Maria Bandeira é uma das pioneiras na botânica brasileira
set 9, 2016

Compartilhar

Assine o Oxigênio

Na pesquisa, existem as grandes personalidades, aquelas premiadas, que constam nos livros. Mas o dia a dia do fazer ciência, é resultado do trabalho de cientistas comuns, às vezes invisíveis, mas tão importantes quanto aqueles consagrados.

Uma personagem brasileira há até pouco tempo desconhecida das pesquisas científicas ou históricas é Maria do Carmo Vaughan Bandeira. Ela nasceu em 1902 e na década de 1920 contribuiu de forma significativa para o estudo de espécies vegetais sendo a primeira botânica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Maria Bandeira que, foi um talento reconhecido pela comunidade científica da época, acabou interrompendo sua carreira ainda muito jovem optando por seguir uma vida religiosa até o seu falecimento, em 1992.

As informações são do artigo intitulado “Maria Bandeira: uma botânica pioneira no Jardim Botânico do Rio de Janeiro”. O trabalho foi publicado na revista História, Ciências, Saúde — Manguinhos.

Maria Bandeira ingressou no Jardim Botânico com cerca de 20 anos e durante mais de uma década de trabalho coletou regularmente e fez identificações de cerca de 800 plantas, fungos e líquens, com imagens e espécimes. Também distribuiu exemplares para outros herbários brasileiros, europeus e americanos.

Como sabia latim, isso facilitava a consulta à literatura da época sobre a classificação de espécies. Também conhecia os idiomas inglês, francês e alemão, e manteve correspondências com diversos cientistas estrangeiros. Foi intensa, por exemplo, a colaboração com Viktor Ferdinand Brotherus, um briólogo finlandês renomado na época. Maria Bandeira também manteve relação profissional e amizade com a norte-americana Agnes Chase, uma personalidade da botânica reconhecida mundialmente. Foi Maria Bandeira quem a acompanhou em expedições no Brasil, uma delas ao Pico das Agulhas Negras, em São Paulo. A botânica brasileira tinha habilidades para escalar montanhas, inclusive com técnicas de alpinismo. Chegou a escalar o Montblanc, na Suíça, em outra expedição.

Maria Bandeira também participava da vida científica na época e representava o Jardim Botânico oficialmente. Foi uma das cientistas do comitê que recebeu a química e prêmio Nobel Marie Curie no Porto do Rio de Janeiro, em 1926.

A rotina no Jardim Botânico e nas expedições de pesquisa em campo não eram comuns às mulheres da época, mas já havia presença feminina em instituições dedicadas às ciências naturais, mais do que a literatura costuma destacar, segundo os autores do estudo. Maria Bandeira também se diferenciava pelo comportamento, que não era comum para as moças dos anos 20, como nadar na praia de Copacabana e dirigir um automóvel para ir ao trabalho. Os autores do estudo observam que os pais aparentemente apoiavam as escolhas da botânica.

Em 1930, Maria Bandeira realizou o sonho de ingressar na Universidade de Sorbonne, na França, onde obteria seu “diploma de estudos superiores”. Ela foi convidada pelo fisiologista Louis Lapicque para pesquisas em seu laboratório. Ele é ainda hoje um dos grandes nomes da neurociência. Maria Bandeira disse em carta à família:

Tenho meu tempo muito ocupado, passo os dias na Sorbonne e estou seguindo alguns cursos que me interessam especialmente. Todos são ‘amabilíssimos’ e todas as portas me são franqueadas ‘graciosamente’ (quer dizer, sem pagar!). O Lapicque comprou-me um ótimo microscópio com magníficos acessórios; aliás, o casal me trata como filha até na intimidade do lar. Realmente nada tenho a desejar. Mas justamente por causa disso é que eu não quero ficar abaixo do que eles esperam de mim. Os auxiliares são muito amáveis, e eu já sou da rodinha dos laboratórios.

A invisibilidade de Maria Bandeira se deve principalmente por ela não ter publicado trabalhos nas revistas científicas. Mesmo assim, a botânica seguia sua trajetória científica muito bem e permaneceu na Europa até 1931. Quando voltou, ela decidiu ingressar na ordem das Carmelitas Descalças, no mesmo ano. No Jardim Botânico e entre pessoas próximas, a decisão não foi bem recebida. Mas de fato a botânica se mudou para um convento no bairro de Santa Teresa, uma das mais rigorosas ordens monásticas da Igreja Católica, com clausura total, onde viveu por 60 anos. As razões para essa decisão provavelmente nunca serão conhecidas. Ela vinha de uma família católica praticante e estudou em escolas religiosas. Talvez tenha tido uma experiência mística, tenha se desiludido pela perda recente de pessoas próximas, os pais, o professor Brotherus, ou pelo desentendimento com o irmão.

Ainda que tantos anos mais tarde, está feito um registro importante dessa que foi uma das pioneiras na botânica brasileira.

As informações são do estudo de autoria de Begonha Bediaga e Ariane Luna Peixoto, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e do professor Tarciso Filgueiras, do Instituto de Botânica da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Vale a pena conhecer!

Acesse o artigo completo:

Maria Bandeira: primeira botânica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro optou por vida religiosa ainda jovem

Matéria de Patricia Santos

Veja também

30 anos de falecimento do Sir Peter Medawar

30 anos de falecimento do Sir Peter Medawar

  Progressos científicos, especialmente na área da saúde, muitas vezes apresentam novos problemas, que se tornam objeto de nova pesquisa. A história de Sir Peter Medawar, ganhador do Prêmio Nobel de medicina e fisiologia nascido no brasil, mostra como a...

50 anos do uso de agrotóxicos em Santa Catarina

50 anos do uso de agrotóxicos em Santa Catarina

  Diversos são os estudos científicos sobre risco à saúde humana e ao meio ambiente causado pelo uso de agrotóxicos em diferentes sistemas agrícolas ao redor do mundo. Diversas também são as iniciativas e campanhas de combate ao uso em larga escala de tais...

Punição na ciência através dos tempos

Punição na ciência através dos tempos

A ciência e o método científico não se dão em um contexto neutro, livre de quaisquer influências. Assim, ainda que a perseguição e as punições ocorram em diferentes épocas e sob distintos motivos, é preciso diferenciar os perseguidos por seu fazer científico...

Oswaldo Cruz: muito além da Revolta da Vacina

Oswaldo Cruz: muito além da Revolta da Vacina

  Em 1904, eclodiu a chamada Revolta da Vacina, atribuída à insatisfação da população com o tratamento dado pelas brigadas da vacina no combate à epidemia de varíola e outras doenças. À frente das brigadas estava Oswaldo Cruz. Mas no centenário de sua morte...

Terra indígena, um conceito em disputa

Terra indígena, um conceito em disputa

  A demarcação das “terras indígenas” motiva debates intensos envolvendo muitas pessoas e setores da sociedade: além dos próprios índios, as organizações não governamentais, donos de terras, os poderes executivo, judiciário e legislativo. Mas uma coisa que muitas...

O livro ‘Raízes do Brasil’ celebra 80 anos

O livro ‘Raízes do Brasil’ celebra 80 anos

Há 80 anos, o Brasil vivia a decadência da elite do café e a ascensão da burguesia industrial. A perspectiva era de urbanização crescente. Nesse contexto surge a primeira edição de Raízes do Brasil, livro de Sérgio Buarque de Holanda, uma das principais referências na...

O método científico e o uso da fosfoetanolamina

O método científico e o uso da fosfoetanolamina

Sabe aquele comprimido que tomamos para dores do dia a dia, aquele que buscamos na farmácia? Você sabia que antes dele se tornar apto para compra e consumo ele passou por uma série de testes? São testes que compõem um conjunto de etapas, e quando somados são definidos...