

Rafael: E, além do comportamento dos consumidores, outro impacto esperado da nova rotulagem vai recair sobre a indústria de alimentos. Mas não vai ser somente na questão de adequar e refazer os seus rótulos não…

Thalita: É um dos resultados esperados, apesar de não ser o principal objetivo do regulamento é que haja ações de reformulação, de melhoria do perfil nutricional desses alimentos, né? Claro que as empresas não querem ter que declarar a lupa do alto conteúdo de nutrientes críticos, então a expectativa é que muitos melhorem a composição dos alimentos até pra não terem que declarar esse tipo de informação. A gente tem observado esse movimento já em alguns países do mundo como uma consequência do modelo de rotulagem. 

Ana Augusta: Como a Thalita comentou, as indústrias não vão querer ter que estampar nas embalagens os selinhos dos nutrientes críticos, já que eles praticamente vão ser uma marca de que aquele alimento não é saudável. Então a tendência é que seja feito um movimento na direção de redução do teor destes nutrientes, o que é bom pra todo mundo. É um efeito colateral do bem que se espera da nova rotulagem. 

Rafael: Mas a Ana Paula, consultora do Idec, fala que é preciso ter cuidado, porque a reformulação também pode acabar piorando a qualidade nutricional dos produtos.

Ana Paula: Acho que em parte vai ser positivo, claro que sempre quando é possível retirar nutrientes que tragam risco à saúde é importante, mas preocupa como que vai ser essa substituição, por exemplo, do açúcar por adoçante, que a gente tem visto acontecer com muita frequência e não é uma substituição que vai trazer de fato um grande benefício pra saúde. Ou então uma reformulação que preveja que tenha mais aditivos alimentares pra fazer um equilíbrio aí da compensação do que foi retirado. Então o importante seria ter uma reformulação que caminhasse pra um menor nível de processamento industrial e não acrescentar outras substâncias que vão trazer prejuízos pra saúde também.

Ana Augusta: É por isso que devemos estar sempre atentos ao que consumimos. A sociedade civil, por meio de organizações como o Idec e a Aliança pela alimentação adequada e saudável, têm desempenhado um papel imprescindível nas discussões e monitoramento não só da rotulagem nutricional, mas de diversos temas que envolvem a segurança alimentar e nutricional da população.

Rafael: Da mesma forma, a academia também tem dado sua contribuição. Um exemplo aconteceu agora em 2021, com a criação do observatório de rotulagem de alimentos na Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. O observatório vai acompanhar a rotulagem dos alimentos comercializados no país e seus impactos nos consumidores, além de atuar em atividades de educação alimentar.

Ana Augusta: E é importante dizer que o órgão responsável pela fiscalização e garantia do cumprimento das normas de rotulagem é a Vigilância Sanitária de cada município. Ela atua através de programas de inspeção e monitoramento, mas também recebe denúncias de irregularidades.

Rafael: Bem, já vimos que a rotulagem influencia na escolha dos alimentos, mas ela não é, nem de longe, o fator que mais pesa na decisão do consumidor na hora de comprar comida. Escuta só o que a professora Cinthia falou…

Cinthia: Tem outros aspectos também que influenciam, né? E aí o marketing faz uso disso que é o estilo da embalagem, então as imagens que são utilizadas nessa embalagem que levam o consumidor a ter uma percepção de um produto melhor ou não, a localização dessa rotulagem, então ela tá na frente da embalagem, mas ainda assim, que posição ela está? É numa posição de destaque, isso é um ponto que a gente precisa avaliar também, né? Isso realmente vai estar visível, o consumidor vai se atentar, vai chamar atenção dele. Então são variáveis ainda que a gente precisa avaliar. 

Ana Augusta: Só mudar a rotulagem não vai fazer com que todo mundo coma de maneira mais saudável e que a incidência de doenças crônicas não transmissíveis diminua. Primeiro, porque as pessoas precisam entender porque comer demais determinado nutriente pode fazer mal pra saúde. Essa sinalização na embalagem precisa vir acompanhada de ações de educação alimentar.  

Rafael: Segundo, porque a rotulagem nutricional é uma dentre as muitas políticas públicas que têm sido propostas pra reduzir o consumo destes produtos, como restrição da publicidade, regulamentação do mercado e impostos diferenciados, por exemplo. Não dá pra colocar toda a responsabilidade sobre as escolhas do consumidor. 

Ana Augusta: E por último, a gente sabe que a alimentação é um fator chave na manutenção da saúde, mas ela é apenas um fator dentro do que a gente costuma chamar de estilo de vida saudável. Praticar atividade física, ter seus momentos de lazer pra reduzir o stress, ter uma boa qualidade de sono, enfim,  essa cartilha a gente já sabe de cor.

Rafael: Claro que é importante esclarecer e informar a população, seja por meio da rotulagem ou outras ferramentas que já falamos aqui no programa. A informação empodera e dá autonomia pra que a gente consiga fazer as melhores escolhas, de acordo com as nossas necessidades. 

Ana Augusta: Mas é sempre bom lembrar que o ato de comer não serve apenas pra fornecer nutrientes. Comer é um ato cultural, é político, é social. Nós comemos por fome, mas também por costume, por vontade, por prazer. Tem momentos que a gente vai querer comer um chocolate e vai comer, não importa a quantidade de advertências que tiver na embalagem. Até porque muitos alimentos, por mais que passem por reformulações, continuarão tendo advertências. E infelizmente, tem muita gente que vai continuar comendo alimentos com zilhões de advertências apenas pela necessidade de matar a fome. 

Cinthia: Existem sim estudos mostrando que a implementação de uma rotulagem frontal no produto ou mesmo na gôndola, ela causa mudança no comportamento do consumidor. Então ela acaba influenciando na sua decisão de compra. Mas eu gosto de enfatizar que, principalmente na realidade do Brasil e isso a gente tá vivenciando hoje, muito mais do que uma informação nutricional, o que vai pesar na decisão do consumidor hoje é o preço do produto, né? Então a gente não pode deixar essa variável tão importante de lado. Conhecer a qualidade nutricional dos produtos é um direito do consumidor pra tomar sua decisão, mas o preço, né, o valor agregado a esse produto também é levado em consideração. Com o número de desempregados que a gente tem, de gente passando fome no mundo, não dá pra desconsiderar. E os estudos mostram que uma das variáveis que aparecem em primeiro lugar no momento de decidir qual produto eu vou consumir ou comprar é preço.

Ana Augusta: O episódio de hoje fica por aqui. Ele foi apresentado e produzido por mim, Ana Augusta Xavier, e pelo Rafael Revadam. A revisão do roteiro e a coordenação são da professora Simone Pallone, do Labjor/Unicamp, e os trabalhos técnicos são do Gustavo Campos, bolsista SAE do Labjor, e do Octávio Augusto, da Rádio Unicamp. 

Rafael: As músicas e efeitos utilizados neste episódio são da Biblioteca de Áudio do Youtube e do FreeSound. As artes de divulgação são da Ana Augusta Xavier.

Ana Augusta: O Oxigênio é o podcast de ciência, tecnologia e cultura da Unicamp, realizado pelo Labjor em parceria com a Rádio Unicamp. E pra ficar por dentro de tudo o que produzimos, acompanhe a gente nas redes sociais. Estamos no Facebook, facebook.com/oxigenionoticias – tudo junto e sem acento, e no Instagram e no Twitter, basta procurar por Oxigênio Podcast.

Rafael: Nós também temos um site, o oxigenio.comciencia.br – e o comciencia é com M de Maria no meio, tá? O site tá de cara nova só esperando o seu comentário. Aproveita pra deixar lá a sua opinião sobre esse programa. E até a próxima!

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