#132 – Os mitos da caverna
jul 8, 2021

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Estruturas que despertam o interesse das pessoas há milhares de anos, as cavernas ainda hoje são importantes destinos turísticos, mesmo que não para todos os gostos. Nesse episódio, falamos um pouco sobre essas estruturas, como elas se formam e também sobre os cuidados necessários para a conservação e preservação desses espaços. Falamos também da conservação de outras formações geológicas e turísticas, como picos e morros, que são destinos explorados pelo Geoturismo além das cavernas. Nesse sentido, uma nova iniciativa vem ganhando força, os chamados Geoparques. 

Para explorar todos esses assuntos, conversamos com a Thais Medeiros, geógrafa, e com o Thomaz Rocha e Silva, biólogo, que fazem parte grupos dedicados ao estudo das cavernas em suas diversas dimensões. E também com a Marina Ciccolin, geóloga, que é voluntária no projeto Geopark Corumbataí. 

Vem com a gente escutar esse papo e bom episódio!


Thomaz: Que a gente tem uma riqueza de formações geológicas que precisam ser preservadas, isso é indiscutível.

Mayra: A gente escuta muito sobre biodiversidade e a importância de conhecer e preservar as inúmeras espécies de seres vivos, animais, plantas   e até micro-organismos que existem no Brasil e no mundo. 

Frederico: É verdade, mas quase não se fala sobre as rochas que formam nosso planeta e as diversas estruturas que elas podem formar. A esses diferentes tipos de rocha, com suas diferentes formas e composições, damos o nome de Geodiversidade.

Marina: A sociedade em si se preocupa muito com a preservação ambiental, mas quando a gente fala preservação ambiental, a gente pensa em árvores, a gente pensa em plantas, pensa em bichos em fauna, flora. A gente nunca pensa no que tem sustentando isso, sabe? A gente nunca pensa no que tem abaixo disso tudo. Então esse termo de geodiversidade, ele surge da emergência da gente ter que falar sobre isso, sabe? Ter que falar sobre a preservação do patrimônio geológico, porque se esse patrimônio geológico não está lá, se as rochas não tão lá, se a gente destrói a geomorfologia natural, a biodiversidade não vai se sustentar. Então a biodiversidade depende da geodiversidade, elas andam MUito juntas, se a gente altera a geodiversidade, se a gente vai em algum lugar e cava um buraco, faz uma mineração, a biodiversidade que vai que vai nascer lá depois não vai ser a mesma, não vai ser natural, né? Então são coisas que andam muito entrelaçadas e a geodiversidade não é muito abordada, né? As pessoas não conhecem muito sobre isso.

Mayra: Eu sou a Mayra Trinca

Frederico: E eu sou Frederico Ramponi, no episódio de hoje, vamos falar sobre algumas dessas formações, como e porque elas podem ser estudadas e algumas estratégias que surgiram para preservá-las.

[VINHETA OXIGÊNIO] 

Mayra: As cavernas são ambientes com um certo ar de mistério, talvez pela falta de luz, pela presença de animais estranhos e meio assustadores como morcegos e aranhas   ou ainda pela dificuldade de acesso nesses locais. Por isso, não surpreende que essas estruturas despertem a curiosidade das pessoas, o que leva muitas a se dedicarem a conhecer esses espaços. 

Frederico: Mas, o que é exatamente uma caverna? As definições de cavernas podem variar bastante, mas, de maneira geral, são cavidades naturais no solo com tamanho suficiente para que uma pessoa adulta consiga entrar. Há quem considere que cavidades menores também podem ser cavernas, mas pra nossa discussão vamos assumir essa definição.  

Mayra: O ambiente das cavernas é completamente diferente de qualquer outro ambiente não-cavernícola. O primeiro e principal motivo para isso é a ausência de luz, o que impede o desenvolvimento de plantas dentro da caverna. Assim, as interações entre os seres vivos que habitam esse local serão próprias dele. Normalmente, toda energia que sustenta a vida dentro da caverna, vem de fora dela. Um segundo fator é a formação rochosa em si, a caverna mesmo, que sofre processos de formação e evolução geológicas próprios.

Frederico: Uma pessoa pode entrar em uma caverna por esporte, turismo ou pra fazer pesquisas. Seja qual for o objetivo, todas essas atividades se encaixam numa grande área chamada Espeleologia. No Brasil, os principais responsáveis por essas atividades são os espeleogrupos.

Thais: Resumidamente, os espeleogrupos são associações voltadas ao conhecimento dos vários aspectos associados às cavernas e também do reconhecimento dos valores ambiental e cultural para a sociedade brasileira. São iniciativas não governamentais, criadas de modo a permitir o posicionamento contrário a atos e ações prejudiciais ao patrimônio cultural e ambiental associado às cavernas. Então de uma maneira geral, todos os espeleogrupos, eles vão se dedicar a preservação e conservação desses patrimônios espeleológicos espalhados pelo Brasil.”

Frederico: Essa é a Thais Medeiros, geógrafa, mestranda pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE, e atual presidente do Espeleogrupo de Rio Claro, o EGRIC. 

Mayra: Os espeleogrupos podem se dedicar à espeleologia de várias formas, sendo responsáveis pela descoberta de novas cavernas, levantamento de dados sobre cavernas já conhecidas e cursos de formação, por exemplo. Nos últimos anos, o EGRIC tem se dedicado à prospecção e ao mapeamento de cavernas na região da Serra do Itaqueri, que fica na região central do Estado de São Paulo e do PETAR, Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira, no Sul do Estado. 

Frederico: Além do EGRIC, existem vários outros espeleogrupos no Brasil, como o grupo Bambuí, de Belo Horizonte. O Thomaz Rocha e Silva faz parte deste grupo, além de ser professor de Bioquímica e Farmacologia no Hospital Albert Einstein e pesquisador na área de bioprospecção de fármacos.

Thomaz: A espeleologia ela tem suas subdivisões, então a espeleologia ela se inicia com o que a gente chama de prospecção, que é através de indícios sejam eles é indicações verbais, sejam eles estudos de mapas, né, enfim, estudos da região que levam a indícios de que numa determinada região existam cavernas. Então a gente vai até aquela região, é, caminha no local sempre com georreferenciamento sempre plotando trilhas, faz um registro daquela região e se a gente encontrar a entrada de alguma cavidade a gente registra e deixa marcado.

Thomaz: “Meu grande interesse em cavernas é que elas oferecem um ambiente no qual existem biologicamente muitas singularidades. Claro que é em termos geológicos também são singularidades mas na minha linha de interesse eu me interesso pelas singularidades bioquímicas que uma caverna oferece”

Mayra: Como você deve estar percebendo, a espeleologia é uma área muito diversa e que abre um grande leque de possibilidades de estudos. Não é simples compreender todos os aspectos que envolvem essas estruturas e como elas se formaram em um clima e ambiente milhares ou até milhões de anos atrás. Como reforça a Thaís.

Thaís: A gente precisa dos estudos geológicos, por exemplo pra entender e analisar as variações paleoclimáticas e paleoambientais que existem nesses ambientes. Os estudos geográficos e geomorfológicos que eles vão permitir investigar como a caverna se forma e como ela se integra ao relevo e à paisagem. Os estudos biológicos pra gente entender qual que é a fauna e a flora que compõem esse ambiente subterrâneo. Os estudos arqueológicos e paleontológicos pra entender um pouco da ocupação humana dentro desses ambientes.

Frederico: Uma parte importante dos estudos espeleológicos é a pesquisa sobre a formação geológica das cavernas, já que a rocha que a forma e o processo que gerou essa estrutura vão influenciar nas suas características. Cada tipo de rocha é formada por diferentes minerais, diferentes elementos químicos. Então ,o tipo de rocha vai determinar a interação entre elas e o meio . Os processos de formação de caverna mais comuns são os que envolvem rochas carbonáticas e rochas areníticas. 

Mayra: As rochas carbonáticas e areníticas são rochas sedimentares, formadas pela deposição de partículas e sedimentos, que vão se acumulando ao longo de milhões de anos. A maioria dos carbonatos é formada pelos esqueletos de algas microscópicas com carapaças de carbonato de cálcio. Já as areníticas são formadas pelo acúmulo de pequenos cristais de quartzo, que nada mais são do que areia, nas bacias sedimentares.

 Frederico: Segundo o Anuário Estatístico do Patrimônio Espeleológico Brasileiro de 2019, produzido pelo  Centro Nacional de Conservação das Cavidades, o CECAV,- existem mais de 20.000 cavernas registradas no Brasil. Destas, 54% são cavernas de rocha carbonática, como as do PETAR. E 17% são siliciclásticas, como as cavernas de arenito da Serra do Itaqueri. A Thais explicou pra gente como acontece a formação das cavernas nesses dois tipos de rocha. 

Thaís: As rochas carbonáticas, elas são rochas muito solúveis, muito muito solúveis. As cavernas foram formadas justamente por conta da dissolução química que as rochas passaram durante o período de milhões e milhões de anos, é um processo muito muito lento, né, então a água juntamente com os ácidos que formam essas rochas são os elementos indispensáveis pra formação das cavernas carbonáticas.

Mayra: A dissolução da rocha, que a Thaís falou, acontece quando a água da chuva interage com o gás carbônico, formando o ácido carbônico, e quando ela penetra no solo, interagindo com os compostos da matéria orgânica em decomposição, formando os chamados ácidos húmicos. 

Frederico: Quando esses ácidos entram  em contato com a rocha, são capazes de dissolver e carregar alguns dos minerais que as compõem, como o calcário. Esse processo é responsável tanto pela formação da caverna em si, quanto pela formação dos espeleotemas, como as estalactites e as estalagmites , aquelas estruturas cônicas que vemos no teto ou no chão das cavernas. 

Mayra: Já as cavernas encontradas em rochas do tipo arenito tem um processo de formação diferente. É o que explica a Thais…

Thaís: As cavernas areníticas elas são bem mais resistentes, né, então a água ela não vai ser o processo direto de formação, né, o desgaste, dissolução química pela água nessas rochas não vai ser o processo direto, então o que vai acontecer é a remoção mecânica desses fragmentos de rocha cavados pela ação dos rios, ventos e animais, mas isso é um processo muito muito lento, em milhões e milhões de anos. Por isso que, se a gente for comparar, as cavernas areníticas, elas são bem menores, porque é um processo que demanda muito mais tempo, essa remoção mecânica, por não ter diretamente esse processo de dissolução química.”

Frederico: Quando entramos numa caverna, dificilmente temos noção do tempo e de todos os processos necessários pra sua formação. Às vezes não somos capazes nem de reconhecer seu tamanho real. Algumas cavernas são relativamente pequenas e simples, um grande buraco no meio de uma serra rochosa. Mas muitas delas possuem túneis e, condutos, como a Thais explicou, que vão se aprofundando no interior da rocha. Por isso, sempre que uma nova caverna é encontrada, é importante fazer o reconhecimento desses caminhos.

Thaís: Até que o mapeamento e registro de uma caverna sejam feitos, a gente não tem como saber se ela existe ou não, né. Então, o mapa de uma caverna, ele é muito importante, é um documento essencial pra base de muitas pesquisas e até mesmo para fazer a proteção espeleológica dentro das legislações ambientais, né. De acordo com os mapas, a gente pode ter informação sobre a localização dos artefatos paleontológicos e arqueológicos, a gente pode entender por onde os condutos passam, onde se cruzam, se esses condutos eles se cruzam com outras cavernas. E com a realização da topografia das cavidades, né, fazer o croqui, a gente vai conseguir analisar se a gente tem viabilidade de construções e visitação turística, né, e como que essa visitação turística, ela afeta as cavidades.

Mayra: Aqui, a Thais tocou num ponto muito importante pra gente. O que precisa ser feito para que uma caverna passe a ser uma atração turística?

—-

Mayra: Nós estávamos falando sobre as diversas formas de se estudar   e tentar conhecer melhor as cavernas. Mas não são apenas cientistas que se interessam por esse tema, muitas pessoas buscam as cavernas   e outras formações rochosas, picos, serras, cachoeiras, como destinos turísticos. É o que conhecemos como Geoturismo. 

Frederico: Mas estabelecer o turismo em uma área natural não é uma tarefa simples. No caso das cavernas, como o Thomaz e a Thais nos explicaram, a implementação do turismo passa por diversas etapas, como a prospecção, o mapeamento e a avaliação da capacidade da caverna de sustentar a visitação. É a partir do mapeamento, por exemplo, que se decide por onde as pessoas devem caminhar na caverna, tentando minimizar os impactos e preservando espeleotemas ou outras formações relevantes do ponto de vista geológico,  histórico ou biológico, como artefatos arqueológicos, pinturas rupestres e fósseis. 

Mayra: Sem o preparo adequado, o turismo pode trazer GRANDES impactos a qualquer ambiente natural e as cavernas não são exceção. Sabendo disso, o Thomaz e o grupo Bambuí tem entre as suas atividades, um curso para formação de guias, ajudando na organização dos roteiros turísticos.

Thomaz: A gente fazer esse treinamento com os monitores dizendo: “Olha o caminhamento é por aqui, não pode deixar subir lá, não pode deixar pôr a mão aqui, pode incentivar eles a tomar um banho de rio aqui”. Entende? Fazendo as permissões e restrições, isso sem dúvida contribui muito.

Frederico: O Thomaz falou muito sobre a importância de preparar a área e também as pessoas responsáveis por ela, porque todos esses passos são importantes para a preservação da área, permitindo que as próximas gerações também tenham acesso a essas oportunidades. É preciso manter o local conservado pra que  o turismo daquela região continue existindo. 

Marina: O turismo ele pode ajudar sim na conservação, mas ele tem que ser feito com muita cautela e muito estudo prévio, o que as pessoas normalmente não gostam, né? Porque quando o pessoal contrata a gente para fazer algum serviço turístico, eles querem pra já, pra ontem. Porque eles querem usufruir da área, e muitas vezes para usufruir da área, a gente precisa fazer um estudo. Então a área precisa ficar fechada às vezes, a gente precisa estudar para ver se ela vai aguentar essa visitação turística, a atividade turística. Então se o turismo ele for feito dessa maneira desenfreada, sem estudo, mesmo que seja  na melhor das intenções, sabe? Ele pode sim e com certeza vai prejudicar muito a conservação do patrimônio, seja ele natural ou histórico, cultural, enfim. 

Mayra: Essa é a Marina Ciccolin, que você já tinha escutado um pouquinho lá no começo do episódio. A Marina é geóloga, também pela UNESP de Rio Claro, faz mestrado com educação ambiental   e é voluntária no Projeto Geopark Corumbataí, que nós já vamos te apresentar logo mais. 

Marina: Agora se o turismo, se a gente faz um estudo e a gente vê quantas pessoas podem entrar lá, acompanhadas de quem, com EPI, com equipamento de proteção, como é o caso das cavernas, né? Você não pode visitar uma caverna sozinho, você tem que estar acompanhado de um grupo, com EPI, com capacete, lanterna. Você não pode chegar e simplesmente entrar numa caverna inabitada, porque é uma área de estudo, né? A gente precisa preservar, precisa conservar essas áreas. Então o turismo se ele não é estudado, ele com certeza vai prejudicar a área. Só que também, assim em contrapartida a isso, a solução, para esses problemas, nunca vai ser proibir o turismo de existir. Porque o turismo vai existir de qualquer maneira, mesmo que a prefeitura não queira, não faça campanha, o turismo vai existir. 

Frederico: Esses cuidados são importantes para diminuir os impactos que o fluxo de pessoas pode trazer para esse ecossistema. Medir esses impactos e propor medidas de reduzi-los é parte do que chamamos de plano de manejo.

Mayra: O plano de manejo é um documento elaborado em parceria por pesquisadores   e o poder público, e que determina quais atividades podem ou não ser desenvolvidas em determinada região. Esse plano deve ser baseado nos estudos da região e também na legislação vigente e é um documento muito importante para regulamentar o turismo.

Frederico: Por exemplo, em novembro de 2008 foi lançado o decreto número 6.640, que determina quais elementos devem ser considerados no momento de classificar a relevância de uma caverna, além de diretrizes para empreendimentos que podem causar algum tipo de impacto nesse ambiente.

Thomaz: Antes do decreto de 2008 isso era feito de maneira relativamente subjetiva, os grupos informavam, havia instrumentos para se determinar se uma gruta deveria ser ou não preservada e aí era geralmente associada à presença de um animal troglóbio raríssimo ou de formações espeleológicas raríssimas também.

Mayra: Esse animal troglóbio que o Thomaz citou é um animal que vive apenas em ambientes de caverna   e que, por isso, apresenta um conjunto de modificações em seu corpo, como forma de se adaptar a esse local tão extremo. Exemplos comuns dessas adaptações são a perda de coloração da pele e a perda da visão, já que não há luz. Tipo algumas salamandras que ficam brancas e cegas quando vivem em cavernas.

Thomaz: Mas não havia uma determinação legal para que ocorresse, né. Na verdade o que ocorria dentro da lei antigamente é que todas as cavernas eram protegidas e ponto final. Só que hoje, com o decreto, houve uma instrumentalização das legislações estaduais que criaram alguns critérios, teve uma legislação federal, o decreto é federal, mas permitiu algumas instrumentalizações de legislação em nível estadual e com isso critérios foram criados para se determinar se uma caverna ela é de baixa, média ou alta relevância ou altíssima relevância. Essas relevâncias máximas, né, são cavernas que não podem ser a de forma alguma suprimidas ou impactadas. E aí cabe a uma decisão de um conselho, que vai fazer um plano de manejo. Então, por exemplo, no estado a gente tem o conselho do patrimônio espeleológico, né. Enfim, cada estado vai ter a sua instância para se determinar se aquela caverna realmente pode ou não ser aberta ao turismo.

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Frederico: O Geoturismo pode ser realizado em vários lugares e de diversas formas, como qualquer outro tipo de turismo. Às vezes está associado a locais isolados e imponentes, como grandes picos e montanhas, ou como no Grand Canyon nos Estados Unidos. Mas tem uma iniciativa relativamente recente no mundo, que busca outras formas de se fazer e pensar o geoturismo. São os Geoparques.

Marina: Pra gente definir o que é um geoparque, eu acho mais fácil a gente falar o que não é um geoparque. Então um geoparque não é uma unidade de conservação, geoparque não é uma área de preservação ambiental. E o geoparque não é um parque, por incrível que pareça. Então esse conceito de geoparque começou nos anos 90 na Europa, e é um conceito que ele foi desenvolvido pela UNESCO, que é um modelo de desenvolvimento regional sustentável. Então não é assim algo palpável, você não vai pagar um ingresso para ir no geoparque. Ele é um modelo de desenvolvimento regional, ele é uma região e nessa região a gente vai utilizar principalmente do geoturismo como uma ferramenta de aproximação da comunidade local, dos turistas, com os elementos da geodiversidade.

Mayra: Talvez você nunca tenha ouvido falar de um geoparque, o que não seria de se estranhar. Esse é, como a Marina nos explicou, um conceito muito mais comum na Europa e na China, mas que ainda está em desenvolvimento aqui no Brasil. Temos apenas um geoparque nacional   reconhecido pela UNESCO, que é o Geopark Araripe, localizado na Bacia Sedimentar do Araripe, no Ceará. No mundo, são 147 (cento e quarenta e sete) geoparques distribuídos por 41 países.

Marina: Por que tem tanto geoparque na Europa? Tanto geoparque na China? E aqui no Brasil só tem um? Será que é porque no Brasil tem menos patrimônio geológico, menos patrimônio natural, do que na Europa e na China? Eu acho que é o contrário, né? O Brasil tem muito mais patrimônio, muito mais potencial para desenvolver geoparque. Só que aí, o problema passa a ser político, porque é muito difícil para a gente da América Latina  conseguir se adequar aos padrões da UNESCO para ter tudo o que precisa pra ser um geoparque global.  

Mayra: Por não ser uma área de preservação, mas um modelo de desenvolvimento, a implementação de um Geoparque passa por um processo bastante complexo até ser reconhecido. A primeira etapa, que hoje está o Goepark Corumbataí, é a elaboração do projeto em si, que vai contar com a colaboração de cientistas e da população que mora na região. 

Frederico: Só depois de ter esse projeto muito bem estruturado, é que eles podem mandar a proposta pra UNESCO, que vai avaliar e dizer se o Geopark merece ou não o selo de geoparque global. Que é basicamente entrar para uma lista de referência organizada pela instituição. 

Marina: A comunidade acadêmica, ela percebe uma região que tem potencialidade geológica e turística também, propõe um geoparque e trabalha junto com a comunidade local para desenvolver esse geoparque. Então, por exemplo, no Geopark Corumbataí a proposta surgiu de uma iniciativa da Unesp com a Unicamp, o campus de Limeira o FCA, o câmpus de Rio Claro da Unesp, o IGCE e também  o PCJ, né, o comitê de bacias hidrográficas. Então a gente se reuniu e falou “vamos fazer um projeto”? “Vamos”, 

Mayra: Esse grupo organizou visitas às comunidades locais, explicando todo o projeto e convidando as pessoas a participarem junto. A Marina contou que fizeram umas feiras geoculturais, onde as pessoas podiam vender artesanatos e outras coisas que tivessem alguma ligação com a região do Geopark, como uma forma de divulgação.

Marina: Por exemplo, tem as conchas fósseis da Formação Corumbataí, né, então tem muita gente que fez pão em formato de concha para vender, bonequinho de mesossauro, assim, histórias infantis com o patrimônio geológico, sabe? Isso é ocupação da comunidade, é a comunidade perceber a importância do patrimônio que eles têm que, eles vivem, e usar isso de maneira educacional e também financeira. né, porque o geoparque, é bonito falar isso, mas também é uma alternativa econômica, né, para a comunidade. O que acontece muito na região, normalmente os geoparques, eles se desenvolvem em regiões não muito comerciais, não, são regiões que normalmente que sofrem com êxodo, porque as pessoas vão embora da cidade em busca de oportunidades melhores. E o geoparque ele traz essa possibilidade de você continuar na sua cidade e desenvolver algo com com esse patrimônio, entendeu? É um sentimento de pertencimento mesmo.

Frederico: Esse sentimento de pertencimento é realmente muito importante porque os geoparques, como a Marina nos falou, não pretendem apenas preservar o patrimônio natural, as rochas ou registros geológicos que existem naquela região, mas também os registros históricos e humanos. A gente tem falado bastante aqui de patrimônio, talvez seja bom fazer uma pausa antes de terminarmos pra Marina nos explicar melhor o que é isso:

Marina: São elementos que necessitam ser preservados, porque eles contam a nossa história como humanidade, como comunidade, como seres viventes no planeta Terra. Então esses patrimônios eles podem ser patrimônios naturais, quando a gente fala no caso da biodiversidade e da geodiversidade. Então, um fóssil, um afloramento e até mesmo uma árvore centenária, que tem uma história, pode ser um patrimônio natural. Aí tem patrimônio cultural também, patrimônio histórico, patrimônio imaterial, quando a gente fala de pessoas, tem pessoas que são muito importantes para a região e elas são consideradas meio que tombadas assim, pela UNESCO até, como patrimônio. Tem contadores de história, nossa é é muito bonito, sempre fico muito emocionada quando eu falo disso, eu acho muito bonito.

Mayra: É a presença das pessoas, que moram na região, ou que vão só para conhecer e visitar alguma atração turística que torna aquela região importante, que transforma uma estrutura rochosa em um destino turístico. É através das pessoas e do conhecimento que elas adquirem que o lugar ganha importância e pode, a partir daí, ser valorizado e preservado. 

Marina: As pessoas conhecem o que elas têm, sabe? Mas elas não sabem o que é, então elas conhecem aquela pedra engraçada que elas veem jogada no chão, mas elas não sabiam que era uma concha fóssil de 250 milhões de anos, e agora elas sabem. Então agora quando elas veem essas pedras diferentes jogadas pelo chão, elas têm um outro olhar, sabe? Então essas pedras que normalmente ficam tudo jogada no terreno dos outros, agora o pessoal já pega faz um trabalho meio que de museu, assim, sabe? Ou até mesmo constrói museus para isso, para guardar essas peças, muita ponta de lança, tem muita ponta de lança, na região do geoparque, feita de sílex, que acho que o pessoal também muitas vezes não conhece. São muitos sítios arqueológicos, e o pessoal conhecendo isso eles passam a preservar porque eles sentem esse pertencimento pela região, sabe?

Frederico: A Thaís resume bem a ideia de como é importante essa relação entre a academia, de quem faz a pesquisa, e as pessoas que vivem nessas regiões. 

Thaís: Então a gente precisa entender, fazer ciência, fazer a pesquisa nessas cavernas, gerar resultado, gerar produto, gerar conhecimento e depois não parar por aí, divulgar esse conhecimento pras escolas, pras comunidades da região, né, fazer com que elas entendam porque é importante preservar esses ambientes de uma maneira consciente, é que a gente vai fazer com que a gente tenha conservação e a divulgação desses ambientes de forma correta, segundo as legislações espeleológicas e ambientais que a gente precisa seguir.


Mayra:  Esse episódio foi apresentado por mim, Mayra Trinca e por Frederico Ramponi. A revisão do roteiro foi feita pela Ana Augusta Xavier e pela coordenadora do Oxigênio, a Simone Pallone, do Labjor Unicamp. Os trabalhos técnicos são do Gustavo Campos e do Octávio Augusto, da rádio Unicamp. 

A trilha sonora é do Freesound, da Biblioteca de Áudio do YouTube e uma das trilhas é do aluno do curso de Música da Unicamp Lucas Carrasco, criada especialmente para a série Escuta Clima, aqui do Oxigênio.

Frederico: Você também pode nos acompanhar nas redes sociais. Estamos no Facebook, (facebook.com/oxigenionoticias – tudo junto e sem acento), no Instagram e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”.

Mayra: Você pode deixar a sua opinião sobre este programa comentando na plataforma de streaming que utiliza. Até o próximo episódio!

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